Sábado, 1 de dezembro de 2012 - 07h14
William Haverly Martins
A nova campanha do Governo Federal “Conte Até Dez”, uma tentativa de diminuir a violência por impulso ou motivos fúteis, pela superficialidade da campanha, jamais surtirá os efeitos desejados. O neocórtex do cérebro humano não se deixa influenciar por uma simples sugestão nascida na hipocrisia racional. As emoções, por serem mais velozes que o raciocínio, comandam as ações desastradas do indivíduo. Só pela sedimentação da educação, apetrechando o homem contras as armadilhas da ignorância, poderemos chegar a resultado satisfatório e duradouro, capaz de impedir o sequestro momentâneo da razão.
Sob a égide do conhecimento, da instrução, da educação como um todo, o homem adocica o amargo sabor da vida insipiente, aceitando de bom grado modificações nas atitudes do dia a dia, como fruto de seu investimento. A neurociência moderna vem aprofundando seus estudos neste campo do conhecimento humano e define inteligência como a capacidade de utilizar os recursos mentais em favor da construção de um ambiente favorável, o que pressupõe controle das emoções, do pensamento e do comportamento, nessa ordem.
A gente sabe que o homem é um animal portador de um cérebro diferenciado e que vem evoluindo ao longo dos milênios. O que o diferencia das outras espécies é a linguagem, a aprendizagem, a capacidade do pensamento para a reflexão, entretanto, o homem, desde os primórdios, foi e continua sendo um animal social. Ele precisa da relação com o outro, mas só pela educação que o conduz ao autoconhecimento, será capaz de respeitar as diferenças, valorizando a alteridade no relacionamento, contendo os instintos selvagens que o levam à violência por motivos fúteis. Tolerância se aprende, mas não com uma simples campanha pela TV, com poucos dias de duração. Pensar antes de responder e agir, nos diálogos problemáticos, carece de longo aprendizado embutido na educação.
Recentemente presenciei na casa lotérica do Areal um diálogo grotesco, a exemplo de muitos outros por este Brasil afora, geradores de violência, reproduzido abaixo literariamente: um perneta atravessa a frente de um velho, na fila especial para idosos, deficientes e mulheres grávidas, ou com filhos de colo.
- Ei cara, tou na tua frente, cheguei primeiro – reclamou o velho.
- Eu sou aleijado, só tenho uma perna, a preferência é minha – justificou o perneta, suado, cabelos despenteados, barba rala e camisa semiaberta por cima das calças, presa a dois botões, deixando frestas por onde se via a barriga redonda de amante da loura gelada e o umbigo protuberante.
- Isto é um absurdo, a lei não te dá o direito de passá na minha frente – continuou resmungando o idoso, compenetrado e bem vestido!
- Eu só tenho uma perna, mas basta um soco meu pra te matar – ameaçou o aleijado de pouco mais de trinta anos, a prótese de madeira, visivelmente amarrada ao resto do que sobrou da perna, causava repugnância nos demais. O ambiente cheirava a violência.
- Pena que ocê seja tão ingrato! Ocê não tá me reconhecendo, não é mesmo – perguntou o velho de cerca de oitenta anos, cabelos ralos e brancos, escorrendo desalinhados pela nuca, a voz nervosa inquietava os olhos e as mãos.
- Qui históra é essa, véi. Nunca te vi na minha vida, sai pra lá assombração, tu já morreu e num sabe – humilhou o perneta.
- Agora ocê diz isso, mas fui eu qui te socorri, qui sujei meu carro com o teu sangue imundo e malcriado, no dia que ocê bateu sua moto numa picape e perdeu a perna. Nunca esqueci do teu chorerê me pedindo ajuda, lá na esquina da Rogério Weber com a Alexandre Guimarães, lembra? - as palavras do ancião calaram fundo na alma dos frequentadores da lotérica, todo mundo se ligou nas feições do perneta, esperava-se reconhecimento e desculpas, mas infelizmente, veio mais ignorância.
- Sai pra lá encosto, ajudou porque quis, porque é um véio idiota, tava esperando o SAMU - tentou se justificar o aleijado, indiferente aos apelos gestuais do público silencioso e frio, confirmando a máxima popular “quando Deus marca um é porque não quer perdê-lo de vista”.
- SAMU que nada, ocê tava perdendo muito sangue, poderia morrer se esperasse mais alguns minutos, foi o que te disseram no João Paulo. Eu salvei tua vida e é assim que me agradece, filho da puta – com a voz elevada e embargada de emoção, o velho, inesperadamente, sacou uma pistola de dentro de uma pasta surrada e fez pontaria.
Foi uma correria, mas ele não conseguiu atirar: um policial a paisana, da fila ao lado, desferiu golpes rápidos e precisos, desarmando o ancião, antes que disparasse. Assustado com o desfecho do burlesco com ares de trágico, ingressei no meu carro e fui fazer meu joguinho na lotérica da Bemol.
A campanha “Conte Até Dez”, inspirada numa frase de Thomas Jefferson e na personagem de Dias Gomes, Zeca Diabo, incorporado magistralmente por Lima Duarte na novela O Bem Amado, esqueceu de anunciar que a emoção advinda do ódio é cega, surda, rápida e irracional. Na maioria das vezes, dificilmente alguém terá tempo para contar até dez, só depois que a ficha cai no entendimento apaziguado da razão, a pessoa se dá conta da bobagem que disse, ou cometeu.
O condicionamento da educação massificada de qualidade poderia modificar estruturalmente o cérebro humano, resolvendo este e muitos outros problemas de relacionamento. O Governo Federal precisa aprender com os emergentes da Ásia a valorizar a educação. Em todos os países que priorizaram a educação, mediante megaprojetos, as taxas de violência despencaram.
williamhaverly@gmail.com
Detalhes biográficos: baiano de nascimento, mas rondoniense de paixão, cursou Direito na UFBA e licenciou-se em Letras pela UNIR, é professor, escritor, presidente da ACRM – Associação Cultural Rio Madeira e vice-presidente da ACLER – Academia de Letras de Rondônia, onde ocupa a cadeira 31.
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