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Antônio Cândido

USINAS DO MADEIRA - VER, OUVIR E CALAR



Antônio Cândido da Silva

Em 31 de maio de 2008, publiquei matéria sobre os ilusórios benefícios que teríamos com a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau e, de lá pra cá, vários artigos em defesa do nosso patrimônio histórico e da despregada falta de respeito com a memória daqueles que construíram a história desta terra.

O General Rodrigo Octávio Jordão Ramos quando comandante do Comando Militar da Amazônia finalizou um dos seus discursos com uma frase que hoje está escrita em todos os quartéis da Amazônia: Árdua é a missão de desenvolver e defender a Amazônia. Muito mais difícil, porém, foi a de nossos antepassados em conquistá-la e mantê-la.

O General Rodrigo Octávio, diferente dos políticos de hoje, não veio para a Amazônia como alguns aventureiros que desembarcaram em Rondônia e hoje atropelam a Constituição Estadual, as leis, a história, os costumes e os sentimentos daqueles que conquistaram e mantiveram esse pedaço da Amazônia pensando, unicamente, em dias melhores para os seus descendentes.

A ponte do Jaci Paraná está debaixo d’água e nada podemos fazer porque três desses aventureiros deram às empresas construtoras das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, sem que a população soubesse disso, o “direito” de rirem das nossas caras. ALei estadual número 1776, criada em 10 de agosto de 2007, de autoria dos deputados Alex Testoni e Neodi Carlos e sancionada pelo Governador Ivo Cassol, autorizou, atropelando o Art. Nº 264 da Constituição Estadual as empresas em questão a desrespeitar o que existe de mais sagrado na história de um povo que é o respeito às tradições e a memória dos seus antepassados.

Segundo o escritor e poeta Matias Mendes, na última reunião da Academia de Letras de Rondônia, “parece que existe um pacto de silêncio quando o assunto é a destruição do patrimônio histórico de Rondônia.” Tem tudo a ver a sua afirmativa porque as poucas pessoas que escrevem, falam ou denunciam as arbitrariedades e desrespeito contra o que é do povo, não são levadas a sério nem mesmo pelos órgãos que têm a obrigação de zelar e defender os direitos elementares do cidadão.

Quem não preserva as suas raízes está fadado a repetir os erros do passado, quem construiu a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré nos deixou uma lição desconhecida pelos aventureiros de hoje, a de que na Amazônia a natureza se volta contra os seus invasores. Por isso, os nossos caboclos que “os de fora” chamam de indolentes são assim, porque aprenderam a conviver com o ambiente e secam o peixe, a caça e enlatam os cereais colhidos no verão para terem o alimento no tempo das enchentes.

Fala-se que com base na usina de Jirau, outras usinas poderão ser construídas no rio Madeira. Eu temo pelos ribeirinhos abaixo de Santo Antônio quando motivado por uma mudança no clima as comportas forem abertas, pois um verdadeiro tsunami levará as suas canoas e...

Há 67 anos moro em Porto Velho e conheci o clima antes e depois do lago de Samuel e posso lhes garantir que mudou. Antes não chovia, principalmente, em julho e agosto, agora chove.

Tem coisas que não dá para entender ou não é para entender: existe um movimento para que sejam retiradas as famílias do bairro do Triângulo porque o “parque das águas”, que será construído na orla do rio Madeira, de Porto Velho a Santo Antônio é mais importante para a população do que um bairro que tem apenas 100 anos. Para a história e as pessoas que moram lá, não.

E aí funcionou o pacto do silêncio, a justiça demorou em decidir, a Prefeitura esperou, e como se alguém tivesse dito “deixa que nos vamos expulsar esses babacas, numa boa,” de repente, a construtora abriu meia dúzia de comportas, em caráter experimental, e lá se foram as casas do bairro do Triângulo e, do marco inaugurado há 102 anos pela comissões do Amazonas e Mato Grosso, sob a chefia de Cândido Rondon, restou apenas pedaços de concreto.

A solução encontrada pelos responsáveis da tragédia foi reconstruí-lo em outro lugar. Ora, a interseção dos Paralelos 8º 48” não é em outro lugar. Construa-se um píer, uma passarela ou seja lá o que for mas, o marco deve ficar no lugar da intercessão do Paralelo 8º 48”. Vocês são engenheiros resolvam o problema e não venham com essa de dar pirulito para arrancar o dente de criança.

Tenho alertado para o monumento em comemoração aos 100 anos da Independência do Brasil, erguido atrás da igreja de Santo Antônio. Tenho matérias publicadas neste site sobre o Casarão, a igreja, a Praça da Catedral que a Prefeitura grilou, os símbolos municipais que são descaracterizados e não são apresentados nas escolas, em desrespeito às leis e, por aí vai...

As pessoas que escrevem não são levadas a sério e todos se calam como se proibidos por uma lei do silêncio, ou prejudicados por uma letargia que os impedem de raciocinar e reagir. Poucas pessoas dão valor ao que defendemos porque a ganância ou a ignorância norteiam a vida dos demais. Os gananciosos se aboletaram no poder e dão aos eleitores a migalha de uma ponte ou uma estrada de chão e ganham o reconhecimento dos que acham que eles estão lhes fazendo um favor.

Eu, que por experiência própria, conheço o vai e vem das águas do Madeira e já vi os galpões da Madeira-Mamoré alagados. Fico a imaginar o que acontecerá quando isso voltar a acontecer ajudado pela força das águas libertas pelas comportas das usinas.

Mas, o pior de tudo é a mentira com que tentam nos iludir. Disseram que o Casarão seria preservado para nele ser feito um museu, depois seria construído em outro lugar e, só agora, se sabe que querem demolir com a desculpa esfarrapada de que não tem relevância histórica; a igreja, por enquanto, ficará onde está, mas não dá para entender considerando que o Casarão deve ser demolido para construção do canal não sei do quê e os dois estão na mesma posição em relação ao rio; a ponte do Jaci seria levantada três metros para não ser atingidas pela subida das águas, no entanto, escavaram as cabeceiras da ponte que está submersa, fizeram um canal para nivelamento das águas do lago e, desculpem a “ignorância do macaco,” isso só vai acelerar o desabamento desse patrimônio histórico.

O marco conhecido como Marco Rondon, quando foi construído, o Paralelo 8º 48” estava a 84 metros distante da beira do rio. Em 102 anos esta distância foi reduzida para 25 metros e, em poucas horas, a abertura das comportas destruiu tudo.

Como de disse, conheço de observar com “olhar caboclo” o vaivém das águas do Madeira, e lanço aqui a previsão de que o enrocamento, solução mágica encontrada “pelasusinas” não vai segurar por muito tempo o desbarrancamento da margem do rio.

Quem viver, verá...
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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