Quinta-feira, 8 de março de 2012 - 05h09
Por William Haverly Martins
Em homenagem ao 8/03/2012, Dia Internacional da Mulher, resolvemos publicar o extrato de uma palestra que fizemos em Guajará Mirim, durante o III Encontro de Escritores de Rondônia.
No contexto sócio-histórico-cultural a mulher esteve sempre sob a sujeição vexatória do patriarcado, os valores centrados no poder do homem refletiam as ideias de deuses machistas. O mundo preparou melhor a competência masculina, segregando a mulher do acesso à educação, à cultura. Nesta ingrata luta de equiparação de forças, as desvantagens femininas advêm do império da força muscular, ou da força de argumentos consuetudinários centrados nas várias religiões espalhadas pelo mundo.
Ainda bem que este poderio machista secular vem se diluindo, por conta da solidariedade de parcela da comunidade masculina, essencialmente a mais intelectualizada, a de visão mais abrangente, mas e principalmente, pelo surgimento dos movimentos feministas da década de sessenta que estimularam uma consciência de alteridade em defesa da identidade cultural e histórica da mulher.
O Deus criador, dos hebreus e posteriormente dos cristãos, fez a mulher a partir de uma costela do homem, ou seja, ela era um mero subproduto dele, e devia-lhe irrevogável submissão, codificada em vários livros da Bíblia. O hebraico sequer tinha uma palavra que significasse “mulher”, e Eva não era um nome próprio, simbolizava a mãe de todos os viventes. Das mulheres bíblicas destaco Judith, a que usou inteligentemente o sexo para subtrair a cabeça do inimigo.
Acreditava-se na Grécia que o gênio artístico guardava uma porção divina da qual as mulheres não faziam parte. Predestinada e vista como ser incompleto, no direito romano chegou a ser considerada “res”, volto a lembrar, à mulher, foi negado, durante muitos séculos, o acesso à educação, ao conhecimento, tentaram impingir-lhe ignorância eterna.
Nesta ingrata luta pela sobrevivência, para a mulher, especialmente, ser escritora era uma compensação, porquanto se dividia entre o chamamento da arte literária e as imposições sociais, que exigiam dela o desempenho de papéis predeterminados: “a febre de produzir, de poder sucessivamente criar um filho de sua carne e um filho de seu sonho, fazer o homem e criar a ficção, desfraldando a bandeira da pátria duas vezes, no culto da família e no da arte literária, é uma sensação nobre e que oferece à consciência da mulher uma tranquilidade perfeita”. Em muitas civilizações ter filha mulher era, e em certos países ainda é, sinal de mau agouro, ou castigo divino.
Acovardadas por esta hostilidade poucas foram as mulheres que enveredaram pelos difíceis caminhos da literatura e, quando se dispuseram a encantar ou desencantar a palavra, usaram o artifício do pseudônimo para serem lidas.
O reconhecimento da sociedade, embora setorial e tardio, coroou a obstinação e o talento, hoje mulheres já não são olhadas com desdém ou indiferença pelos homens, mas reconhecidas por governos, academias, universidades, enfim, reconheceram que a força do talento não tem sexo, embora muitos teimem em vesti-lo de calças.
A historiografia literária no Ocidente sempre foi uma atividade reconhecidamente masculina, mas isso não impediu que as mulheres escrevessem. Tudo se pode escravizar no mundo, menos o pensamento, portanto o dom e a genialidade da mulher, se existirem, implodirão amarras e lhe trarão visibilidade literária, consequentemente o sucesso almejado. Seria impossível nomear, neste pequeno trabalho, as mulheres que marcaram a literatura com a história de suas vidas, com seus textos capazes de moldar a mente dos leitores, arrefecendo-lhes a solidão.
No entanto, vale a pena citar algumas destas cabeças brilhantes que produziram literatura, que combinaram palavras e mostraram mundos, que nos ensinaram a sentir, que nos disseram como enxergar. Em 1909 a sueca Selma Lagerlof (1858 – 1940) garantiu o primeiro prêmio Nobel de Literatura para as hostes femininas. De igual modo, muitos anos depois Marguerite Yourcenar conseguiria ingressar na Academia Francesa de Letras, exatamente no dia 6 de março de 1980.
Vale salientar que a Academia Francesa de Letras foi criada pelo Cardeal Richelieu em 1635, passou por vários percalços por conta da Revolução Francesa e se estabeleceu definitivamente no reinado de Luis XVIII, em 1816.
Sobre Marguerite ainda pairam comparações absurdas, dizem os críticos que ela escrevia como homem, simplesmente porque passou vinte e sete anos, pesquisando a vida e a alma do Imperador Adriano para, então, encorajar-se na brilhante tarefa de escrever as Memórias de Adriano, como se o próprio. A respeito da polêmica, Marguerite assim se pronunciou: “usei um pé na erudição, outro na magia, ou, mais exatamente e sem metáfora, nesta magia simpática que consiste em nos transportarmos em pensamento ao interior de alguém”.
Mas nem só da belga de origem francesa, é feita a literatura feminina. Nosotros cá da Latina América também temos nossos ícones de saias que não ficam muito a dever às de além mar.
No tempo em que se acreditava na inexistência da alma e dos sentimentos dos escravos, a cubana Gertrude Gómez de Avellaneda deu voz ao explorado: o polêmico romance SAB, foi publicado em Madri em 1841, dez anos antes que aparecesse no “The National Era” o primeiro capítulo de La cabaña del tio Tom, o famoso romance de Harriet Beecher Stowe sobre a escravidão nos Estados Unidos. Gertrude descreve a crueldade com que eram tratados os escravos nos engenhos de açúcar de Cuba.
No Brasil, Maria Firmina dos Reis, que como mulata viveu diretamente a segregação social e racial, publicou em 1859, Úrsula, o primeiro romance abolicionista deste país, e o primeiro escrito por uma mulher. Úrsula aborda a escravidão a partir do ponto de vista do outro. Mais tarde, em 1887, escreveu o belíssimo conto “A escrava”.
Como se estivesse dando saltos no tempo e para não me tornar maçante, citarei nomes femininos ilustres sem muitos comentários, apenas pelo prazer de registrar a existência das vozes do passado, hoje esquecidas pelos jovens, preocupados com a moral vitoriana da literatura teen de Stephenie Meyer e os seus vampiros amorosos.
Em 1890 a peruana Clorinda Matto de Tuner lançou a revista “El Peru ilustrado” onde publicava textos exigindo igualdade, transgredindo o discurso patriarcal hegemônico do final do século XIX quando as mulheres latino-americanas ainda apareciam indefesas. Por esta ousadia e por bater de frente com o clero, foi expulsa dos meios intelectuais e de seu próprio país, morreu na Argentina em 1909 e somente quinze anos depois, em 1924 seus restos mortais foram enterrados em Lima.
A porto-riquenha Rosário Ferré se constitui em uma figura chave na história cultural da América Latina porque rompe com a tradição feminina ao adotar uma posição política diante da sociedade, em Papeles de Pandora (de 1976) y Maldito Amor (de 1986), seus livros mais famosos, as mulheres são rebeldes que pugnam por ocupar um lugar que lhes corresponde em um contexto de luta entre classes sociais, dominação de gênero, da burguesia e dos Estados Unidos, através de uma polifonia de vozes femininas que resgatam a linguagem popular e que lutam contra a fragmentação de sua própria identidade.
Fanny Buitrago em El hostigante verano de los dioses (de1963) questiona a forma de relação entre homens e mulheres. A colombiana Marvel Moreno (1935-1995) incorpora em - Algo tan feo em la vida de uma señora bien - personagens femininos que podem escutar-se e compreender-se como mulheres. Laura Antillano na Venezuela, Isabel Allende no Chile e tantas outras fazem parte deste rol de denodadas escritoras latinas.
No Brasil do século XX e XXI, não podemos esquecer de Helena Parente, Lygia Fagundes Teles, Nélida Piñon, acadêmica e grande escritora. Entretanto a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras foi Rachel de Queiroz , em 4 de novembro de 1977, ocupando a cadeira de número 5 cujo patrono é Bernardo Guimarães. Nasceu em Fortaleza-CE em 17 de novembro de 1910, foi professora, jornalista, romancista, cronista e teatrólogo. Escolheu a temática da pobreza nordestina. Em 1939 conquistou o prêmio da Sociedade Felipe de Oliveira, com o romance “As três Marias” e em 1957 abocanhou o prêmio Machado de Assis da ABL pelo conjunto da obra.
Só para confirmar o óbvio, esclareço que a Academia Brasileira de Letras foi fundada por Machado de Assis no dia 20 de julho de 1897, portanto passaram-se 80 anos para que uma mulher ingressasse na academia, hoje elas são quatro: Ana Maria Machado, Cleonice Berardinelli, Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon.
Da mesma forma que a escrita de Marguerite Yourcenar me impressiona, Clarice Lispector entusiasma minha certeza na inexistência de gênero, quando o assunto é talento literário. É natural, pelo já discorrido, que elas sejam em menor número. Clarice Lispector não alcançou a Academia de Letras, mas foi mestra na Academia da Vida, escritora de ficção de vanguarda com uso de metáforas íntimas e de ruptura.
Clarice revela, em seus romances, uma permanente crise de identidade através de um estilo que ela mesma definiu como “não estilo”. Os personagens femininos, de seus romances e contos, são complexos e estão na luta desde a solidão à desvantagem social. A reflexão sobre eles mesmos é uma constante, falam com eles mesmos e com seu eu mais íntimo. Segundo Clarice, o ato de escrever a conduzia ao vazio: “Tenho medo de escrever, é tão perigoso. Quem tentou, bem sabe. Perigo de remexer o oculto e o mundo não vai à deriva, está oculto nas suas raízes submersas, nas profundezas do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio”.
Esta ucraniana/brasileira talvez seja a maior representante das letras latino-americanas. Basta conferir alguns de seus livros: A Hora da Estrela, A Mação no Escuro, Perto do Coração Selvagem, suas crônica reunidas no livro A Descoberta do Mundo e o livro com o qual ganhou o prêmio Golfinho de Ouro titulado - Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres - verdadeiro hino ao amor.
Sobre a ACLER, a nossa academia, ressalto os nomes da historiadora e cronista Yêdda Borzacov, da cronista Sandra Castiel e da poetisa Eunice Bueno, mulheres de incrível valor e que se locomovem nas letras rondonienses com desenvoltura e competência, despertando nos pares admiração e apreço. De Yêdda gosto da frase extraída de sua crônica Guajará-Mirim, Minha Terra Natal: “Guajará-Mirim é o sabor de uma natureza que deu certo”. E de Eunice destaco um poema do livro Quadrante:
Sou uma borboleta
embriagada
que pousa em seu
ombro
Não me force ao voo
que não desejo
Me torne sua prisioneira
hoje
eu lhe imploro
me dê carinho
é isso
o que mais quero
Ou me atiro
aos trilhos
e me esfacelo
É com imenso prazer que leio poetas como Cora Coralina, Cecília Meireles, Adélia Prado e escritoras contemporâneas como Myriam Fraga, Sonia Coutinho, Martha Medeiros, Helena Parente Cunha, Lya Luft, Marina Colasanti, Lygia Fagundes Telles, Márcia Denser, Isabel Allende e tantas outras, mas não posso encerrar minhas palavras sem declarar minha eterna gratidão àquelas que venceram obstáculos, pularam muros, derrubaram cercas, deixaram suas marcas orientadoras, descobrindo o caminho do sucesso entre as árvores da densa floresta masculina, sem precisar rastejar como cipós, mas fazendo dos esteios machos a sustentação que lhes direcionou ao alto. Parabéns, meninas!
Presidente da ACRM (Associação Cultural Rio Madeira) e Vice Presidente da ACLER (Academia de Letras de Rondônia), onde ocupa a cadeira 31. williamhaverly@gmail.com witahaverly@hotmail.com. Por ocasião do 3º encontro de escritores de Rondônia, em Guajará-Mirim, homenageando a mulher.
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