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Antônio Cândido

A ÚLTIMA VIAGEM


Antônio Cândido da Silva

 

Sete horas da manhã.

Apita a máquina doze,

para a última viagem

que agora se inicia.

O sino da estação

parece dobrar finados

inundando nossa alma

de imensa nostalgia.

 

As casas vão se perdendo

na tristeza da distância,

os velhos carros parados

lá no desvio da estrada.

Estrada que beija o rio

assim, pela vez primeira,

Santo Antônio, lá na frente,

é a primeira parada.

 

A história vai surgindo

nas pedras da cachoeira,

nas ruínas da cidade,

na curva que o rio faz.

O trem apita e desperta

o passageiro que sonha.

O Casarão vai sumindo

e tudo fica pra trás.

 

Alguns minutos depois

o posto de Teotônio

onde o trem bebe água

para poder prosseguir.

Pára depois em São Carlos

o posto do telefone,

velha casa de madeira

que sozinha existe ali.

 

Depois a máquina avança

no caminho da floresta,

pra chegar a Lusitânia

lá onde uma casa há.

Assim seguindo viagem

por uma curva fechada,

o trem atravessa a ponte

chega a Jacy-Paraná.

 

Por volta de doze horas,

a hora de almoçar.

Depois do almoço o trem se movimenta

e Jacy vai ficando na lembrança.

Suas casas perfiladas para a linha

guardam sonhos do tempo de bonança.

 

Vamos chegar à Caldeirão do Inferno,

uma parada ao pé da corredeira.

Mais à frente a parada de Jirau

que leva o nome dado à cachoeira.

 

Mais uma ponte, embaixo o velho rio,

silencioso no seu caminhar.

O trem apita, diminui a marcha,

e em Mutum-Paraná vamos parar.

 

O trem se move e logo a nossa frente,

“a grande reta” num traçar bonito.

Quarenta e quatro mil metros de trilhos

se perdem na distância do infinito.

 

O sol vai se perdendo no poente

e a Vila de Abunã vem se mostrar.

Suavemente a noite cobre a Vila

nos convidando para repousar.

 

O trem apita quando nasce o dia

no sorriso festivo da manhã

e a branca fumaça da caldeira

é o lenço dando adeus a Abunã.

 

Depois a solidão de mata virgem

que parece abraçar a ferrovia.

Breve parada em Penha Colorada

e a viagem se reinicia.

 

Rio Taquara, a ponte, o vilarejo,

a escola, o telefone, a solidão.

Pouco depois o trem pára em Araras

casas de palha a identificação.

 

A próxima parada é Periquitos

cujo nome adotou da cachoeira

com as casas de palha e de tijolos

construídas à margem do Madeira.

 

O trem mais uma vez se movimenta,

indo encontrar à margem do Madeira

mais um local onde deve parar.

Chocolatal, em frente à cachoeira

onde descansa o trem por meia hora

antes de ir a Ribeirão chegar.

 

Ribeirão é mais uma cachoeira,

posto dos índios e telefonia,

aonde o trem sua parada faz.

Misericórdia, rápida parada,

depois Madeira, outra cachoeira,

sendo mais uma que ficou pra trás.

 

A viagem prossegue e na distância,

Vila Murtinho já pode ser vista

com a sua imponente estação.

Ali se encontram Beni e Mamoré

e o rio Madeira, caudaloso,

assim começa dessa união.

 

Depois vem a floresta novamente.

De repente se vê no Mamoré

a cachoeira Guajará-Mirim.

Pouco depois, na linha do horizonte

aparecem as torres de matriz

e a viagem do trem chegou ao fim.

 

Antigamente, em todo esse percurso,

eram quarenta e oito as paradas

que na viagem nosso trem fazia.

Hoje, porém, se vê ao desalento,

paradas recobertas de saudade

ao lado de uma triste ferrovia.

 

            Do livro Madeira-Mamoré – O vagão dos Esquecidos

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