Segunda-feira, 15 de julho de 2024 - 16h06
Uma interpretação já tornada
clássica para definir o “modo americano de resolver a política” (a pax
americana aplicada em casa) é dada por meio do que Losurdo (2004) apelidou de
bonapartismo soft[1]. De modo inspirado,
recupera a análise de Marx (1978) sobre o próprio bonapartismo aplicado na
França insurreta, com a diferença de que a “via legal” será o modus operandi
empregado na restrição ou negação da Política – a segunda diferença,
decorrente, é o não-uso dos tradicionais golpes de Estado[2].
Em outras palavras, é um tipo
de democracia restritiva que emprega os meios de exceção como forma de manter
seu modelo sob o controle direto de um sistema político que apela à violência
em casos não muito esporádicos: contabilizam-se quatro assassinatos de
presidentes e quase duas dezenas de tentativas de assassinato de candidatos à
presidência ou ex-presidentes (sem contar as inúmeras figuras com destaque
político).
Assim, o atentado a Donald
Trump, candidato à presidência dos EUA, no dia 13 de julho, pode ser lido sob
esse prisma também. Outros dados revelam que a cultura de morte é uma regra
social, com armas de grosso calibre sendo vendidas praticamente em qualquer
lugar. Aliás, a própria Convenção do Partido Republicano, após o atentado do
dia 13/07, prevê não haver restrição de ingresso dos simpatizantes com armas de
fogo: o próprio atirador seria filiado ao Partido Republicano, o mesmo de
Donald Trump.
Há muitas lições a serem
retidas desse episódio, a começar pela peça publicitária transmitida ao vivo
para o mundo todo: o tiro acertou parte da orelha de Trump, agora uma vítima do
sistema do bonapartismo soft. Por sua vez, ao se levantar com sangue no
rosto e punho erguido e serrado, gritando três vezes “Lutem, Lutem, Lutem!”,
Donald Trump pôs fogo na extrema direita mundial: um ”nacionalismo globalizado”
(sic). Mensagem mais clara impossível.
No Brasil, o bolsonarismo já
se inflamou, seguiu para a Avenida Paulista, na Capital de São Paulo, e, em
meio a meia dúzia de seguidores da política estadunidense, bradava “viva a
América”. Sem se dar conta, é óbvio, de que a América é muito maior do que os
EUA. Porém, isso de nada lhes importa, porque seu nacionalismo não tem a
fronteira nacional e o Brasil é posto como apêndice dos EUA. É como se não
apenas o ”complexo de vira-latas” fosse acionado com botões verdes e amarelos,
mas, acima de tudo, fosse encarnado com orgulho: o orgulho nacional, para os
seguidores do Trump vitimado pela violência que ele prega, está na reza que se
faz para a bandeira dos EUA.
De modo pragmático, a eleição
contra os democratas de Joe Biden – e seus visíveis problemas de saúde e de
incapacidade de unir o partido em torno de si – parece resolvida. Como se diz
na política das disputas, “se o atentado não tivesse ocorrido, alguém
inventaria um jeito de fazer”. Por sinal, o uso da violência extremada parece
até cartas marcadas no andamento atual da disputa eleitoral entre Biden e
Trump, uma vez que o discurso de ódio extrapolou as expectativas: não são só os
imigrantes ilegais que estão na mira da extrema direita nos EUA, mas as
minorias em geral. Na verdade, a se confirmar um suposto “Projeto 2025”, tudo e
todos que não se enquadrarem na compulsão de morte (desejo absoluto de matar ou
morrer), no caos social, na miséria humana, na decadência da dignidade humana,
serão condicionados à ideia (mirabolante) de “extrema esquerda” e, como tal,
devem ser tratados como inimigos por essa extrema direita.
Faz muito tempo que os
adversários abandonaram a seara política, porque tudo que não for espelho (do
Fascismo reiterado) será abolido, sofrerá atentados dignos da pior inimizade.
Esse é um traço secular do Fascismo que advém da Itália fascista de Mussolini.
No mundo todo, que já via a
“onda fascista na Europa”, e no Brasil em especial – porque em 2024 já miramos
2026 –, não temos no atentado de Trump apenas um recado, mas sim um verdadeiro
cenário político desenhado: os capacetes de alumínio, os viajantes do lado de
fora dos para-brisas de caminhão, os fiéis que clamam por uma intervenção
sideral (de Ets), as orações para pneus e tantos outros e outras deformações
morais, cognitivas, retornarão mais fortes. Talvez mudem os nomes de seus
expoentes, na cola do governador de São Paulo, por exemplo; todavia, o que não
mudará é o desejo (hoje apenas contido) de repetirem os feitos dos seus mestres
e agentes da tentativa de golpe de Estado, aquele do dia 8 de janeiro de 2023 –
uma cópia da invasão do Capitólio dirigida após a derrota de Trump para Biden,
diga-se. O moto contínuo desse Fascismo pós-moderno foi ativado, com largada na
quinta marcha...
Referências
LOSURDO,
Domenico. Democracia ou bonapartismo: triunfo e decadência do sufrágio
universal. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004.
MARX,
Karl. O 18 Brumário e cartas a Kugelmann. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978.
[1] A inspiração para essa
combinação de democracia com exceção vem dos seus clássicos, o Federalista: “Com o objetivo de estar preparado para
qualquer acontecimento, é absolutamente necessário um governo dotado de
“energia” [n. 37], um “Executivo forte” [n. 70], que saiba eventualmente até
mesmo enfrentar o “desfavor” do povo e “seja capaz de impor a própria opinião
com decisão e energia” [n. 71], um
Executivo capaz de dispor, centralizadamente, de todos os corpos armados,
inclusive, em caso de necessidade, “da Milícia de cada estado” [n. 69]
(Losurdo, 2004, p. 99 – grifo nosso).
[2] “O inevitável
estado-maior das liberdades de 1848, a liberdade pessoal, as liberdades de
imprensa, de palavra, de associação, de reunião, de educação, de religião,
etc., receberam um uniforme constitucional que as fez invulneráveis. Com
efeito, cada uma dessas liberdades é proclamada como direito absoluto do cidadão francês, mas sempre
acompanhada da restrição à margem, no sentido de que é ilimitada desde que não
esteja limitada “pelos direitos iguais dos outros e pela segurança pública” ou
por “leis” destinadas a restabelecer precisamente essa harmonia das liberdades
individuais entre si e com a segurança pública [...] A Constituição, por
conseguinte, refere-se constantemente a futuras leis orgânicas que deverão pôr em prática aquelas restrições e regular o
gozo dessas liberdades irrestritas de maneira que não colidam nem entre si nem
com a segurança pública [...] Como resultado, ambos os lados invocam
devidamente, e com pleno direito, a Constituição: os amigos da ordem, que
ab-rogam todas essas liberdades, e os democratas, que as reivindicam. Pois cada
parágrafo da Constituição encerra sua própria antítese, sua própria Câmara Alta
e Câmara Baixa, isto é, liberdade na frase geral, ab-rogação da liberdade na
nota à margem” (Marx, 1978, p. 30 – grifo nosso).
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