Segunda-feira, 26 de agosto de 2024 - 17h37
Este ensaio é um estudo
provocativo, não traz uma resposta, apenas procura fundamentar uma pergunta,
preocupação: “A Constituição Federal de 1988 (CF88) teria um vício de origem,
hoje insolúvel, que ameaça toda a estrutura de poder?”.
O vício residiria na imensa amplitude
das atribuições aferidas no artigo 84 da Constituição de 1988 (CF88),
configurando as mais amplas atribuições de poder ao Presidente da República.
Vejamos o artigo constitucional, apesar de longo é uma oportunidade para se ler
a CF88:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente
da República:
·
I
- nomear e exonerar os Ministros de Estado;
·
II
- exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da
administração federal;
·
III
- iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta
Constituição;
·
IV
- sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e
regulamentos para sua fiel execução;
·
V
- vetar projetos de lei, total ou parcialmente;
·
VI
- dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na
forma da lei;
·
VI
- dispor, mediante decreto,
sobre: (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
·
a)
organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar
aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos
públicos; (Incluída
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
·
b)
extinção de funções ou cargos públicos, quando
vagos; (Incluída
pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
·
VII
- manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes
diplomáticos;
·
VIII
- celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do
Congresso Nacional;
·
IX
- decretar o estado de defesa e o estado de sítio;
·
X
- decretar e executar a intervenção federal;
·
XI
- remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da
abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as
providências que julgar necessárias;
·
XII
- conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos
instituídos em lei;
·
XIII
- exercer o comando supremo das Forças Armadas, promover seus oficiais-generais
e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos;
·
XIII
- exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e
nomeá-los para os cargos que lhes são privativos; (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1999)
·
XIV
- nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal
Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o
Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e
outros servidores, quando determinado em lei;
·
XV
- nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas
da União;
·
XVI
- nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o
Advogado-Geral da União;
·
XVII
- nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII;
·
XVIII
- convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional;
·
XIX
- declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso
Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões
legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização
nacional;
·
XX
- celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional;
·
XXI
- conferir condecorações e distinções honoríficas;
·
XXII
- permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras
transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente;
·
XXIII
- enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de
diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta
Constituição;
·
XXIV
- prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a
abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior;
·
XXV
- prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei;
·
XXVI
- editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62;
·
XXVII
- exercer outras atribuições previstas nesta Constituição.
·
XXVIII
- propor ao Congresso Nacional a decretação do estado de calamidade pública de
âmbito nacional previsto nos arts. 167-B, 167-C, 167-D, 167-E, 167-F e 167-G
desta Constituição. (Incluído
pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)
Parágrafo único. O
Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos
VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da
República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas
respectivas delegações.
No artigo 84 vemos as funções típicas do Chefe de Estado (VII,
VIII, XVIII, 2ª parte, XIV, XV, XVI,
1ª parte, XIX, XX, XXI e XXII), do Chefe
de Governo (I, III, IV, V, IX,
X, XI, XII, XIII, XIV, XVII, XVIII, primeira parte, XXIII, XXIV e XXVII) e do Chefe da Administração Pública: II, VI, XVI, 2ª parte e XXV (SILVA, 2003, p. 555-6). Outra forma, ainda mais
evidente, de visualizarmos as confusões reinantes entre Estado e Governo está
clarificada neste referido artigo 84 da Constituição Federal de 1988.
Não será um problema estrutural, institucional,
normativo-constitucional, misturar no próprio Texto Constitucional as
designações de governo e de Estado, mormente, quando sabemos que há diferenças
inamovíveis entre os termos?
Estado (perenidade) e governo (transitoriedade) são
institutos distintos, com designações, funções, atribuições completamente
diferentes – e ainda que não possam díspares constitucionais –, uma vez que têm
natureza, grandeza diversa, contando-se inclusive uma relação de subordinação,
hierarquização constitucional do governo ao Estado Democrático de Direito (arts
1º, 2º, 3º, 4º da CF88). Nesta leitura, o artigo 84 da Constituição de 1988 não
teria lógica constitucional e estaria em conflito com o escopo da Constituição –
o que suscita o debate acerca da condição compromissória da Constituição
Federal de 1988 (negociada pelas elites, pelo alto).
Aliás, a leitura do artigo 84 ainda
ajuda a avançar na prova construída acerca da tese do superpresidencialismo,
além de indicar como ao longo do tempo o artigo 84 foi sendo alimentado de outros
poderes, com as PECs de 1999 e 2021: a PEC de 2001 foi a mais generosa.
Ou, em outro sentido, esta
aludida deturpação de superpoderes não seria o problema em si, datado da origem.
Mas, ao contrário, o artigo 84 teria sido assim descrito na Constituição de
1988, inclusive, como tentativa de uma Via Prussiana? Pelo alto, com
crescimento da heteronomia compromissória da CF88, de deter os reflexos e os excessos
provindos da cultura política (“toma lá, dá cá). Ou seria apenas reflexo dessa
assim chamada Via Prussiana da política brasileira?
Como dado objetivo, lembremos
que o Legislativo central brasileiro, de Cunha a Lira, causou um rombo de 213
bilhões aos cofres públicos[1], com emendas parlamentares
que, em sua imensa maioria, não têm rastro, lampejo algum, de legalidade.
E, sem legalidade, é fácil
verificar que as emendas tampouco têm legitimidade, afinal, não há registro
republicano de que tenham alcançado objetos lícitos no seu destino. É como
dizer que a corrupção do erário se tornou regra, destruindo-se toda e qualquer
institucionalidade que pudesse haver sido compromissada com a própria
Constituição Federal de 1988, ao menos desde 2016.
Lira, como se sabe, é o atual
presidente da Câmara Federal e Cunha foi o motor do Golpe de Estado de 2016,
quando instado igualmente na presidência da Câmara em 2016 (Martinez, 2019). Devemos
relembrar também que o fenômeno do superpresidencialismo está presente no
escopo do Legislativo e, para ficarmos apenas no exemplo do golpismo de 2016 e
nas ameaças atuais, cabe destacar que dar andamento ao pedido de impeachment é
tarefa que cabe monocraticamente ao presidente da Câmara – seja qual for a casa
legislativa.
Desse modo, é oportuno
indagar: Já há alguma análise comparativa ao artigo 84 da CF88 – "compete
privativamente ao Presidente da República" – com esse desdobramento do
parlamentarismo fajuto?
O superpresidencialismo (27
incisos de exercício explícito de poder) teria auxiliado na criação do seu
revés, que é esse parlamentarismo golpista, ou tudo é unicamente fruto das
condições objetivas da política brasileira (o velho “toma lá, dá cá”)? Tudo
seria reflexo do eterno e reinante patriarcalismo, e seu desdobramento político
fisiológico chamado de populismo (de direita e de esquerda)?
Será que há uma combinação das
duas situações – a CF88 com vício redibitório e as ações perniciosas do Legislativo
central antirrepublicano?
Neste caso, teríamos que
agregar a informação de que o plebiscito de 1993 trouxe a opção pelo presidencialismo
(e pela República), em negação ao parlamentarismo (e à monarquia
constitucional). As votações foram separadas, porém, o fato de a monarquia
estar no roteiro (contra o republicanismo), por si, nos diz o que e quem
requeria mais poderes naquela época.
É bem fácil analisar o poder
diminuto que restou à monarquia derrotada no plebiscito de 1993, salvo pela
existência de um tipo de imposto que ainda cabe à família real (o Laudêmio
cobrado em Petrópolis/RJ), outrossim, o plebiscito histórico apenas reforça a
ilustração de que a política nacional tem bem poucos recursos iluministas.
Isto é, o atavismo, o
patriarcalismo, o ranço autoritário que flerta regularmente com o Fascismo
(reacionarismo, fanatismo, sectarismo), estão a toda nos corredores do
Legislativo nacional, especialmente na Câmara dos Deputados. Esta Câmara que já
foi chamada de “A Casa do Povo” ...
Então, se essa Casa ainda
expressa o Povo brasileiro, esse butim contra o erário não estaria de acordo
com a forma presente/permanente de corrupção da cultura política popular?
Não é descabido pensarmos que
isto parece ser um dilema insuperável, especialmente se observarmos as atuais
condições objetivas e imorais que compõem o Legislativo central brasileiro – um
modelo que se replica em Estados e municípios.
Referências
MARTINEZ, Vinício Carrilho. Teorias do Estado – Ditadura Inconstitucional:
golpe de Estado de 2016, forma-Estado, Tipologias do Estado de Exceção,
nomologia da ditadura inconstitucional. Curitiba-PR : Editora
CRV, 2019.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito
constitucional positivo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2003.
[1] Esta é somente uma medida matemática
inicial, resumida, do estrago causado ao Estado e ao Povo brasileiro, que
poderia ser beneficiado com esses recursos, se fossem aplicados em educação e
saúde pública, universidades e desenvolvimento da Ciência: https://noticias.uol.com.br/colunas/a-hora/2024/08/25/de-cunha-a-arthur-lira-emendas-crescem-11-vezes-e-consomem-r-213-bi.htm.
Acesso em 25/08/2024.
A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes
A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez
Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci
Todos os golpes no Brasil são racistas. Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas. É a nossa história, da nossa formação
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a