Palestra proferida pelo Professor Antônio Cândido da Silva, no Seminário "Porto Velho - Um Século de História, coordenado pela Fundação Iaripuna, no período de 22 a 25.10.2007.
O JORNAL DO DIA 30.10.2007
No dia 30 de setembro de 2007, o jornal Alto Madeira publicou dois artigos sob os títulos "Cem anos do Reinicio da Construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré 1907/2007" e "Porto Velho e o seu Centenário", assinados pelos ilustres historiadores Abnael Machado de Lima e Yedda Pinheiro Borzacov, respectivamente.
Eles se utilizaram de quatro páginas do citado jornal para, por todos os meios, tentarem convencer os ilustres leitores do respeitado matutino de que a cidade de Porto Velho teve início no dia 4 de julho de 1907. Sem conhecerem os nossos argumentos contrários a essa afirmação, teceram comentários às vezes deselegantes, sem citar nosso nome, mas deixando clara essa intenção, principalmente quanto ao fato de que teríamos convencido o Secretário Estadual de Cultura – SECEL, a cancelar a programação que estava sendo organizada para comemorar o centenário de Porto Velho.
Para quem escreveu o livro "PORTO VELHO – 100 ANOS DE HISTÓRIA" que a própria autora fez questão de dizer tratar-se de um livro de memórias, o que realmente é, só restou estimular os leitores a desacreditarem no nosso trabalho.
Além de textos dos escritores e historiadores da nossa terra, citados no trabalho jornalístico para corroborar a teoria que apresentou, cujo núcleo consideramos já devidamente rebatido, mesmo assim, em louvor ao debate sério e elevado, desejamos na oportunidade esclarecer alguns pontos não lembrados nas publicações referidas, os quais vemos como importantes.
SOBRE O PRIMEIRO ARTIGO:
Nesse primeiro artigo publicado no jornal Alto Madeira do dia 30/09/2007, quando o seu autor refere-se ao ano de 1906, diz assim:
Farquhar determinou aos contratados a se deslocarem para Santo Antônio do Alto Madeira, local onde seria reiniciada a construção da ferrovia, com a expressa recomendação de que para todos os efeitos oficiais e legais, quem estava realizando tal obra era Joaquim Catramby.
Os contratados referidos, que devem ser May, Jekyll & Randolph, só puderam aportar nessas plagas, como se sabe, no início de 1908. Realmente. De acordo com Ernest H. Liebel, Mr. May fez parte da primeira turma de engenheiros, juntando-se ao pessoal em Belém-Pa, onde contratou capatazes e 100 trabalhadores braçais, desembarcando em Santo Antônio em 21 de junho de 1907.
Observem agora a falta de cuidado quando o historiador no referido artigo nos fala do ano de 1907:
Dia 6 de Maio o primeiro grupo do pessoal da Empresa May & Jekyll constituído, por um engenheiro-chefe, doze engenheiros, um médico e um cozinheiro partiu de Nova York para o Brasil chegando em Belém/PA, no dia 20 de maio...Prosseguindo a viagem, o Javari chegou ao porto do destino no dia 18 de junho.
Porto do destino, no caso, só pode ser Santo Antonio.
Resta perguntar: para ele, afinal de contas, o pessoal chegou em 1906 ou 1907?
Teria sido mesmo dia 18? Ernest. H. Liebel declara que "Os trabalhos de engenharia tinham sido iniciados e a primeira estaca batida três dias após a chegada, no dia 23 de junho".
Como já tivemos a oportunidade de anotar, o desembarque em Santo Antonio aconteceu em 21 de junho de 1907, de sorte que o 23 de junho acima está relacionado à data em que foi enterrada a primeira estaca naquela vila, voltada à construção da ferrovia.
Mais adiante o ilustre historiador prossegue:
O engenheiro-chefe distribui os 40 trabalhadores restantes para os trabalhos de locação dos primeiros dez quilômetros que a empresa estava obrigada a locar e submeter até o dia 1º de agosto o projeto e levantamento da linha preliminar ao fiscal do governo brasileiro; para a construção de porto ancoradouro próximo a foz do igarapé Grande (atual Bate-Estaca), (...) este porto destinava-se a ancoragem da carga pesada por eles transportadas, e para a construção do acampamento. (sic).
A primeira parte da citação é assunto já discutido no início do nosso trabalho, e aqui fazemos menção, apenas, para demonstrar a facilidade com que o ilustre historiador se contradiz.
Os 40 trabalhadores do texto acima fazem parte dos 100 trabalhadores braçais contratados por Mr. May, em Belém-PA, e que aqui chegaram, como já esclarecido, com o primeiro grupo de engenheiros desembarcados em Santo Antônio no dia 21 de junho de 1907.
Agora vejam o que diz o nobre historiador:
Foram contratados cento e quarenta trabalhadores em Belém/PA e enviados a Santo Antônio, parte destes trabalhadores foram destacados para Porto Velho a fim de derrubar a capoeira, construindo um cais, as barracas do acampamento, do novo ponto escolhido para estação do marco zero da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, simbolicamente iniciada no dia 04 de julho de 1907.
Analisemos, agora, coerentemente: de 21 de junho de 1907, data da chegada em Santo Antonio, até o dia 4 de julho (14 dias, depois, portanto), daria tempo para contratar, embarcar, chegar, fazer os serviços de roçada e pregar o bendito "prego de prata" no dia 4 de julho de 1907, quando foram muitas e enormes as dificuldades que se apresentaram à construção, de ordem contratual inclusive?
Como justificar esse milagre, se o "Javari" com o primeiro grupo de engenheiros e trabalhadores saiu de Belém-PA, em 09 de junho de 1907 e levou 12 dias para chegar a Santo Antônio?
Raciocinemos: para que "construir um porto" próximo à foz do igarapé Grande (atual Bate-Estaca) e não em Porto Velho se, de acordo com o próprio autor da matéria, a ferrovia seria iniciada em 4 de julho, alguns dias depois, portanto?
Como se verá a seguir, não estamos inventando nada de novo ou usando de "artifícios literários," como disseram, para tentar ludibriar a boa fé de ninguém. O trecho a seguir também foi usado pelo autor da referida matéria para justificar o surgimento de Porto Velho em 1907, o mesmo que usamos para respaldar o nosso ponto de vista, de que isso na verdade só aconteceu em 1908:
Dia 28 de junho os trabalhos de locação na floresta foram parcialmente paralisados sendo empregada a maior força de trabalho nas instalações do acampamento atendendo exigências dos engenheiros (...) Os trabalhadores braçais continuavam a abandonar a empresa, reduzindo-se apenas a vinte e oito.
A empresa de comum acordo com o governo federal conseguiu transferir o ponto inicial da ferrovia...
Com relação ao ano de 1908, o nobre mestre traz a seguinte informação:
O Ministério de Indústria, Viação e Obras Públicas pela Ordem de Serviço nº 2 de 16 de janeiro, oficializa de direito a transferência do ponto inicial da ferrovia de Santo Antônio para Porto Velho, realizada em junho de 1907.
Certamente o ilustre professor utilizou as expressões “oficializa de direito” para querer justificar que em Porto Velho, antes da edição desse aviso, já existiam trabalhadores em serviço relacionados à construção da ferrovia.
Mesmo quanto a isso nada diz com segurança, já que ora afirma que essa transferência ocorreu em data tal, ora diz ser noutra.
Será que eles construiriam toda a infra-estrutura do inicio da ferrovia fora de regras contratuais expressamente definidas?
Vale lembrar que o "lastreamento" da ferrovia, que não constava do contrato, mesmo autorizado pelo governo federal, só foi pago no final de 1916, depois de uma longa pendenga judicial. MRF- pág.327.
Para encerrar essa primeira parte, observamos que a publicação ora comentada trás várias fotografias, corretamente creditadas a Danna Merrill, uma delas trazendo a seguinte inscrição: "Porto do Velho também Ponto Velho 1907".
Na página 3/2 do citado jornal, uma das fotos que ilustra a página, aparece com uma colagem grosseira na parte superior e a inscrição EFMM – O Renascer da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – 1907, sem contar que o "1907" foi escrito à mão.
Charles A. Gauld, em The Last Titan, pág.182, diz, no entanto, que:
Farquhar enviou o fotógrafo Dana Merril, de Nova York, para uma estada de dois anos, em que tirou cerca de 300 fotos de todas as fases do épico trabalho.
Acontece que as fotos mais antigas do notável fotógrafo datam de 1910. Com efeito, ele não poderia ter fotografado nada no ano de 1907, como o ilustre mestre acredita ao colocar em seu trabalho uma foto com a inscrição acima.
Como se vê, definitivamente não queremos ser os guardiões da verdade, mas também não podemos nos conformar com entendimentos em relação aos quais não concordamos.
OBS. Continua na próxima semana.
Fonte - Antônio Cândido da Silva
Membro da Academia de Letras de Rondônia
Membro da União Brasileira de Escritores – UBE – RO.
CONTATO: a.candido.silva@hotmail.com