Antônio Cândido da Silva
Tenho acompanhado a luta pela construção do Teatro da capital e agora, com maior interesse, a disputa pela escolha do nome que será dado àquela futura casa de espetáculos.
A corrida e as opiniões para encontrar esse nome têm feito parte das colunas na imprensa falada, escrita e televisionada da capital Karipuna, e nomes interessantes têm surgido sem levar em conta, em alguns casos, se podem ou não concorrer a essa importante disputa.
Sabe-se que a legislação do País não permite que o nome de pessoas vivas possa ser dado às ruas, praças, travessas, becos, prédios públicos etc. o que já eliminaria um nome de peso, o de Dona Labibe Bártolo, defendido e cantado com muita justiça em prosa e verso pelo
colunista Silvio Santos.
Quando começou a construção, isso no governo Raupp, o deputado Heitor Costa encaminhou e fez aprovar o nome de “Sérgio Valente” para identificar o teatro da cidade, através da Lei Estadual nº 802/99, de 10.05.99.
Aqui, por ignorância ou desconhecimento da história (geralmente os dois juntos) tudo é feito à revelia, atropela-se as leis existentes, muda-se nome de ruas, de praças, impõe-se nomes como o de “Mãe de Esperança” a uma maternidade sem saber se a “Mãe” chegou, pelo menos, a ser mãe ou se ficou somente na “Esperança.”
Caso a Lei citada seja mais uma das muitas que já foram jogadas no lixo, e se resolva escolher outro nome para paraninfar o nosso Teatro, eu quero deixar registrada a minha colaboração e que, pelo menos agora, seja escolhido o nome de uma pessoa que pelo seu trabalho, dedicação e amor tenha deixado marcas indeléveis em benefício da arte teatral no nosso Estado.
Jango Rodrigues é um nome lembrado e defendido pela classe artística, segundo a coluna Cultura do O Observador. Jango fez parte do grupo que iniciou em 1978, o movimento denominado pelos participantes de a segunda fase do teatro em Rondônia.
Jango Rodrigues faleceu em acidente de trânsito, em Brasília, e embora tenha feito um trabalho que merece elogios, por parte daqueles que conviveram profissionalmente com ele, há de se convir é um nome a ser repensado em virtude do pouco tempo e do rápido trabalho em prol do teatro.
Chicão Santos escreveu “História do Teatro em Rondônia” e faz um bom trabalho com relação à “segunda fase” do teatro em Rondônia, isso, a partir de 1978, o que representa muito pouco se levarmos em conta que os saraus fazem parte da história karipuna desde os primórdios do Século passado.
Os padres e freiras salesianos foram grandes incentivadores do teatro estudantil e no auditório do Colégio Maria Auxiliadora, em datas festivas predeterminadas, principalmente nos finais de ano, se podia assistir a grandes espetáculos com danças, teatro e poesias, inclusive com apresentações dos alunos do colégio Dom Bosco, naquele auditório.
O incentivo ao teatro dado por esses religiosos teve início com a chegada do Padre Antônio Carlos Peixoto, em 9 de novembro de 1926, para iniciar os trabalhos da Prelazia de Porto Velho e perdura até os dias de hoje, em datas festivas, no Instituto Laura Vicuña.
Paulo Mourão e outros fizeram a “preliminar” de muitos artistas famosos no Cine Teatro Resky, na década de 50 e 60, do Século passado, isto, apenas para lembrar que naquele cinema o público também se deleitava com grandes apresentações.
São muitos os nomes que poderão ser lembrados, como por exemplo: Luis Antônio de Araujo Silva (Luiz da SATED), um briguento, literalmente, no bom sentido, em defesa do teatro e de um lugar para apresentações teatrais. Faleceu sem ver o seu sonho realizado, mas, com certeza, feliz por ter visto a retomada da construção do Teatro da nossa capital.
Xuluca (não sei o seu nome) é outro nome que merece ser lembrado. Morreu afogado na cachoeira de Santo Antônio, na tentativa de salvar o último de seus alunos quando o barco em que passeavam, virou na águas traiçoeiras do rio Madeira. Salvo engano, Xuluca foi o pioneiro em trabalhos com teatro de Bonecos, ou no mínimo, um de seus maiores incentivadores.
|
Abrigo dos Vicentinos em Porto Velho/DESBRAVADORES
|
Porém, sempre existe um porém, eu quero registrar o nome de uma pessoa que há muito caiu nas gavetas do esquecimento, mesmo para enriquecer a história do teatro em Rondônia, já que o nosso amigo Chicão Santos não o conheceu.
Trata-se do Padre Miguel Ângelo Carneiro Bastos, um verdadeiro professor Pardal, que palmilhou essas terras nos anos de 1950, e faleceu a pouco tempo na cidade de Humaitá-AM, após colaborar por mais de 50 anos com a congregação salesiana da qual fazia parte, em prol da juventude, nas cidades da Amazônia.
Padre Miguel era polivalente. Fabricava, artesanalmente, com a ajuda dos moleques da minha época, trens de madeira (tipo tobogã atual) instalados no pátio da catedral, nos quais descíamos por mais de trinta metros até a Rua Dom Pedro II, tudo devidamente lubrificado com o que restava das velas acesas nos ofícios da igreja.
O primeiro carrossel que conheci também foi feito por ele no pátio da Matriz, com a ajuda valiosa de alguns funcionários da oficina da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, movido à força do braço, onde nunca aconteceu um acidente, porque tudo era devidamente observado e a manutenção era feita pelo próprio inventor.
Quem passa na Rua Tenreiro Aranha com Paulo Leal, certamente vai ver o Asilo ou Abrigo dos Velhinhos, hoje mantido pelo governo do estado, com assistência social e tudo mais.
Poucas pessoas sabem que aquela construção hoje ampliada e reformada, foi erguida pelo Padre Miguel que fabricou os tijolos de blocos de cimento onde hoje está situada a livraria Paulinas, e com a ajuda da meninada, transportados para o local da construção em carros de mão feitos de madeira e com rodas de ferro fabricadas na oficina da ferrovia.
Os recursos foram conseguidos com mensalidades da Associação de São Vicente de Paula, por ele criada, e que só mesmo com ajuda divina, foi possível manter por muito tempo aquele abrigo. Depois passou a ser administrado pelo Lions Club e, finalmente, pelo governo do Estado.
Mas o que tem isso a ver com o nome do nosso Teatro?
Foi justamente no teatro que Padre Miguel deixou a sua marca ao construir, literalmente, na esquina das Ruas Carlos Gomes e Gonçalves Dias, aonde hoje funciona uma papelaria, o “Teatrinho do Padre Miguel”, assim chamado carinhosamente pelos frequentadores.
|
Santa Missa celebrada pelo Pe.Miguel A.C.Bastos entre um grupo de pessoas contempladas e amparadas pela assistência social da Prelazia de Porto Velho/DESBRAVADORES
|
Essa “casa de espetáculo” não conhecia luxo: paredes de madeira de segunda, sem pintura; cobertura de zinco cheio de furos; piso de “concreto magro” que de tão magro parecia mais esquelético; bancos corridos de tábuas de segunda sem acabamento e sem encosto e por aí vai. Chamava a atenção à iluminação elétrica que não tinha bocal, e a parte rosqueada das lâmpadas eram retiradas e os filamentos ligados diretamente na rede elétrica, artifício encontrado para evitar o roubo das lâmpadas.
As peças teatrais eram ensaiadas por Dona Eva, que morava na Rua Almirante Barroso sub-esquina de Mal. Deodoro, e apresentadas depois do convite feito após as novenas de domingo.
Assisti no Teatrinho do Padre Miguel a todos os filmes de Charles Chaplin, o Carlitos, filmes protagonizados por Alan Ladd e lembro-me dos filmes Ivanhoé, A Paixão de Cristo, do seriado Correios do Sul, e por aí vai.
Participei de algumas “peças” teatrais e declamei muitas poesias de Olavo Bilac e Casimiro de Abreu no palco famoso daquele Teatro.
Como Padre Miguel conseguia fazer tudo isso e ainda dar aula é uma pergunta que não sei responder. Ele era um sonhador e usava a fé para realizar os seus sonhos, acreditava que era possível e apenas isso lhe bastava...
Lembro-me que quando ele entrava na sala de aula, a primeira coisa que fazia era escrever três letras no ângulo esquerdo superior do quadro negro: j m j (Jesus, Maria e José), depois disso tudo era possível...
Nota- As fotos inseridas neste texto foram digitalizadas do livro Desbravadores Vol II, de Vitor Hugo