Sábado, 17 de novembro de 2012 - 06h08
William Haverly Martins
Na classe média de Porto Velho, como na do resto do Brasil já houve um “médico de família”, no tempo em que além das doenças do corpo o médico tratava também da mente, o paciente era visto como um todo e possuía intimidades com o “doutor”, era o bom tempo dos médicos generalistas, do clínico geral, da ética pessoal, que dispensava conselhos federais. O paciente podia não sair curado, mas saía confortado. Notadamente nos Estados Unidos da América, como nos países evoluídos do resto do mundo, além do “médico de família”, havia e há também o “advogado de família”, o homem a quem se confiam segredos, inventários, testamentos, o responsável pela leitura prévia de contratos, pela indicação de profissionais especializados, mas, e acima de tudo, “o conselheiro”.
Médico e advogado: o primeiro trata das relações do homem com o seu próprio corpo, das doenças, da mitigação da dor, da vida em oposição à morte; o outro das relações do homem com a sociedade, da convivência conforme as regras ditadas pelos bons costumes, que ao longo dos tempos vão se transformando em leis, em códigos, nem sempre acessíveis ao cidadão comum. O advogado é indispensável à administração da vida em sociedade, erguida sobre a égide do respeito ao outro.
O processo de evolução da inteligência humana é contínuo, médico generalista, hoje, é sinônimo de incompetência: embora possível, ninguém sai da faculdade de medicina direto para o consultório, há a premente necessidade de uma residência médica, de uma especialização. Existe especialização pra tudo, um simples check-up mobiliza uma dezena de profissionais, o que facilita o diagnóstico e a cura da doença, ao tempo em que afasta os médicos do paciente.
Não existe mais a preocupação com o emocional, o psíquico, o espiritual. O paciente é reduzido a um rim enfermo, a um tumor, a um fígado, a um coração. Já não se enxerga o ser humano por trás da doença. São raros os médicos que possuem a dualidade no olhar de tratamento, sequer conhecem o paciente pelo nome e o tratam conforme o retorno financeiro. Apesar dos apelos do ter as exceções ainda persistem. Na minha juventude, conheci um médico que sabia, pela qualidade dos pontos, quando a cirurgia era de um paciente do INAMPS (hoje SUS), ou particular.
Com o advogado, no Brasil, ocorre algo pior, a péssima reputação do causídico o afasta da maioria das famílias que precisa de um advogado conselheiro. Confiar em advogados é tarefa para poucos, a literatura está farta de adjetivos e exemplos desencorajadores: espertalhão, tagarela, manhoso, encrenqueiro, desonesto; capaz de defender qualquer causa, alegando inocência, ainda que convencido da culpabilidade... Contratar um advogado, só em último caso.
Todo advogado já foi aluno de uma faculdade de direito e pensou como a maioria: “por que o doutor professor está nos ensinando essas noções elevadas sobre a ética e o comportamento do advogado? Depois do exame da Ordem, terei que brigar por um lugar ao sol, enfrentando uma concorrência desleal, fora dos parâmetros aceitáveis, terei que pagar o empréstimo efetuado para a graduação, enfim terei que seguir as regras que regem a sociedade, as leis econômicas que movem o mundo: ética é apenas um sonho de faculdade. Neste mundo desigual, a única ética que importa é a ética do dinheiro.”
Porto Velho não é diferente do resto do Brasil: a sociedade conhece as velhas raposas da cátedra, que no passado pisaram na ética e nos bons costumes para se locupletarem. Conhece os juízes que venderam e vendem sentenças, que transgrediram e transgridem normas legais em troca de vantagem financeira. Conhece o desembargador que foi algemado diante das câmeras. Conhece os advogados que cobram 30%, 40%, de pessoas sem instrução, para tocar um simples processo.
A ministra corregedora, Eliana Calmon, durante seu mandato, rasgou as cortinas que cobriam a desfaçatez, as vantagens indevidas, mostrando ao Brasil o atropelamento da ética no judiciário. As brigas entre os ministros do STF, via TV para todo o país, demonstraram como a ética foi comprometida na elaboração de um simples voto, ou na dosimetria de uma pena. Recentemente a sede do Tribunal da Ética dos advogados de Rondônia, a OAB, foi invadida pela Polícia Federal em busca de evidências de fraude, na emissão dos “famosos” precatórios. E o que dizer de um desembargador do TRT que, com a voz ampliada por um carro de som, foi pra frente do seu tribunal se defender e acusar colegas de transgressões inimagináveis a um pobre ser humano sonhador, crente da moral e da ética profissional.
Por estas e por outras, torna-se difícil, ao cidadão abastado de outras profissões, aceitar um advogado como conselheiro, a parte compromete o todo. A confiança restringe-se a membros da família que se formam em advocacia. Difícil ao povão acreditar que exista um advogado honesto, íntegro, probo, que não se desvia dos postulados éticos. Os que se apresentam cobertos de brios, os que merecem respeito, são pobres, não ganham causas significativas, não galgam postos de relevância, não são apontados na rua, não são convidados para dizer em sala de aula como conseguem sobreviver na seara do direito, sendo éticos.
Por que será que a sociedade aplaude o advogado vitorioso na profissão, mesmo sabendo que os caminhos usados por ele não são recomendáveis? Parece óbvio que a ética do advogado é a mesma da sociedade da qual faz parte. Uma sociedade que se guia pela lei de Gérson, que tolera a corrupção, que aceita mensalões de todos os naipes e categorias, não pode cobrar princípios éticos de um advogado. As relações entre os poderes da república não são pautadas por princípios morais e éticos. Projetos de envergadura na área da educação e da cultura, podem sim começar a modificar a sociedade, via escola. É demorado, mas é confiável, a exemplo do que ocorreu com os emergentes da Ásia.
Nunca se falou tanto em ética neste país, isto me preocupa, a banalização da ética profissional compromete o exercício da profissão, acredito no profissional competitivo que busca o sucesso por meios limpos. Afastado do ideal ético, o advogado será sempre um derrotado diante de si mesmo e terá para o resto da vida o espelho da consciência a cobrar-lhe atitudes compensadoras.
Neste instante de renovação da diretoria da OAB imploramos por ações que coloquem os profissionais do direito nos trilhos da ética, que encorajem a nova classe média brasileira a acenar com contratos e questionamentos jurídicos, que transformem o oportunista de hoje no conselheiro confiável de amanhã, que multipliquem os processos, nesta profissão já tão saturada de oportunidades. No ritmo das vagas e das faculdades autorizadas pelo MEC, sem critérios convincentes, em poucos anos teremos um advogado para cada cidadão rondoniense. A luz no fim do túnel já está em processo de embaçamento, algo precisa ser feito antes do fim do mundo.
Detalhes biográficos: baiano de nascimento, mas rondoniense de paixão, cursou Direito na UFBA e licenciou-se em Letras pela UNIR, é professor, escritor, presidente da ACRM – Associação Cultural Rio Madeira e vice-presidente da ACLER – Academia de Letras de Rondônia, onde ocupa a cadeira 31.
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