Domingo, 1 de outubro de 2023 - 08h05
Vinício Carrilho Martinez (Dr.) – Professor Associado IV da
UFSCar
Nossa tese –
estampada no título – é uma excepcionalidade formulada diante da necessidade de
se conter, punir, desestimular novas tentativas de destituição da ordem
democrática e da imposição de regimes de exceção – notadamente por meio da ação
violenta, depredadora, disruptiva da ordem democrática.
Portanto, a tese praticamente se resume ao expediente do
emprego de uma exceção – excepcionalidade jurídica – a fim de mover/conter
outra exceção (exceptio): ação violenta contra a democracia. A tese tem o 8 de
janeiro de 2023 como referência: um horizonte de eventos sem precedentes na
história política da democracia.
Como sabemos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem
condenado os autores ou participantes da tentativa de golpe no 8 de janeiro –
visando a dissolução dos poderes constituídos – a duras penas. Provavelmente,
nas próximas fases das operações comandadas pela Polícia Federal (PF) alguns
idealizadores, financiadores, partícipes na organização direta da tentativa de
golpe possam vir ao juízo da Corte Suprema. Esses últimos envolvimentos nos
crimes contra o Estado Democrático de Direito ainda estão em fase de apuração.
Com as últimas ações da PF é investigada uma coleção de
crimes. Constam financiamento e participação direta em "crime de abolição
violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado,
associação criminosa, destruição e deterioração ou inutilização de bens
públicos", além de corrupção .
Se as ações
forem confirmadas, sem dúvida, será mais um caso para designar o que chamamos
de Justiça Política Restaurativa no Estado Democrático de Direito. Penas duras,
as maiores que a lei permitir, para que sirvam de exemplo negativo, ou seja, do
que não fazer, somadas a ações propositivas que obrigatoriamente deveriam
cumprir. As duras penas têm também um efeito pedagógico, pois, os exemplos
negativos funcionam como gatilho moral de redirecionamento das ações.
Iremos mais
didaticamente expor a concepção que pensamos adequada para avaliar os casos do
8 de janeiro; como veremos, temos os fatos sociais (os crimes em si) e a
natureza jurídica que os recobre, inicialmente. E é essa tipicidade inicial que
pensamos em alargar, uma vez que o horizonte dos fatos (o que conseguimos ver)
é igualmente inusitado para o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que tais
tentativas de dissolução da ordem democrática é ainda um caso típico e único –
e isto significa que os valores, a analogia, os princípios gerais do direito,
podem/devem ser parte ativa na formatação da jurisprudência democrática em favor
do Estado Democrático de Direito.
E que tese é essa (ainda em construção)?
1ª Fase: Questões iniciais e claras quanto à justiça
política restaurativa, em virtude do desdobramento da teoria tradicional da
justiça restaurativa.
• Como a
justiça restaurativa tradicional se aplica à Justiça Política Restaurativa no
Estado Democrático de Direito?
• Seria
adequada a aplicação de métodos restaurativos com relação aos atos de
08/01/2023?
2ª Fase: Abordando a “nova” tese do objeto jurídico.
1. Podemos pensar
que os golpistas e terroristas devem arcar com o ônus de suas ações. Como
abusadores do direito à democracia incorrem em graves crimes de planejamento,
financiamento, instigação e promoção de atentados ou cometimento dos mais
graves crimes contra o Estado Democrático de Direito.
2. Talvez para os
apenados possa servir como sinal de cooperação com a justiça e bom
comportamento. Porque os danos materiais provocados recaíram no erário e na
conta do povo. O que levaria ao direito do Estado de exigir ressarcimento
integral. Porém, os danos simbólicos, de enorme prejuízo à civilidade, por mais
que possam ser convertidos em danos morais, jamais terão êxito em corrigir o
dano causado. Em todo caso, esses recursos seriam destinados para projetos de
educação popular, com vistas à defesa da democracia.
2.1 O óbice que se
poderia colocar, em razão da lei, diz respeito à exceção de que serão atos de
livre e espontânea adesão. De fato, são, mas na recusa fica clara a incapacidade
dos réus em contribuir socialmente com a República.
3ª Fase: Talvez ainda coubesse uma reflexão complementar.
• Se houvesse
adesão dos apenados, os terroristas contribuiriam com a justiça penal. Seria um
sinal de interesse em sua própria ressocialização, o que poderia ser
considerado como bom comportamento que abateria uma parcela da culpa e da pena.
• Se não
houvesse adesão, ao apenado restaria enfrentar a recusa em colaborar com a
justiça e o cumprimento integral da pena.
Desse modo, incorporamos a teoria tradicional e não fazemos
concessões aos golpistas e terroristas. Frisando-se que a adesão aos postulados
da justiça política restaurativa implica em reforçar a confissão de culpa,
diante de um crime bárbaro e hediondo contra a sociedade e o Estado Democrático
de Direito.
São milhares
de casos, todavia, ilustra a tese da justiça política restaurativa o julgamento
e a prisão de idosos nazistas, na Alemanha de 2023 : punir com o máximo rigor
da Lei, obrigar ressarcimento às vítimas e à sociedade, e, nos casos graves
(Nazismo, racismo convicto, atentados contra o Estado Democrático de Direito a
fim de sua abolição), pensar-se em alguma ressocialização compulsória. Uma
forma de reeducação para viver em sociedade, com respeito à vida, democracia,
direitos humanos.
Neste contexto, tendo-se o princípio da dignidade humana e
o caráter da ressocialização da pena, podemos indagar: Qual é o papel da
educação nesses processos de "recuperação social" (empatia), uma vez
que são pessoas (os adultos) indiferentes à sociabilidade, civilidade,
convivialidade?
Como são ações criminosas para as quais a sociedade não
está preparada, pois, ou são datadas no passado nazista ou estão num horizonte nublado de eventos
(que não vemos muito bem), é possível falarmos de uma educação compulsória?
É o que se fez na Alemanha do pós-Segunda Guerra Mundial. O
start conceitual tornado clássico pela sua pontualidade histórica e abrangência
intempestiva é o consagrado texto de Adorno (1995), "Educação Após
Auschwitz". Deveria ser leitura obrigatória em todos os cursos de
pedagogia ou nas licenciaturas.
A natureza jurídica da tese da Justiça Política
Restaurativa ainda tem um aporte embrionário na própria ideia do “horizonte de
eventos”, tendo já sido empregada pelo STF, por exemplo contra as Fake News de
2022, sob a guarida do "estado de coisas Inconstitucional".
Obviamente, contra as Fake News, observamos uma excepcionalidade sequer
registrada na Constituição Federal de 1988 (CF88), e que, por sua vez, foi
acionada para fins de defesa e de soberania da própria CF88 e da ordem
democrática.
Referência
ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro :
Paz e Terra, 1995.
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