Sábado, 10 de dezembro de 2011 - 13h47
Por William Haverly Martins
Até a década de sessenta, a quadra entre as ruas Marechal Deodoro, Paulo Leal, Tenreiro Aranha e Almirante Barroso era o local designado pela Prefeitura para a instalação da fábrica temporária da alegria: ali os circos armavam suas lonas e mexiam com a imaginação da garotada, o alvoroço começava no porto com o desembarque da carga alvissareira e de pessoas esdrúxulas com suas vestes estranhas a estas paragens do sol poente. A chegada era um repositório de figuras de linguagem. O desfile das atrações do circo pelas ruas da cidade era daquelas marcas que, tatuadas na alma, jamais desaparecem, contrapondo-se às carreatas políticas da atualidade, que só nos envergonham e nos deixam com a sensação de uma esponja na mão, na ingênua tentativa de apagar os rastros e os feitos.
A mulher barbada afrontava os machões daquela época com sua fisionomia masculina e os músculos desenvolvidos. O cuspidor de fogo imprimia respeito, com autoridade de Prometeu. Os três trapézios vazios, balançando no topo do mundo de lona, arrepiavam o pensamento: quantos trapezistas voariam de um lado para o outro, desafiando a gravidade, arriscando a vida em troca de pão, de aplausos e de uns trocados para a manutenção do espetáculo e a possibilidade de deslocamento por uma região carente de alegria?
Quando havia animais, o brilho nos olhos de pupilas dilatadas e as rugas da curiosidade estampadas na face de crianças e adultos variavam conforme o pescoço da girafa, a juba do leão, o tamanho do elefante, as corcovas do camelo ou as listras da zebra: a festa da fisionomia era um misto de espanto e fantasia, mas não de medo. O medo era privilégio do Mapinguari e da Boiúna.
Se havia um globo da morte, com duas motos, ou duas motos e uma bicicleta, montadas por criaturas sobre humanas a desafiarem a morte, o instante ganhava foros de estrela: a arrogância do desafio, a dúvida sobre o êxito do pretendido e a coragem da empreitada, armavam morada temporária na expectativa da platéia. O silêncio das cadeiras e arquibancadas convivia, em troca de momentos de puro êxtase, com o barulho infernal das motos, traçando circunferências obrigatórias num globo feito de chapas parafusadas: na mente dos mais sonhadores, era a própria Terra sendo devassada em toda a sua extensão, como se a realização do desejo de quem se sentia prisioneiro das circunstâncias, do rio e da floresta – varar o mundo de ponta a ponta no lombo de uma moto enfeitiçada. Os acalorados aplausos, além de agradar aos artistas, despertavam os imaginativos para a realidade fantástica do circo.
O teatro invadia o circo sem a mínima cerimônia, mesclava-se às outras atrações com desenvoltura e histórias comoventes, apresentadas, quase sempre, no fim da noite de espetáculos. Circo de verdade era aquele que rimava cidade com saudade, contrastava dúvida com certeza, segredo com verdade, cara parva da boca aberta e olhos arregalados com cara de contentamento, riso com lágrima e alegria com tristeza. Um paradoxo agradável e esperado, que funcionava como propaganda boca a boca, como se, ao receber uma entrada, o circo retribuísse, despertando os naipes da emoção.
Ah!, mas o que seria do circo sem os palhaços? Sem os mensageiros do riso e da alegria, sem os arautos da felicidade instantânea, aqueles que, mesmo sem pronunciarem uma única palavra, só com a pintura da face e o nariz vermelho arredondado abrem o sorriso de crianças, jovens e adultos, como se estivessem pintados de piadas, de brincadeiras e de agrado. O palhaço é a alma do circo, o que não pode faltar, o que é. Aquele que melhor parodia o pensamento de Jesus: deixai vir a mim as crianças porque delas é o reino da alegria, o reino do circo.
Saudades do picadeiro de enlevos! Revolta por terem me transformado, a contragosto, num palhaço da vida, ironicamente um palhaço que não ri, que mora no circo de concreto. Um palhaço que paga impostos, como se fossem entradas para o deleite alheio. Para o deleite de corruptos instalados nos vários segmentos da sociedade, destaque especial para alguns políticos, escória social, freqüentadores do picadeiro de escândalos.
Às vezes eu penso que nossas escolhas, indiretamente, são responsáveis por nossa condição de palhaço, por outro lado, o cidadão de bem, por não dar guarida à maldade, não consegue descobrir todos os segredos do mágico da hipocrisia, principalmente retirar-lhe a capa da falsidade: a última novidade é fazer das igrejas evangélicas o escudo de falcatruas, as boas intenções do crente perdoam o safado ladrão que se diz perseguido pelo demônio, ou que se diz inocente, mas sofre discriminações por ser evangélico. O fogo do inferno é pouco para estes manipuladores de consciências.
Um destes mágicos do dinheiro público comprou a liberdade, promoveu carreata e desfilou pela cidade, acompanhado de inocentes fiéis, rindo da cara de todos nós - palhaços inconformados, inocentemente esperando o trem emperrado da justiça: Themis puxa os vagões na proporção da capacidade dos recursos do advogado e do dinheiro disponibilizado pelo corrupto, dificilmente alcança o destino almejado pela sociedade.
Detalhes biográficos: baiano de nascimento, mas rondoniense de paixão, cursou Direito na UFBA e licenciou-se em Letras pela UNIR, é professor, escritor, presidente da ACRM – Associação Cultural Rio Madeira e ocupa a cadeira 31 da Acler – Academia de Letras de Rondônia.
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