Domingo, 2 de outubro de 2011 - 20h46
Por William Haverly Martins
Não me considero um saudosista, principalmente daqueles que vivem comparando o passado com o presente, ou suspirando pelas esquinas, ou cantando “recordar é viver”, mas não cometo a insanidade de esquecer momentos que devem ser lembrados, entrementes filtro as lembranças para não incorrer no grave erro de lembrar o que deveria ser esquecido. O Colégio Dom Bosco, por exemplo, comemora, em 2012, oitenta anos de presença marcante em Porto Velho, eu faço parte desta história e gosto de rememorar e, quando assim procedo, estampo meu melhor sorriso, se escrevendo, escolho qualificativos de peso capazes de celebrizar o entusiasmo de uma instituição de ensino diante da vida, cujo slogan é “formar bons cristãos e honestos cidadãos”.
Como esquecer o vozeirão do sergipano padre Felinto, as suas competentes aulas de português e as esdrúxulas normas comportamentais, lembro de algumas, mas, tenho certeza, cada aluno dele que me lê, neste instante, lembra de outra: certa vez o aluno da 6ª série, Aderbal Amora, foi pego no momento em que conversava com o colega do lado, coitado!
- Aderbal, pro quadro – gritou o padre educador, a voz tonitruante exercia terrível poder na expectativa do educando – escreva: Deus é bom! E analise foneticamente, morfologicamente e sintaticamente - Aderbal arregalou os olhos, balançou a cabeça, desenhando no ar uma imensa interrogação, os lábios tremiam, o giz se esfarelava entre os dedos nervosos - não sabe? Então por que estava conversando? Volte pro seu lugar, copie a frase no caderno, analise em casa e me traga amanhã. Na próxima vez que lhe pegar conversando, mando chamar seus pais.
Inesquecível o trabalho efetuado pelo padre diretor Oscar Romero Vigoya nas atividades esportivas, educativas e de lazer: nos esportes de quadra não tinha pra ninguém, no basquete, o bailarino Negão, o armador da equipe, desarrumava a defesa adversária com seus dribles mágicos. Bicicleta, corrida, maratona, futebol de salão..., nos anos setenta o D. Bosco mandava nos jogos estudantis estaduais que se resumiam aos colégios da capital e de Guajará Mirim.
As festinhas organizadas por Padre Oscar aos sábados - manhãs de sol - faziam o maior sucesso no meio da garotada. Os jovens saboreavam plenamente o instante que detinham nas mãos, dali saíram vários encontros que se transformaram em casamentos. Melhor do que a festinhas de sábado, só o ritual da semana: a ansiedade de se postar em frente ao cine Lacerda para assistir a revoada de garças, de araras, de flamingos, de belas jovens, todas de azul e branco prontas para o início do balé natural da preservação da espécie - o preâmbulo da paquera - como uma galeria andante da beleza portovelhense, descendo cheia de malemolência a ladeira do colégio das freiras. Os olhos dos jovens do dom Bosco se enchiam de uma cor e brilho, indevassáveis pelo tempo, os meus brilham até hoje, se enlouqueceram de amor num destes momentos felizes de arribação dos colégios salesianos, em que me misturava aos alunos, estou casado há 34 anos com uma destas maravilhas que faziam da ladeira uma passarela sem par.
Início da década de setenta, o Brasil vivia a euforia do milagre econômico e da campanha vitoriosa do tricampeonato no futebol, as expressões “Ninguém mais segura este país” – “Prá frente Brasil” – “Brasil ame-o ou deixe-o”, estavam na boca dos manipuladores da massa. O Ministro Delfim Neto, do alto da sua petulância, chegou a afirmar: “dêem-me um ano, e vos darei uma década”. Enquanto isso, no salão de festas do CDB, os jovens cantavam em uníssono, acompanhando The Fevers: “Você bem sabe que eu não lhe prometi um mar de rosas,/Nem sempre o sol brilha, também há dias em que a chuva cai...”
O movimento musical Jovem Guarda estava no auge e influía no vestuário, nas gírias e no comportamento da juventude. Os jovens europeus exportavam ideologias para o mundo, o rebuliço da década de sessenta deles só chegou por aqui mais de dez anos depois, mesmo assim com as restrições do coturno, do cassetete e do verde oliva.
O jornal O Pasquim inaugurou uma linguagem que agradava a juventude e que se pautava pelo coloquialismo, contrapondo-se à imprensa muito bem comportada da época. Padre Oscar assimilava as transformações por que passavam o Brasil e o mundo, filtrava e repassava aos seus alunos, colocando Porto Velho, no item informação, em pé de igualdade com as maiores cidades brasileiras. Ele representava, para a juventude rondoniense, o novo, a ousadia, sem, contudo, se afastar dos princípios morais ditados por Dom Bosco e levados pelos Salesianos ao mundo cristão.
O professor Ademir Ribeiro foi o maior instrutor de matemática, física e química daquela época, com direito a ser escolhido pelos alunos, por vários anos, como o melhor professor do colégio, além de amigo e líder. O professor e motoqueiro Ademir, navegava como ninguém entre teoremas, equações, frações, incógnitas e figuras geométricas; problemas e soluções apareciam no quadro negro e dele para a compreensão dos alunos com a facilidade própria de grandes mestres. Ele viajava de Newton a Pitágoras, de Galileu a Einstein com a mesma perícia com que manejava sua potente Honda 350.
Além dos Padres Oscar, Felinto, Genaro (celebrante do meu casamento), Augusto e Franco eu convivi com vários professores, entre eles, me recordo do Adelírio Bianchi, Elias, Chupa limão, Eloi Chaves, Davis e, claro, do professor Ademir meu vizinho de apartamento (morávamos no CDB). Não esqueço a fome da madrugada amainada com os restos das placas de hóstias, consumidos com sal e deglutidos com ajuda de vinho, surrupiados da capela.
Guardo com orgulho na memória, no cantinho reservado a grandes feitos, três ações: duas no Colégio Dom Bosco e uma no Maria Auxiliadora. A primeira foi a concretização pelo padre diretor da minha idéia do I Festival de Fanfarras de Rondônia, em 1972. A segunda, no ano seguinte, uma inesquecível viagem que promovi, em conjunto com o padre Oscar, à Colômbia, país de origem do nosso querido diretor. A terceira, a realização do I Júri Popular Estudantil levado a efeito no auditório do Instituto de Educação Maria Auxiliadora, quando julgamos Capitu, transformamos em ré a famosa personagem das páginas literárias do inigualável Machado de Assis: duas salas rivais, pesquisas, professores formando o corpo de jurados, a irmã diretora Maria Quagliotto, posando de juíza; duas alunas, oradoras, fazendo o papel de promotor e advogado de defesa, o resto do colégio compunha o plenário, com direito a torcida, tudo isto sob meu acompanhamento e direção. Também fiz o mesmo no Colégio João XXIII, quando a professora, historiadora e escritora Yêdda Borzacov era a diretora.
A viagem a Bogotá foi memorável! A documentação foi providenciada em Manaus e, de lá, pela AVIANCA, voamos direto para a capital da Colômbia. Ao chegarmos, com temperatura em torno dos 10°, o diretor já nos esperava com uma buseta (microônibus em castelhano) fretada, imaginem a gozação da gurizada com os nomes. Ficamos hospedados em um seminário salesiano, uma bela construção de pedras, semelhante aos castelos medievais da Europa, com direito a comida e roupa lavada, um luxo para os padrões dos nossos alunos. Jantamos uma sopa fervente de batatas andinas, horrível, mas necessária para o enfrentamento do frio andino. No dia seguinte visitamos o bairro da Candelária, o centro histórico de Bogotá e, pela primeira vez, fomos apresentados a altitude: subíamos as ladeiras devagar e com intervalos para tomar fôlego, a capital da Colômbia está a quase 3.000 metros de altura. Na Plaza Bolívia, centro administrativo da cidade, encontram-se a Catedral, o Palácio da Justiça, a Prefeitura e outros prédios de tijolinhos aparente.
Antes de empreendermos viagem ao interior do país, visitamos o Museu do Ouro e a mim impressionou a beleza das esculturas em ouro efetuadas pelos Chibchas, as cangas de esmeraldas e berilos e a segurança do lugar, até os elevadores são blindados.
A Catedral de Sal, esculpida no interior de uma velha mina, a viagem pelas encostas dos Andes, as plantações de café, como que penduradas nas ladeiras íngremes, dilatavam as pupilas jovens dos nossos turistas, inclusive as minhas. Conhecemos feiras, mercados populares, artesanato, arena de touradas, cidades com arquitetura colonial; participamos de festas, jogamos futebol de salão, defendendo as cores do CDB. Seria necessário um livro para descrever tudo.
Uma cultura diferente da nossa, mas nada se compara à lembrança do septuagenário pai do padre Oscar, morador de uma pequena cidade do interior: assim que chegamos, ele mandou que fizéssemos uma fila e com um imenso sorriso nos lábios foi distribuindo dinheiro, cada aluno recebia uma quantia. Até eu ganhei um pouco do maço de pesos colombianos que o velho segurava, postado à frente do seu armazém, com a cara mais feliz que vi na Colômbia. O outro mais feliz era o Oscar, entusiasmado, não se cansava de me agradecer o fato de poder compartilhar seu país, seu povo e sua família com os alunos. Repetia com cara de bobo e lágrimas nos olhos no seu portunhol característico: tão distantes e tão próximos!
O ponto alto da visita, no entanto, se deu quando retornamos do interior e, em Bogotá, visitamos o Cerro Monserrate, uns subiram de teleférico, outros a pé os 3.100 metros da montanha. Os olhos se alongavam ao infinito e nos sentíamos mais perto de Deus, ou como os deuses do Olimpo, com a Terra a nossos pés. A vista panorâmica da cidade é fantástica, algo como o Rio de Janeiro visto do Cristo Redentor, ou do Pão de Açúcar. No local, no caminho da Via Crucis, existem 14 esculturas lindíssimas que representam a Paixão de Cristo, tudo isto antes de chegarmos ao Santuário Del Señor Caído de Monserrate, uma igreja do século XVII com vitrais e esculturas que de tão belas torna-se difícil uma definição.
Os anos setenta no Dom Bosco, com certeza, para mim e grande quantidade de pupilos, são daqueles anos que nos acompanham vida afora, proporcionando a gostosa sensação de que já vivemos a vida, o resto é lucro.
O professor William e um grupo de alunos do CDB em Bogotá, 1973. |
williamhaverly@gmail.com witahaverly@hotmail.com 2/10/2011
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