Antônio Cândido da Silva
O historiador e analista político
Francisco Matias nos convida através de artigo publicado no dia 4 do corrente mês, a refletir sobre o que teria acontecido nas terras do “Antigo Ponto Militar”, no dia 4 de julho de 1907.
Como não me deixam ser historiador e de política entendo o bastante para não ser enganado duas vezes pelo mesmo político, fico na minha condição de pesquisador e asseguro com convicção e documentos, que naquele dia, naquele ano, naquele local, com relação à história de Rondônia, não aconteceu absolutamente NADA.
Para começar, mesmo considerando o esforço de Roquette Pinto, a região citada por Matias só passou a ser conhecida oficialmente por Rondônia a partir de 17 de fevereiro de 1956, e não em 1912, ou logo depois, como quer o historiador.
A afirmação de que a estrada de Ferro Madeira-Mamoré foi inaugurada “pelo menos cinco vezes”, não procede. Aconteceram 4 inaugurações de “trechos” da ferrovia: o primeiro e mais comentado por causa do acidente com a máquina 12, aconteceu em 4 de julho de 1878, a única inauguração de alguma coisa acontecida aqui, nesse dia, até hoje.
A primeira inauguração no período em que a ferrovia foi realmente construída, aconteceu no dia 31 de maio de 1910, do trecho Santo Antônio/Jaciparaná (90 km); a segunda, no dia 30 de outubro de 1910, até o quilômetro 152, cachoeira dos Três Irmãos; a terceira, no dia 7 de Setembro de 1911, até a foz do Abunã (220 km), e após atingir Guajará-Mirim, em 31 de abril de 1912, deu-se a inauguração final no dia 1º de agosto de 1912, o que vem contrariar a opinião de alguns historiadores, de que os americanos tinham o costume de fazer as suas inaugurações no “dia 4 de julho.”
Aliás, em “Farquhar – O último Titã”, pág. 193, está registrado que: Ele (Farquhar) marcou a inauguração para o Dia da Independência do Brasil – 7 de Setembro. O que não aconteceu porque não conseguiu convencer Getúlio Vargas a enfrentar uma viagem tão longa de navio.
O artigo nos garante que os americanos “inauguraram o trecho Santo Antonio/Teotônio, com sete km de trilhos. Foi um desastre. A locomotiva que fez o percurso inaugural praticamente capotou na curva para a vila de Teotônio.”
A história e a geografia de Rondônia não registram a existência de nenhuma Vila de Teotônio a “sete quilômetros” de Santo Antônio, e vale lembrar que em 1878 não existia “vila” nem mesmo povoado na região da Cachoeira do Teotônio.
Não é correto afirmar que: “Neste contexto, uma nova empresa, com a mesma razão social daquela primeira, mas sob a direção do engenheiro e advogado Percival Farqhuar...”
As empresas não tinham a mesma razão social. George Earl Church, no dia 1º de março de 1871, incorporou a empresa Madeira-Mamoré Railway Co. Ltda. E Percival Farqhuar fundou em 2 de agosto de 1907, na cidade de Portland, a “Madeira-Mamoré Railway Company.
Não sei onde Matias coletou a informação de que a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré registrou “o maior número de acidente de trabalho do mundo,” sem citar números, o que nos leva a crer que ele tenha confundido o total de óbitos por moléstias adquiridas como acidentes de trabalho.
Vamos refletir.
O historiador afirma:
Não obstante, o grupo May, Jeckyll & Randolph deu início à construção da ferrovia, após transferir suas instalações do povoado de Santo Antonio até o porto amazonense, que era conhecido como Porto Velho, ou Porto Velho dos Militares. Na época, as empreiteiras ferroviárias norte-americanas adotavam um modo peculiar de festejar o início e o final de suas obras. No início, colocavam simbolicamente um prego de prata no marco zero. No final, um prego de ouro.
E mais à frente nos diz que “Por isso e por sentimentos patrióticos, o consórcio resolveu inaugurar a ferrovia no dia 4 de julho de 1907, no marco zero, às margens do rio Madeira, na área do município de Humaitá, AM.”
Ora, isso vem de encontro às informações de Manoel Rodrigues Ferreira de que os americanos chegaram a Santo Antônio no dia 20 de junho de 1907, quando declara que “os trabalhos de engenharia tinham sido iniciados e a primeira estaca batida três dias após a chegada, no dia 23 de junho” e, contraria, também, Antônio Cantanhede em “Achegas para a história de Porto Velho”, pg.268, ao falar de Simplício José da Silva:
Ainda nesse ano foi contratado pelos novos concessionários da estrada de ferro, para construir, em Santo Antônio, barracas para alojamento da primeira turma de trabalhadores a chegar para os serviços da estrada, trabalhos que foram iniciados a 31 de maio de 1907.
Existem dezenas de comprovações documentais de que a ocupação da área onde se instalou o canteiro de obras de Madeira-Mamoré, em Porto Velho, só aconteceu a partir de 16 de janeiro de 1908.
Comecemos por Charles A. Gauld em Farquhar O último Titã, p.178:
Em maio de 1907, de seu escritório em Nova York, Farquhar enviou um grupo de engenheiros americanos para refazer o levantamento da rota da EFMM – e eles preferiram sediá-la em Porto Velho em vez de Santo Antônio, assolada pela malária. No ano seguinte, por ordem de Farquhar, foi iniciada a construção de Porto Velho, abrindo-se ruas e inclusive uma larga avenida na cidade que ele anteviu, mas nunca visitou.
Na página 179 do citado livro encontramos a seguinte informação:
Os associados de Farquhar nas ferrovias de Cuba e da Guatemala – os veteranos empreiteiros Robert H. May, Arthur B. Jekyll e “King John” Randolph – chegaram no início de 1908, após terminar a linha guatemalteca...
Essa citação atribuída a Farquhar, é suficiente para derrubar a afirmação de Francisco Matias de que os engenheiros Robert H. May, Arthur B. Jekyll e John Randolph, transferiram o acampamento e pregaram o tal “prego de parta”, no dia 4 de julho de 1907, considerando que eles chegaram somente no início de 1908.
Com relação ao “prego de prata”, invenção de Hugo Ferreira que nem mesmo ele conseguiu comprovar, até hoje tem encontrado defensores entre aqueles que fazem história repetindo o que os outros escreveram.
Observem a página 566, do relatório do Ministério da Indústria Viação e Obras Públicas, relativo ao ano de 1907, para comprovar que, somente no dia 14 de novembro daquele ano, foi remetida àquele Ministério, a solicitação para mudança do ponto inicial da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.
Portanto, se juntarmos a chegada dos empreiteiros, da Comissão Fiscalizadora do Governo Federal, das declarações de Farquhar e a data em que o pedido de mudança foi feita ao Ministério, chegaremos à conclusão de que os trabalhos da ferrovia Madeira-Mamoré, em Porto Velho, só aconteceram mesmo a partir de janeiro de 1908.
Parabéns, Matias por ter acrescentado um dado novo a nossa história: “o consórcio resolveu inaugurar a ferrovia no dia 4 de julho de 1907”...
Com essa declaração você conseguiu construir e inaugurar a ferrovia Madeira-Mamoré em apenas 13 dias.
É, meu caro Matias. Há muito que se meditar sobre a nossa história. Principalmente, PESQUISAR...
Fonte: Antônio Cândido da Silva
Membro da Academia de Letras de Rondônia Membro da União Brasileira de Escritores – UBE – RO. a.candido.silva@hotmail.com