Segunda-feira, 22 de janeiro de 2024 - 08h20
Na
vida, por vezes, sentimentos de impotência, frustração e ceticismo invadem
alma, e nos lamentamos ao olhar para trás e constatar que, por imaturidade, ou
dificuldade em discernir naqueles primeiros passos da caminhada rumo à
idade da razão, não fomos mais corajosos ou conscientes. Decidimos no ímpeto de
motivações passageiras que nos levaram por caminhos difíceis, mas nem por isso
temos o direito de nos autocondenar por tais decisões que hoje, de forma
consciente, não tomaríamos. Elas foram imprescindíveis ao nosso
processo de amadurecimento.
Não
devemos ser injustos ou implacáveis ao julgar nosso próprio passado,
às vezes condenando-nos a carregar um doloroso e injustificável sentimento
de culpa por incapacidade de compreender os antecedentes circunstanciais e as
pressões que nos influenciaram, sendo decisivos para os desdobramentos. Apesar
das ilusões e desilusões, hoje, com serenidade, podemos desfrutar de uma
inexorável paz interior e uma gratificante sensação de liberdade em plenitude,
por havermos chegado aonde nos foi possível. O exercício da magistratura requer
uma longa formação e ainda assim juízes bem preparados cometem erros, alguns
irreparáveis. A imperfeição é uma das características do ser humano que não
pode ser eliminada. A benevolência, o respeito e a empatia devem começar dentro
de cada um.
Os
percalços da jornada nos deram a maturidade que hoje nos permite compreender o
poder da mente, o significado da coexistência leve, solidária e fraterna, sem a
pretensão de mudar a visão de mundo de pessoas que tiveram experiências únicas
e, em diferentes frentes da vida, adquiriram a própria capacidade de
conceituação. Devemos respeitá-las sem a pretensão tola de fazer prevalecer sobre
elas nossos conceitos, sem esperar que tenham nossa mesma visão de mundo, ou
que tenham adquirido a mesma educação e desenvolvido a consciência plena de que
a mente tem a incrível força de gerar bem-estar, ou simplesmente nos aprisionar
num mundo de dificuldades ou frustrações. O aprendizado que nos leva à
maturidade é decorrente de um processo lento através de décadas, não tolerando
mudanças radicais que apenas atendam à intolerância ou à necessidade de outro
em fazer prevalecer aquilo que acredita ser correto. Temos o direito de
escolher se queremos ser alegres ou tristes, exteriorizar frustrações ou
gratidão existencial. Porém, devemos conviver respeitando e aprendendo com as
diferenças, predispostos a dissipar divergências e promover convergências. É possível
usar a mente para gerar descontração, jamais estresse, que apenas comprometerá
a conquista da harmonia interior e exterior de que tanto necessitamos para o
equilíbrio existencial.
Nunca
devemos esquecer que, junto com quase oito bilhões de pessoas, fomos
lançados num mundo material e funcional preexistente, com instituições,
sistemas, ideologias, religiões e uma poderosa máquina de propaganda. Não
tivemos alternativa a não ser inserir-nos, ou fundir-nos nele, tornando-nos
irremediavelmente escravos de culturas antigas e arcaicas que lentamente vão se
modificando no tempo, de acordo com as necessidades ou conveniências dos
dominadores de passagem por essa vida.
Não
tivemos a opção de escapar da influência de todos os conceitos ou construções
que aprendemos de acordo com os ditames da cultura e da família onde nascemos.
Recebemos como legado apenas aquilo que alcançavam em termos de conhecimento e
consciência, sendo um privilégio de poucos conseguir vislumbrar que a vida em
sua essência nos desafia a evoluir de uma visão micro, ou sectária, para uma
percepção macro do universo. Esse é o único modo de sair desse turbilhão, ou
buraco negro, por vezes imundo, formado por uma densa e opaca matéria que nos
aprisiona em uma camisa de informações, conceitos, crenças e percepções nas
quais a verdade relativa é forjada.
Mas
a vida não é apenas isso. Devemos descobrir um pouco mais, evoluir em
consciência e razão, sem prejuízo da natureza humana de divagar por dimensões
mitológicas ou imaginativas em busca de alcançar o inalcançável, compreender o
intangível e materializar o imaterial, cuja existência se limita ao
âmbito dos desejos e pensamentos pouco prováveis no mundo real.
Vivemos
uma inércia cultural, assemelhada a uma letargia na qual permanecemos sujeitos
a tudo, sob a égide de influência dos poucos que tomam para si o direito
ilegítimo e o poder. Somos escravizados e explorados como vítimas do nosso
egoísmo e das nossas ambições de consumo, carências, expectativas de perfeita
felicidade, vida eterna e outros encantos de consecução possível no plano
imaginativo. Sem que tenhamos consciência dessa condição, estamos sujeitos a
ser destruídos a qualquer momento se ousarmos destoar do conjunto de normas,
padrões e narrativas mutáveis, estabelecidas à conveniência dos que
exercem o poder em benefício próprio, promovendo guerras, injustiças e miséria.
Acobertados pelo manto da covardia, alheios à ética, à empatia, ao respeito e à
preservação da vida no planeta, esses dominadores se esquecem de que, como
todos, estão de passagem e nada haverão de levar, além de um espírito em paz ou
atormentado.
Humildade e gratidão pela vida são evidências de dignidade e ascensão espiritual.
Existimos
em tempos desafiadores, de aparências vazias, no cruel império das mentiras. A leitura
da realidade se tornou igualmente superficial, no qual as pessoas estão
predispostas a contestar, jamais refletir sobre a essência, buscando adquirir
dela algum elemento que possa ajudar no aprimoramento pessoal.
A
alma e os bons sentimentos partiram, deixando como legado a insanidade mental,
o fanatismo de uma religiosidade falsa, hipócrita e insana, na qual
milhares de seres inocentes e vulneráveis agonizam desesperados, antes de
desaparecer ante a inércia das forças que acreditaram existir. Partem sem
qualquer sentido, querendo resposta ao injustificável desamparo que cobre de
vergonha a humanidade, que se distancia veloz do ponto no horizonte, onde
habita inalcançável a consciência.
Washington D.C., 21 de
janeiro de 2024
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