Segunda-feira, 3 de julho de 2017 - 12h36
A Medicina é, por definição, uma ciência voltada para o bem-estar do ser humano.
Considerando os elevados interesses que envolvem o seu exercício, mesmo o consagrado princípio da autonomia profissional, tão prestigiado na deontologia médica, sofre limitações de ordem moral, social e jurídica.
Para o médico exercer seu direito à liberdade profissional, há que necessariamente respeitar certos critérios impostos pela ordem vigente.
No que tange a assistência, por regra, é vedado ao médico abandonar paciente sob seus cuidados, conforme preceitua o art. 36, do Código de Ética Médica (CEM).
No entanto, o parágrafo primeiro do dispositivo supracitado excepciona, que: “ocorrendo fatos que, a seu critério, prejudiquem o bom relacionamento com o paciente ou o pleno desempenho profissional, o médico tem o direito de renunciar ao atendimento, desde que comunique previamente ao paciente ou a seu representante legal, assegurando-se da continuidade dos cuidados e fornecendo todas as informações necessárias ao médico que lhe suceder.”
O que a primeira vista parece uma ferramenta diceológica de proteção do médico (fruto de um corporativismo, diriam os mais açodados), numa análise mais acurada da mencionada exceção, chega-se à conclusão que a mesma tem por objetivo imediato preservar o direito do paciente de ser atendido com segurança e plenitude.
Se houve uma greta na relação médico-paciente - seja por rebeldia deste em não observar as prescrições ou por manifesta insatisfação com o profissional - causando a perda da confiança mútua, parece claro que a continuidade do tratamento pelo mesmo facultativo pode trazer prejuízos ao assistido.
Nessa ordem, os critérios a serem observados pelo médico para renunciar ao tratamento devem ser os que melhor atendam aos interesses do paciente, mesmo que seja este o gerador da dissensão.
Lembremos que o direito do profissional à renúncia só surge quando o paciente der causa à perda da confiança, sendo vedado juízo arbitrário do médico que, por capricho, não queira mais assistir o doente, como, por exemplo, quando este for portador de moléstia crônica ou incurável.
Emergindo o direito e decidindo renunciar a assistência, deve o facultativo comunicar a decisão ao paciente (ou seu representante legal) com antecedência suficiente para que seja providenciado outro profissional, permanecendo a responsabilidade até que o posto seja assumido por outro, que deverá receber todas as informações técnicas necessárias à continuidade do tratamento.
Por decorrência lógica, entendemos que, não havendo outro profissional habilitado para assumir a função - ou por algum outro motivo a renúncia trouxer riscos à integridade do paciente -, é defeso ao médico desistir da assistência, sob pena de responder criminalmente por expor a vida ou a saúde do paciente a perigo direto e iminente ou por omissão de socorro, ilícitos previstos nos artigos 132 e 135 do Código Penal, além das sanções civis e éticas eventualmente reclamadas.
Cândido Ocampo, advogado, membro da Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética (Anadem); candidoofernandes@bol.com.br
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