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Vinício Carrilho

Uma exceção contra 8 de janeiro de 2023 - Justiça política restaurativa no Estado Democrático de Direito


Uma exceção contra 8 de janeiro de 2023 - Justiça política restaurativa no Estado Democrático de Direito - Gente de Opinião

Vinício Carrilho Martinez (Dr.) – Professor Associado IV da UFSCar

 

         Nossa tese – estampada no título – é uma excepcionalidade formulada diante da necessidade de se conter, punir, desestimular novas tentativas de destituição da ordem democrática e da imposição de regimes de exceção – notadamente por meio da ação violenta, depredadora, disruptiva da ordem democrática.

Portanto, a tese praticamente se resume ao expediente do emprego de uma exceção – excepcionalidade jurídica – a fim de mover/conter outra exceção (exceptio): ação violenta contra a democracia. A tese tem o 8 de janeiro de 2023 como referência: um horizonte de eventos sem precedentes na história política da democracia.

Como sabemos, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem condenado os autores ou participantes da tentativa de golpe no 8 de janeiro – visando a dissolução dos poderes constituídos – a duras penas. Provavelmente, nas próximas fases das operações comandadas pela Polícia Federal (PF) alguns idealizadores, financiadores, partícipes na organização direta da tentativa de golpe possam vir ao juízo da Corte Suprema. Esses últimos envolvimentos nos crimes contra o Estado Democrático de Direito ainda estão em fase de apuração.

Com as últimas ações da PF é investigada uma coleção de crimes. Constam financiamento e participação direta em "crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado, associação criminosa, destruição e deterioração ou inutilização de bens públicos", além de corrupção .

         Se as ações forem confirmadas, sem dúvida, será mais um caso para designar o que chamamos de Justiça Política Restaurativa no Estado Democrático de Direito. Penas duras, as maiores que a lei permitir, para que sirvam de exemplo negativo, ou seja, do que não fazer, somadas a ações propositivas que obrigatoriamente deveriam cumprir. As duras penas têm também um efeito pedagógico, pois, os exemplos negativos funcionam como gatilho moral de redirecionamento das ações.

         Iremos mais didaticamente expor a concepção que pensamos adequada para avaliar os casos do 8 de janeiro; como veremos, temos os fatos sociais (os crimes em si) e a natureza jurídica que os recobre, inicialmente. E é essa tipicidade inicial que pensamos em alargar, uma vez que o horizonte dos fatos (o que conseguimos ver) é igualmente inusitado para o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que tais tentativas de dissolução da ordem democrática é ainda um caso típico e único – e isto significa que os valores, a analogia, os princípios gerais do direito, podem/devem ser parte ativa na formatação da jurisprudência democrática em favor do Estado Democrático de Direito.

E que tese é essa (ainda em construção)?

1ª Fase: Questões iniciais e claras quanto à justiça política restaurativa, em virtude do desdobramento da teoria tradicional da justiça restaurativa.

•        Como a justiça restaurativa tradicional se aplica à Justiça Política Restaurativa no Estado Democrático de Direito?

•        Seria adequada a aplicação de métodos restaurativos com relação aos atos de 08/01/2023?

 

2ª Fase: Abordando a “nova” tese do objeto jurídico.

1.      Podemos pensar que os golpistas e terroristas devem arcar com o ônus de suas ações. Como abusadores do direito à democracia incorrem em graves crimes de planejamento, financiamento, instigação e promoção de atentados ou cometimento dos mais graves crimes contra o Estado Democrático de Direito.

 

2.      Talvez para os apenados possa servir como sinal de cooperação com a justiça e bom comportamento. Porque os danos materiais provocados recaíram no erário e na conta do povo. O que levaria ao direito do Estado de exigir ressarcimento integral. Porém, os danos simbólicos, de enorme prejuízo à civilidade, por mais que possam ser convertidos em danos morais, jamais terão êxito em corrigir o dano causado. Em todo caso, esses recursos seriam destinados para projetos de educação popular, com vistas à defesa da democracia.

 

2.1    O óbice que se poderia colocar, em razão da lei, diz respeito à exceção de que serão atos de livre e espontânea adesão. De fato, são, mas na recusa fica clara a incapacidade dos réus em contribuir socialmente com a República.

 

3ª Fase: Talvez ainda coubesse uma reflexão complementar.

 

•        Se houvesse adesão dos apenados, os terroristas contribuiriam com a justiça penal. Seria um sinal de interesse em sua própria ressocialização, o que poderia ser considerado como bom comportamento que abateria uma parcela da culpa e da pena.

 

•        Se não houvesse adesão, ao apenado restaria enfrentar a recusa em colaborar com a justiça e o cumprimento integral da pena.

 

Desse modo, incorporamos a teoria tradicional e não fazemos concessões aos golpistas e terroristas. Frisando-se que a adesão aos postulados da justiça política restaurativa implica em reforçar a confissão de culpa, diante de um crime bárbaro e hediondo contra a sociedade e o Estado Democrático de Direito.

         São milhares de casos, todavia, ilustra a tese da justiça política restaurativa o julgamento e a prisão de idosos nazistas, na Alemanha de 2023 : punir com o máximo rigor da Lei, obrigar ressarcimento às vítimas e à sociedade, e, nos casos graves (Nazismo, racismo convicto, atentados contra o Estado Democrático de Direito a fim de sua abolição), pensar-se em alguma ressocialização compulsória. Uma forma de reeducação para viver em sociedade, com respeito à vida, democracia, direitos humanos.

Neste contexto, tendo-se o princípio da dignidade humana e o caráter da ressocialização da pena, podemos indagar: Qual é o papel da educação nesses processos de "recuperação social" (empatia), uma vez que são pessoas (os adultos) indiferentes à sociabilidade, civilidade, convivialidade?

Como são ações criminosas para as quais a sociedade não está preparada, pois, ou são datadas no passado nazista  ou estão num horizonte nublado de eventos (que não vemos muito bem), é possível falarmos de uma educação compulsória?

É o que se fez na Alemanha do pós-Segunda Guerra Mundial. O start conceitual tornado clássico pela sua pontualidade histórica e abrangência intempestiva é o consagrado texto de Adorno (1995), "Educação Após Auschwitz". Deveria ser leitura obrigatória em todos os cursos de pedagogia ou nas licenciaturas.

A natureza jurídica da tese da Justiça Política Restaurativa ainda tem um aporte embrionário na própria ideia do “horizonte de eventos”, tendo já sido empregada pelo STF, por exemplo contra as Fake News de 2022, sob a guarida do "estado de coisas Inconstitucional". Obviamente, contra as Fake News, observamos uma excepcionalidade sequer registrada na Constituição Federal de 1988 (CF88), e que, por sua vez, foi acionada para fins de defesa e de soberania da própria CF88 e da ordem democrática.

 

Referência

ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1995.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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