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Antônio Cândido

A BRIGA NO CÉU



Em meado da década de 50, do século passado, na cidade do "Até que Enfim", havia uma Rua Almirante Barroso que fazia esquina com outra de nome Prudente de Morais e, nessa esquina, um grande casarão de madeira coberto de zinco conhecido por Céu.

        
Céu era um bordel de não sei qual categoria, mas, conceituado, já que registrava na sua lista de "mulheres de vida fácil", as remanescentes do famoso "Curral das Éguas" e, se não chegava a concorrer com os bordéis da rua Dom Pedro II que dominavam a zona do baixo meretrício, mais conhecida como ZBM, era freqüentado por pessoas famosas como o músico Anjo, o guarda territorial Cão, além de possuir no seu quadro funcional nada menos que a faceira e disputada Madalena.

        
No céu, até mesmo o Jesus, o da Mesa de Rendas Alfandegada, vez por outra dava os ares de sua graça, e isso tornava mais divino o ambiente já que esses nomes completavam a relação bíblica de personagens.

        
Madalena, como toda prostituta que se prezava, tinha também o seu gostosão, aquele cara que aparecia quando a noitada estava chegando ao fim para dormir ao lado da sua deusa. Ela, por sua vez, já havia embebedado tanto o pretenso freguês, que o dinheiro deixado por ele no caixa da casa, lhe dava o direito de passar o resto da noite em paz.

        
Madalena, como boa pecadora, tinha por amante nada menos que o Cão, policial de físico avantajado e cara feia que fazia medo a qualquer delinqüente que se metesse a besta, fato que seria inusitado já que a cidade era pequena, pacata e naquela época nem se conhecia a palavra delinqüente.

        
Um dia (como nos contos de fada que começam assim) como os opostos se atraem, era natural que a "pecadora" Madalena sentisse atração pela pessoa do Anjo que, além de policial, fazia parte da banda de música da cidade e a música o tornava aos olhos de Madalena uma figura muito mais celestial aumentando essa atração.

        
Foi assim que certo dia, ou melhor, certa noite quando Anjo sabendo que Cão estava de plantão resolveu assediar a cativante Madalena com a intenção de dar vazão aos seus prazeres reprimidos. Madalena que há muito tempo esperava por aquele momento, não se fez de rogada e permitiu que Anjo sentasse à mesa em que ela, profissionalmente, esperava um cliente com dinheiro no bolso.

        
A conversa caminhava para um feliz fim de noite quando, de repente, talvez cutucado pelo capeta (que era ele mesmo), surge na porta do Céu a figura e a pessoa do guarda Cão que ao ver Madalena de conversa fiada com o Anjo, partiu para a agressão, para lavar a honra, como se dizia naqueles tempos.

        
Anjo, que pelo nome devia ser da paz, esqueceu a sua suposta  condição divina e partiu pra briga. Os dois se engalfinharam em luta corporal e, por causa do porte físico avantajado dos dois, acabaram derrubando uma das paredes internas do recinto.

        
Mesmo com a intromissão da turma do "já chega" e do "para com isso", a briga só acabou com a chegada providencial (ou divinal) de Jesus que conseguiu fazer o milagre de por fim a disputa, conseguindo, assim, por ordem no Céu.

 

Fonte:  Do livro "Contos que o povo conta" - Por  Antônio Cândido da Silva

 

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