Quarta-feira, 12 de outubro de 2011 - 04h01
Por William Haverly Martins
Trágico e verdadeiro, mas não deixa de ser engraçado: imaginem os meus olhos arregalados por conta do meu espanto ao exercer a rotineira tarefa de colocar o lixo na porta de casa, para ser recolhido pelo caminhão da prefeitura e me deparar com dois senhores fardados e enluvados, mas conversando no idioma de Os Miseráveis de Victor Hugo, sim, em Francês.
De imediato minha memória retornou aos bancos escolares do Ginásio Sagrado Coração de Jesus, entidade pertencente ao Instituto dos Irmãos Maristas fundado em 1817, pelo sacerdote francês Marcelino Champagnat. Este ginásio marista, hoje estadual, se localiza na minha cidade natal, Senhor do Bonfim, no Estado da Bahia, onde concluí o ginásio e fui iniciado na língua francesa pelo irmão Olivier. O ensino do Francês era obrigatório, assim como o Latim e o Grego. Além das línguas e das outras disciplinas obrigatórias, aprendíamos Filosofia, Canto Orfeônico, Redação (era lecionada separada de Língua Portuguesa) e Trabalhos Manuais, o equivalente as artes de hoje.
Com o pouco do que aprendi e ainda me recordo, iniciei a conversa com um suave: - Bonjour, messieurs - para depois perguntar o que já desconfiava, diante do cartão de visita assinado pela cor da pele: - Où êtes-vous? Ao que eles me responderam: Nous sommes en Haiti. Daí por diante rolou um portucês.
Quando Victor Hugo lançou o livro Os Miseráveis simultaneamente em todas as principais capitais da Europa, em poucos dias chegou ao Rio de Janeiro, o ano era 1862, nesta época o francês era a língua da moda, a elite brasileira lia os livros no original. No referido clássico da literatura universal, o personagem principal Jean Valjean passa 19 anos preso e condenado a trabalhos forçados por ter roubado um pedaço de pão para saciar a fome dos irmãos mais novos, até que um bispo piedoso e influente o recolhe da prisão e o leva para trabalhar em sua casa. Até esta parte do livro, guardadas as distâncias oceânicas e literárias, a comparação brotou de minha imaginação ficcional: Rondônia se parece com o bispo piedoso ao resolver dar uma nova oportunidade aos haitianos, vítimas de uma prisão existencial.
Não custa lembrar que antes do terremoto de 2010 que assolou a capital, o Haiti passou por maus bocados, embora, curiosamente, tenha sido o primeiro país latino-americano a declarar-se independente. Depois que recebeu a visita descobridora de Cristovão Colombo em 1492, pertenceu à Espanha, à França e aos Estados Unidos e possui hoje o mais baixo IDH das Américas. Conheceu ditadores de todos os níveis e naipes, do analfabeto Jean-Jacques Dessalines, que se proclamou Imperador em 1804, imitando Napoleão, ao intelectual François Duvalier, apelidado pelo povo de Papa Doc (papai médico), em 1957, que depois de morto foi substituído pelo filho de 19 anos, o Baby Doc.
Contando com a intervenção americana de 1915, foram mais de 25 governantes corruptos e exploradores, desde a independência em 1804 aos dias de hoje. Segundo o jornalista uruguaio Eduardo Galeano, a interferência americana nos negócios do Haiti foi ainda pior do que a corrupção das lideranças negras e mestiças, porque os gringos humilharam absurdamente o povo, praticando o racismo, controlando a economia e a distribuição de alimentos, uma verdadeira ditadura moral denunciada no artigo “La maldición blanca”, publicado em vários jornais mundo afora. Só faltou transformar a miséria haitiana num filme de Hollywood ou numa peça da Broadway, como fizeram com o livro de Victor Hugo.
Durante a Revolução Francesa viviam no Haiti cerca de 500 mil negros, 24 mil mestiços e 32 mil brancos. Os negros trazidos da África para a monocultura açucareira elevaram o pequeno país à condição de Pérola do Caribe. Concorreram em preço e qualidade com o açúcar produzido no Brasil. Além de cana, plantam café, sorgo, arroz e frutas Os negros haitianos trouxeram da África uma prática religiosa conhecida como Vodu, os rituais são temidos e foram registrados inúmeros casos de morte por esta prática, especialmente durante a ditadura Papa Doc e a ação dos Toutons Macoutes (bichos papões). A magia do Vodu ajudou na expulsão dos americanos do território haitiano. Os brancos temem o Vodu, os negros o usam como arma atemorizante e como fator de união entre as tribos praticantes.
Conversando em “portucês” com meus novos amigos, fiquei sabendo que, no país de origem, um deles era professor e o outro pequeno comerciante, mas estavam satisfeitos com o novo emprego, pois, depois do terremoto de janeiro de 2010, Porto Príncipe, a cidade onde viviam, se transformou numa capital de miseráveis: não existe comida, nem emprego, nem dignidade. Aqui eles estão ganhando, com as horas extras, quase R$ 2.000,00 (dois mil reais) por mês. Informei a eles que esta quantia é maior do que o piso salarial de um professor estadual, eles riram, achando que eu estava contando uma piada de péssimo gosto. Tempo é dinheiro! E lá se foram, sorrindo e correndo atrás do caminhão, com as mãos lotadas de sacos plásticos, abastados de lixo e de sonhos de um dia voltar às raízes.
Bem que a gente podia exigir deles a contrapartida: com todo o respeito aos rituais africanos, que nos ensinassem a prática do Vodu, assim aprenderíamos a alfinetar governantes corruptos, juízes que se valem das togas para praticarem a corrupção e a juizite, prefeitos que agridem a imprensa e a paciência do povo, deputados gananciosos, militares que destroem a memória da cidade e vereadores que querem aumentar o número de tetas da vaca da câmara municipal. Vodu neles. Haja bonecos, haja alfinetes.
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