Domingo, 19 de fevereiro de 2012 - 08h34
Caroline Lovell, fotógrafa de 36 anos, moradora de Melbourne, na Austrália, casada com Nick, mãe de Lulu, de três anos, era defensora do parto domiciliar, chegando a pleitear junto ao governo australiano reconhecimento profissional e remuneração oficial às parteiras.
Prestes a dar à luz, queria parir no conforto de seu lar. Logo após o nascimento de sua filha, Zahra, em 23 de janeiro de 2012, parece que teve grande hemorragia, como sugeriu o jornal inglês Daily Mail, que divulgou a triste notícia em 1º de fevereiro. O caso ainda está sob investigação das autoridades australianas. Fato é que, logo após o parto, ela evoluiu com parada cardíaca e foi levada pelos socorristas ao hospital, que atestou sua morte no dia seguinte à internação.
“E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou... E agora José?”.
Não fosse apenas trágica, a morte de Caroline Lovell durante complicações de seu parto domiciliar, bandeira defendida por ela (até o segundo fatal), reacende as discussões sobre segurança no parto. Bem verdade que, nos últimos cinquenta anos, no mundo em geral, e no Brasil em particular, a incidência de parto não hospitalar reduziu-se vertiginosamente e hoje representa menos de 1% dos nascimentos. Todavia, influências recentes, midiáticas e hollywoodianas, têm apresentado a (falsa) percepção à sociedade da segurança do parto não hospitalar.
A verdade, e a despeito de controvérsias, é que o parto é a mais perigosa viagem empreendida pelo Homem, pontilhada de riscos e surpresas, enquanto o feto percorre o desfiladeiro materno. Os que militam a Obstetrícia bem o sabem, que durante o acompanhamento de uma grávida em trabalho de parto, dito de baixo risco, muitas situações clínicas podem complicar a parturição: sangramento, elevação da pressão arterial materna, sofrimento fetal agudo e prolapso do cordão umbilical. São todas situações que demandam atendimento médico imediato, em local que possa oferecer tratamento adequado ao binômio materno-fetal: o hospital. A verdade é que o conceito de parto de baixo risco é uma falácia, pois a obstetrícia não é ciência de prognóstico, senão a arte de diagnósticos sucessivos.
“E agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho... A noite esfriou, o dia não veio, o riso não veio, não veio a utopia, e tudo acabou... E agora, José?
De certo, aqueles que advogam pelo parto não hospitalar, argumentam sobre os elevados índices de mortes maternas que ocorrem com toda a estrutura das maternidades. Certamente muito deve ser feito nesta seara: efetivar a assistência pré-natal - identificando precocemente pacientes que precisam de cuidados, melhorar a qualidade das maternidades - criando espaços de acolhimento e ambiente confortável para parturição, qualificando permanentemente seus profissionais, médicos e enfermeiras para atender com qualidade às parturientes e remunerando-os de forma justa, fortalecer o sistema de referência para os casos graves, garantindo suporte permanente à paciente. Ainda assim, e a despeito das dificuldades pelas quais nossas maternidades passam, elas são mais adequadas para garantir a segurança da grávida. É isso que pensa a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia do Estado do Rio de Janeiro (SGORJ), lideranças permanentes em favor do parto seguro hospitalar. Da mesma forma considera o Conselho Federal de Medicina (CFM) e o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ), fundamentais na luta da Causa Médica contra o parto inseguro.
A despeito disso tudo, parto não hospitalar programado continua acontecendo no Brasil. No Rio de Janeiro ele também ocorre de forma indiscriminada, da Zona Sul à Zona Oeste, entre mulheres com posses e outras mais desvalidas. Imaginem o cenário, que rogo Deus nos livre, de uma destas grávidas apresentarem complicações na hora do parto. Imaginem ter que ligar para uma ambulância socorrer a parturiente e aguardar sua chegada... Mesmo se houver uma ambulância parada no local do parto, imaginem o tráfego que ela terá que pegar, mesmo com sirene ligada, para atravessar nossa cidade - pontilhada em obras para a Copa e Olimpíadas - em busca de cuidados. Vale a pena correr este risco?
Estamos de luto! Caroline Lovell, defensora do parto domiciliar, morreu por complicações do parto após dar à luz em sua casa. Deixou marido e duas filhas. É preciso que a sociedade reflita onde é mais seguro para suas mulheres parir.
“E agora José? Se você gritasse, se você gemesse, se você morresse... Mas você não morre, você é duro, José!”
Não temos a autoridade literária de Drummond, nossa Arte é o Ofício de Cuidar, mas, com licença poética, talvez seja hora de perguntar não ao José – que não morre, mas àquelas que são ceifadas no momento mais lindo de suas vidas: a maternidade.
E agora Maria? E agora Maria...
Fonte:Antonio Braga, professor PhD de Obstetrícia da Universidade Federal Fluminense - Vera Fonseca, presidente da SGORJ e diretora-executiva da FEBRASGO - Márcia Rosa de Araújo, presidente do CREMERJ
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