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OS BANZEIROS DO TER



Por William Haverly Martins

Os banzeiros do capital chegaram com força às margens do Madeirão. O ter, tão desejado pela sociedade, é retirado de quem “ter” significa um barraco na beira do rio. No mundo do capital o ter tem escalonamentos, mas ter com ser é lombra pra poucos.  

Quem tinha pouco, pouco que era tudo porque fornecia o alimento que invade a alma pelos sentidos, está ficando sem nada: o ter que oferecem é na terra firme do não ser.

O paradoxo, pela magia de Cazumbá, vira paradigma - ter com ser - o ser, mediante posicionamento do ter, se abastece de alimento, de beleza, de piruetas e encantamentos do boto, de escola próxima e de trabalho sem o sufoco do transporte coletivo. O ser construído no mundo das emoções, no sentimento nativista que transborda orgulho: eu moro no “Cai n´água”, nas barrancas do Triângulo, na Vila Candelária, eu sou patrimônio histórico material e imaterial, eu sou o princípio e não me conformo com um fim que não seja o da Providência.

Diz a lenda, meu caro Beto Ramos, o capital comprou até o Cazumbá, tomou-lhe o chocalho que marcava o ritmo dos folguedos do bumba-meu-boi maranhense, substituindo-o pelo chicote do boi-bumbá. Sem dó, Cazumbá cavalga o lombo dos banzeiros e, cheio de volteios rebolantes, investe sem escrúpulos sobre uma população carente de protetores, rindo da cara dos que eram porque tinham um barraco na beira, mais perto da Iara e da Mãe d’água: – valha-me São Sebastião da margem esquerda do Madeira, valha-me N. S. de Fátima da Baía de Guajará, valha-me S. Pedro dos pescadores, valha-me Dr. Aluildo do rol dos santos do pau oco do MP.

A justiça, contrariando a fama e o costume, agiu rápido: obrigou o Consórcio Santo Antonio a cadastrar e remover as famílias do barranco para hotéis e apartamentos alugados em terra firme, mas ainda não resolveu o crucial problema da população: segurar o barranco no seu devido lugar, antes que o Triângulo acabe.

Que tal construir uma passarela de concreto do Cai n’água à igrejinha de Santo Antonio? De uma cajadada matariam dois coelhos: protegeriam o barranco e devolveriam o orgulho de ser, de forma coletiva, ou seja, todos os moradores da cidade desfrutariam do visual e ainda teriam um local perfeito para caminhadas, paqueras, eventos culturais. Isto sim, seria compensação!

Mas, se a Prefeitura quisesse e nossos representantes do executivo e do legislativo abrissem mão da corrupção, independente do dinheiro das usinas, poderia construir a passarela com saídas elevadas, assim não prejudicaria a passagem do trem turístico. As saídas poderiam ser na ladeira do Triângulo, na ladeira da Vila Candelária e em mais três pontos, ao longo da estrada de seis quilômetros, beneficiando, inclusive, vários loteamentos instalados naquela área.

Seria uma forma de compensação pelo absurdo gasto no desastroso projeto dos viadutos. Em vez da vergonha de ter esqueletos de concreto no currículo de cidadão rondoniense, sentiríamos novamente o ser brotando do ter: o concreto formaria um amálgama com o orgulho de viver em uma cidade que prioriza o humano. Com a palavra os projetistas municipais e a bancada federal.

Em caso da completa inoperância do trem, uma avenida com pista dupla sobre os trilhos, com mirantes para turistas em vários pontos do rio, acredito, atenderia as exigências dos moradores daquela região e de toda a cidade.

Capricharíamos na preservação do acervo da EFMM: o museu com todas as peças possíveis e filmes do trem de outrora se encarregaria de renovar em nossos espíritos e nos da nossa descendência a importância da EFMM para o surgimento das cidades de Porto Velho, Guajará Mirim e para os desdobramentos do crescimento do pujante estado que vivenciamos. O museu seria a extensão da escola, mais um elemento motivador da construção da nossa identidade cultural.

E por falar em ser, nossa capital hospedou, por alguns dias, o professor português António Nóvoa, reitor da Universidade de Lisboa, doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra e em História pela Universidade de Sorbonne, em Paris. Incansável batalhador pela melhoria do ensino nas escolas, veio a convite da Seduc para uma palestra, ministrada, com a competência de sempre, no auditório da ULBRA, na tarde da última quarta feira (08/02).

O professor Nóvoa defende o aprimoramento constante do professor e o enxugamento do currículo escolar: a escola, leia ME, precisa decidir o que é essencial ensinar aos alunos e gastar tempo e esforço apenas com isto. É importante a priorização do conhecimento e da cultura no currículo.

Segundo ele, no século passado, muito se investiu em educação integral: a escola recebia a criança, ensinava tudo que era necessário, depois a devolvia, pronta, para a sociedade, compensando o que não existia fora dela, isto se justificava porque a maior parte da população era analfabeta e ignorante. Esta realidade passou. Outros conteúdos devem ser de responsabilidade da sociedade. A escola precisa caprichar na aprendizagem. Para que exista inclusão social, os estudantes necessitam tomar conhecimento das ferramentas básicas do conhecimento e da cultura. À escola o que é da escola, à sociedade o que é da sociedade, já acabou o tempo da sociedade cobrar da escola a solução de problemas, resta saber, hoje, o que a sociedade pode oferecer à escola.

No início da madruga de sexta feira, encontrei o professor António Nóvoa, no aeroporto: humilde, como sempre, e solitário. Arrastava o corpo e uma mala de rodinhas ao sabor da longa fila da TAM, acompanhando os passageiros com destino a Brasília. Apesar de celebridade, conhecido nas principais universidades do mundo, ninguém, além de mim, o reconheceu. Aí me lembrei de uma história contada por ele, ocorrida no dia da chegada:

No trajeto aeroporto cidade, ele empreendeu um denso diálogo com o motorista, sem pudores do forte sotaque português. Ao chegar ao destino deixou sem resposta a pergunta do taxista:

O senhor é boliviano ou argentino?

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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