Quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012 - 06h31
Carolina Pimentel
Agência Brasil
Brasília – Pelo menos uma vez por mês, a paranaense Bénie Bussmann, 37 anos, precisa ser hospitalizada. O quadro é de dores intensas no abdômen e nas costas, além de naúseas. Os remédios aliviam os sintomas, mas não evitam novas crises. Essa rotina já dura cinco anos. Bénie é uma das brasileiras que sofrem de porfiria aguda, uma doença rara causada pela deficiência de uma enzima relacionada à hemoglobina.
Bénie sofreu a primeira crise de porfiria - doença hereditária - aos 15 anos de idade. Porém, o diagnóstico só foi confirmado há oito anos. Não se sabe ao certo quantas pessoas no mundo têm porfiria. Acredita-se que uma a cinco pessoas em cada 100 mil habitantes podem desenvolver algum tipo do distúrbio metabólico. No Brasil, a estimativa varia de 1.900 a 9.500 pessoas.
A subnotificação e o fato de não afetar tantas pessoas em comparação a outras enfermidades levam as doenças raras a serem desconhecidas até mesmo dos próprios médicos, resultando no diagnóstico tardio ou equivocado. Em alguns casos pode demorar 20 anos para a constatação de que uma pessoa sofre de doença rara. Em uma das crises, Bénie conta que a dor era tão intensa que um médico queria submetê-la a uma cirurgia.
Devido à porfiria, Bénie diz não ter tanta energia para fazer várias atividades e lembra que tem de tomar constantemente remédios para controlar as dores. Ela evita alguns tipos de medicamento, como analgésicos, que são verdadeiros estopins para uma crise. “Me sinto fraca, o braço treme e são fisgadas de dor. Não consigo nem tomar um gole de água que já sinto náuseas”, relata.
Nos momentos mais críticos, precisa ficar internada por vários dias, afastada do trabalho de pedagoga na rede pública de ensino em Curitiba. Além das dores, ainda tem de lidar com o preconceito em relação à doença. “Uma vez, uma colega deu uma indireta de que eu não iria trabalhar só por causa de uma dor na barriga”, conta Bénie, que é vice-presidenta da Associação Brasileira de Porfiria.
As mudanças de hábitos impostas pela doença afetaram também a vida pessoal da pedagoga. “Ele [o ex-marido] descobriu junto comigo a doença e não conseguiu lidar. Acho que não deu conta de lidar com a pessoa em que me transformei”.
No Dia Mundial das Doenças Raras, lembrado hoje (29), Bénie e outros brasileiros chamam a atenção para as dificuldades de enfrentar uma enfermidade que quase ninguém conhece. Entre elas estão a falta de médicos, laboratórios e hospitais especializados e o alto custo do tratamento - a maioria dos remédios não está disponível no Brasil e precisa ser importada.
“É de absoluta necessidade a conscientização da classe médica e da população em geral sobre os sintomas e o tratamento”, alerta Raquel Martins, presidenta da Associação Brasileira de Portadores de Angiodema Hereditário - doença genética que provoca inchaços em vários partes do corpo, inclusive na laringe.
Para ter acesso à medicação, muitos pacientes têm recorrido à Justiça. Apenas em 2011, o Ministério da Saúde desembolsou R$ 167 milhões para atender a 433 ações judiciais que determinavam a compra de remédios para pessoas com doenças raras.
Há três anos, o governo federal lançou a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica com o objetivo de criar uma rede de assistência a pessoas com doenças raras, inclusive com centros de aconselhamento genético. Segundo o Ministério da Saúde, o entrave é que existem 5 mil alterações genéticas que podem levar à ocorrência dessas doenças. A maior parte delas não tem cura e nem tratamento com eficácia comprovada, e os remédios servem para amenizar os sintomas, segundo a pasta.
Atualmente, 80 hospitais são equipados para consultas em genética clínica e realizaram mais de 71 mil atendimentos no ano passado. Os gastos com exames de laboratórios e consultas somam cerca de R$ 4 milhões por ano, conforme o governo federal. Já existem protocolos com orientações para indicação de remédios e exames pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para 18 tipos de doenças raras.
Na avaliação de entidades que representam pacientes com doenças raras, o atendimento precisa ser personalizado diante das demandas específicas. “A criação de um centro de referência em doenças genéticas com atenção especial, tratamento diferenciado, com orientação à família e com profissionais capacitados seria uma boa pedida. Não é algo tão impossível de fazer”, cobra Valério Oliveira, presidente da Associação Brasileira das Pessoas com Hemangionas e Lifangiomas - má-formação vascular que resulta em manchas avermelhadas no rosto.
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