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Antônio Cândido

Escritor garimpa história de rondônia


Natural do seringal do Igarapé dos Botos, distrito de Restauração, em Humaitá, Antônio Cândido da Silva passou a viver em Porto Velho em 1945. Contabilista e administrador, ele enveredou pela literatura e hoje, já aposentado, membro da Academia Rondoniense de Letras, se dedica a escrever romances e poesias e a pesquisar a história de Rondônia, um trabalho minucioso, que exige paciência e abnegação.Gente de Opinião

Tarefa reservada só para quem gosta muito do ofício. No último sábado, ele lançou mais um livro, “Vila Amazônia, os Koutakusseis”, sobre a história de um grupo de japoneses que fundou uma colônia no Amazonas na época da Segunda Guerra Mundial. Antônio Cândido já lançou cinco livros e tem mais três prontos para publicação. Em dois deles, “Enganos da Nossa História”, já publicado, e no inédito “Outro lado da História”, ele desconstrói inverdades sobre a história de Porto Velho publicadas em livros e artigos e propaladas como se fossem fatos reais. Um esforço nem sempre compreendido por autores equivocados. Em entrevista ao Diário, o escritor e historiador fala sobre o seu trabalho e sua obra.

 

Escritor garimpa história de rondônia - Gente de OpiniãoDiário da Amazônia – Quantos livros o senhor já publicou?
Antônio Cândido – Eu tenho dois livros de poesia publicados, “Marcas do Tempo” e “Madeira-Mamoré, o Vagão dos Esquecidos”, “Enganos da Nossa História”, o romance “Diaruí” e agora o quinto, que também é uma ficção, “Vila Amazônia, os Koutakusseis” .

Gente de OpiniãoDiário – Quando começou o seu interesse pela história da região amazônica, especialmente de Rondônia?
Antônio – Comecei a me interessar e pesquisar quando Rondônia passou a ser Estado e eu decidi participar de concursos para elaboração dos símbolos dos municípios de Porto Velho, Costa Marques, Jaru e Cerejeiras. Na Capital, eu sou autor da bandeira e do brasão, em Costa Marques fiz a bandeira e o hino e também elaborei os hinos de Jaru e Cerejeiras. Aí fui me envolvendo, escrevi a história da Madeira-Mamoré em forma de versos, uma epopeia. Este livro, inclusive, consta na Biblioteca de Washington. Recebi uma carta da Embaixada solicitando a obra e outra agradecendo.

Gente de OpiniãoDiário – O senhor também fez um curso na Universidade Federal de Rondônia (Unir).
Antônio – Na Unir eu fiz um curso de Letras, no período de 2003 a 2006. Em 2002, eu já havia escrito dois romances – “Lídia Xavier” e “Diaruí”, como autodidata, e senti a necessidade de aprender as técnicas de romance, de escrita, esta coisa toda. Com o que aprendi no curso, eu consegui dar uma roupagem nova para o “Diaruí” e creio que o “Vila Amazônia” está muito melhor que os outros livros porque escrevi já na época em que comecei a estudar. Também contou para isso o trabalho da minha revisora, Maria de Fátima Almeida, que é fantástica, e ajuda muito, orientando o trabalho.

Gente de OpiniãoDiário – Aonde a gente pode comprar os seus livros?
Antônio – O único dos meus livros que ainda está disponível nas livrarias é o “Diaruí”, que aborda a trajetória dos índios karipunas na região onde foi construída a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Eu tentei fazer uma nova tiragem do “Vagão dos Esquecidos”, para distribuição durante os eventos relacionados ao centenário da Madeira-Mamoré e estive lá na governadoria, fui muito bem recebido, me prometeram que o livro seria reeditado. Depois me telefonaram dizendo que os contratos estavam suspensos, mas que eu voltasse a ligar depois de seis meses, que talvez houvesse possibilidade de publicar. Mas eu não vou mais ligar para isso.

Gente de OpiniãoDiário – É muito caro publicar um livro?
Antônio – É caro. Cem exemplares, de acordo com o tamanho, sai ao preço de R$ 3 mil a R$ 4 mil. Eu, por exemplo, preferiria vender o meu livro a R$ 20, porque venderia muito mais e ia ganhar muito mais, mas não dá. “O Vila Amazônia” vai custar R$ 26. É praticamente o preço de custo da publicação.

Diário – E como é que o senhor está conseguindo publicar os livros, já que não tem apoio do poder público ou um patrocinador?
Antônio – Eu conto com a ajuda da família, porque é muito difícil publicar um livro pelos meios oficiais. Os secretários de cultura – nos governos estadual e municipais – têm boa vontade, mas não têm o financeiro então não têm autonomia para desenvolver projetos e publicar livros.

Gente de OpiniãoDiário – Este tipo de gasto para os governos ainda é considerado como supérfluo.
Antônio – E tem outra coisa, esta ideia de cultura é muito restrita aqui em Rondônia. A gente vê que carnaval, carnaval fora de época, quadrilha e boi bumbá, estas festas são consideradas como cultura. Teatro já está sendo considerado também, mas livro parece assim que não é cultura. Então é muito difícil.

Gente de OpiniãoDiário – A história e a geografia de Rondônia não estão incluídas nos currículos dos cursos de segundo grau das escolas públicas. Como é que o senhor vê esta questão?
Antônio – Eu discuti muito na Unir quando fiz o curso de Letras e não estudei a Literatura de Rondônia. Atualmente está havendo uma movimentação em torno da literatura da região amazônica, pelo menos na Unir estou vendo isso. Em Belém e Manaus existe esse interesse. Em Manaus, tem o Milton Hatoun, que já ganhou três prêmios Jabuti, mas mesmo assim, por ser da Região Norte, ele não tem divulgação. Todo o mundo sabe que o Chico Buarque ganhou um Jabuti, embora a premiação tenha sido contestada, mas raríssimas pessoas sabem que um autor de Manaus ganhou três Jabutis.

Tivemos aqui um certo professor na Unir, muito competente por sinal, que trouxe ideias diferentes e sempre menosprezou as coisas do Estado. Organizou um movimento cultural e chegou a escrever que o governo lucraria muito mais se em vez de publicar livros de autores de Rondônia, transformasse os mesmos em papel higiênico. Era um debochado, mas foi embora e hoje a mentalidade é outra. Hoje a gente vê doutorados, mestrados dirigidos para a região amazônica. Eu mesmo já fui entrevistado por várias pessoas que estão estudando sobre literatura e história de Rondônia.

Gente de OpiniãoDiário – Não seria importante, então, que as disciplinas de geografia e história de Rondônia constassem do currículo do segundo grau?
Antônio – Seria muito importante, mas quem vai lecionar? Não existem professores formados em literatura, história e geografia regional. Este é o problema. Além disso, a nossa história está cheia de divergências e a maioria dos professores vem de fora, não conhecem a nossa realidade e vão buscar a história aonde, se muitos livros não estão corretos?

Gente de OpiniãoDiário – Qual é a saída para esse impasse?
Antônio – Eu já propus para a Academia Rondoniense de Letras, que também é de ciência, geografia e história, que fizéssemos um trabalho para contar a história de forma conjunta. Não seria uma história oficial, nem teria a pretensão de ser uma verdade absoluta, o que não existe em se tratando de história, mas poderia servir de referência nas escolas.

Gente de OpiniãoDiário – O senhor acredita, então, que deveria haver uma política consistente do poder público voltada para a pesquisa da história de Rondônia?
Antônio – Eu acredito que tem que ser feita alguma coisa. Eu me preocupo com o fato de estarmos em uma época em que o Estado foi, digamos, invadido, no bom sentido, por pessoas de várias regiões. São várias culturas que se juntaram aqui. E são culturas que não têm nada a ver com a nossa história. Então, se não houver um trabalho sério agora, a nossa história e a nossa cultura vão desaparecer. Hoje o que existe da cultura da Amazônia só é encontrada em Porto Velho e Guajará-Mirim, nos vales do Madeira e do Mamoré, fora disso já não tem nada da cultura amazônica. É outra cultura.

Gente de OpiniãoDiário – Como o senhor realiza o trabalho de pesquisa sobre Rondônia?
Antônio – O trabalho de pesquisa é difícil. Eu fico garimpando aqui e ali, faço cópias de livros antigos com edições esgotadas. Além disso, tenho que usar a memória e a intuição. Recentemente eu descobri um site que tem as leis do tempo do Império e passo dias e dias pesquisando. A história de Rondônia está toda em Cuiabá, em Humaitá, em Manaus, na Rede Ferroviária Federal, em Lisboa, no Rio de Janeiro. A história do Marechal Rondon pode ser pesquisada na Casa do Índio e na Funai, mas como ir até lá?
Por exemplo, há seis ou oito anos eu vinha pesquisando sobre o destacamento militar que acampou aqui onde hoje é Porto Velho durante a Guerra do Paraguai – episódio que deu origem ao nome da cidade. Existe uma versão de que se tratava de um destacamento vindo do Jamary (distrito de São Carlos), que pertencia ao estado do Amazonas. De acordo com as informações que encontrei sobre o assunto, os soldados destacados para resguardar as fronteiras eram da Guarda Nacional e os soldados das forças do Jamary pertenciam às forças regulares, que correspondiam ao nosso Exército Brasileiro, então não poderiam ter vindo para cá. Além disso, descobri que cada estado era responsável pelas suas fronteiras e concluí, assim, que os militares que vieram para Porto Velho eram do Mato Grosso, a quem pertenciam as terras de Santo Antônio do Madeira, e não do Amazonas como indicam alguns historiadores.
Estes militares foram destacados para cá porque na época da Guerra do Paraguai a Bolívia declarou apoio ao Paraguai e Dom Pedro II, com medo da Bolívia invadir o Brasil, mandou colocar postos militares na fronteira.

Gente de OpiniãoDiário – Como foi a história da polêmica da data do centenário de Porto Velho?
Antônio – A polêmica surgiu porque historiadores e jornalistas acreditam que a cidade de Porto Velho nasceu em 1907 e resolveram comemorar o centenário da cidade em 2007. Eles alegam que em 4 de julho de 1907 os americanos teriam cravado um prego de prata no início dos trilhos da Madeira-Mamoré, mas sabe-se que os americanos (construtores da ferrovia) chegaram em Santo Antônio em janeiro de 1907 e solicitaram a transferência para a região de Porto Velho em novembro de 1907, sendo que esta transferência só foi autorizado em 1908. Então, como é que eles estavam aqui em 1907, como afirmam estas pessoas? Esta versão está baseada em relatos do Ferreira (antigo morador da região), mas onde está este registro? Está em um livro intitulado “Lembranças e Reminiscências”. Lembranças e reminiscências não são base para uma pesquisa histórica. O Ferreira chegou em Santo Antônio em 1913, então não estava aqui em 1907.

Gente de OpiniãoDiário – Fale um pouco sobre o livro que o senhor lançou no último sábado?
Antônio – Eu já conhecia esta história, achava muito interessante, pesquisei e fiz o romance. Os japoneses enviaram para o Brasil 248 rapazes, os Koutakusseis, que passaram pela Escola Superior de Agricultura, para criar uma vila na Amazônia. Eles vieram para cumprir uma missão e com a condição de não mais retornar ao Japão. Este fato ocorreu na mesma época da Segunda Guerra Mundial, que está muito ligada à história de Rondônia. Na obra eu também exploro as lendas e mitos da Amazônia. A edição terá 600 exemplares que serão comercializados em livrarias de Porto Velho.

Gente de OpiniãoDiário – Além de cinco livros publicados, o senhor tem outras obras já concluídas?
Antônio – Tenho o “Outro lado da História”, “Lídia Xavier”, que é um romance inspirado na história de uma moça que se suicidou em Porto Velho em 1914, na época da construção da Madeira-Mamoré, e eu pretendo lançar em breve. Tenho também o “Porão dos Condenados”, que relata o caso de um sobrevivente do Navio Satélite, que chegou em Santo Antônio em 1911 com uma carga de renegados, e dois de poesia – “Passarelas de Emoções” e “Da Janela por onde o Tempo Passa” – e estou terminando o romance “Na Curva que o Rio Faz”, sobre os quilombos do vale do Guaporé.

Gente de OpiniãoDiário – Com todos estes livros e um trabalho de pesquisa sobre a história de Rondônia, o senhor acredita que possa ter o apoio do governo para publicá-los?
Antônio – Eu não conto com este apoio. Já perdi as esperanças de que isso possa acontecer.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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