Quarta-feira, 1 de abril de 2020 - 10h31
Com a decretação da emergência em saúde pública em razão da pandemia do novo Coronavírus, o Conselho Federal de Medicina (CFM), objetivando contribuir para o necessário isolamento social, decidiu reconhecer, em caráter excepcional e temporário, a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina além do que preconiza a Resolução CFM nº 1.643 de 2002, que estabelece normas sobre a matéria.
O Ministério da Saúde, também visando reduzir a propagação do COVID-19, e invocando as atribuições que lhe conferiu a Lei 13.979, de 6/02/2020, publicou a Portaria n. 467, de 20/03/2020, que permite - em regime extraordinário e transitório – o uso da Telemedicina no Brasil como mais uma ferramenta de enfrentamento à pandemia que assola o mundo.
Indo além da tímida e
constrangida decisão do CFM, que passou a “tolerar” apenas a teleorientação, o
telemonitoramento e a teleinterconsulta, o Ministério da Saúde permitiu - tanto
no âmbito do SUS como da saúde suplementar e privada - o atendimento
pré-clínico; consultas; suporte assistencial (acompanhamento da evolução do
paciente); monitoramento clínico e diagnóstico.
Todas as condutas podem ser realizadas diretamente entre médicos e pacientes, sem necessidade de intermediário.
Para que as ações ocorram em ambiente juridicamente seguro, é necessário que o profissional tenha consciência e reconheça se tem ou não as habilidades técnicas e estrutura tecnológica necessárias para realizar procedimentos por essa modalidade, incluindo os mecanismos mínimos que garantam a integridade, segurança e o sigilo das informações, que, segundo a portaria do MS, deverão ser armazenadas em prontuário que conterá os dados clínicos necessários à boa condução do caso, sendo preenchido em cada contato mantido com o paciente, com data e horário, bem como a especificação da tecnologia da informação e comunicação utilizada para o atendimento, além, é claro, do número do CRM do facultativo.
Antes de iniciar o procedimento, é importante que o médico esclareça o paciente sobre as restrições e limitações das condutas (mormente quanto ao diagnóstico) e, em seguida, obtenha do mesmo uma declaração de que concorda com o atendimento e os limites impostos pela distância.
Os médicos poderão emitir atestados ou receitas com assinatura eletrônica, sendo que a validade desta fica condicionada ao uso do certificado e chave emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil).
No caso de medida de
isolamento, caberá ao paciente enviar ao médico o termo de consentimento livre
e esclarecido de que trata o § 4º do art. 3º, da Portaria nº 356/GM/MS de
11/03/2020, e o termo de declaração contendo a relação das pessoas que residem
no mesmo endereço (§ 4º, do art. 3º, da Portaria nº 454/GM/MS, 20/03/2020).
Os procedimentos realizados à distância, por serem atos médicos como outros quaisquer, devem observar os preceitos éticos e jurídicos que norteiam as condutas presenciais, inclusive quanto às notificações compulsórias.
A Telemedicina não é novidade no mundo, sendo praticada a décadas em vários países, principalmente após ser recomendada na "Declaração de Tel Aviv”, sobre responsabilidades e normas éticas na utilização da Telemedicina, adotada pela 51ª Assembléia Geral da Associação Médica Mundial, realizada em Israel, em outubro de 1999.
No Brasil, tentando avançar no assunto, o Conselho Federal de Medicina, em 2018, publicou a Resolução 2.227. A norma trazia uma série de inovações, inclusive a possibilidade de se realizar a teleconsulta sem a necessidade de intermediário.
Diante da vozearia dos conselhos regionais e de outras entidades médicas, o CFM foi obrigado a revogá-la mesmo antes de entrar em vigor, restabelecendo a vigência da vetusta Resolução 1.643, de 2002.
É natural que mudanças que mexem com as estruturas estabelecidas tragam apreensão - e, até repulsa - de grupos sociais, econômicos, profissionais, etc., que são diretamente atingidos, mesmo que seus membros não saibam quais as consequências delas – se positivas ou negativas.
Uma das mais emblemáticas reações a inovações ocorreu no início do Século XIX, na Inglaterra, durante a chamada “Primeira Revolução Industrial”, quando os ludistas (referência à personagem fictícia Ned Ludd), contrários aos avanços tecnológicos em curso que propiciaram a substituição da mão de obra humana por máquinas, passaram a invadir fábricas e destruir os equipamentos sob a alegação de que as novas engenhocas eram usadas "de maneira fraudulenta e enganosa" para infirmar práticas laborais consolidadas pela tradição. (obs: Posteriormente, o ludismo mereceu uma releitura, sendo então entendido como o primeiro movimento operário de reivindicação de melhorias nas relações e condições de trabalho).
A pandemia do novo Coronavírus abriu a janela para que, passada a fase emergencial, a sociedade brasileira volte a discutir a necessidade de implantação, em caráter definitivo, da Telemedicina, que, a toda evidência, se mostra inexoravelmente como ferramenta capaz de melhorar a qualidade, a equidade e a acessibilidade de todos aos serviços de saúde, mormente naquelas situações em que a presença física do médico seja dispensável ou inviável.
Cabe aos
órgãos reguladores avançar na normatização da matéria, dando a segurança
jurídica necessária aos envolvidos (médicos e pacientes), de modo a viabilizar
que os brasileiros se beneficiem das inovações inimagináveis trazidas pela
revolução digital ora vivenciada.
Por outro
lado, aquelas entidades médicas que foram refratárias às mudanças trazidas pela
Resolução CFM
2.227/2018 – incluindo, como referido, os conselhos regionais de medicina - não
têm o direito de agir como neoludistas, de forma tecnofóbicas, já que o próprio Código de
Ética da categoria proclama, dentre seus princípios fundamentais, que a medicina é uma profissão a
serviço da saúde
do ser humano
e da coletividade, competindo ao médico
aprimorar continuamente seus
conhecimentos e usar
o melhor do progresso científico em benefício do
paciente e da sociedade.
Cândido Ocampo, advogado
especialista em Direito Médico e membro da Sociedade
Brasileira de Direito Médico e Bioética. Por 10 anos assessorou o Conselho
Regional de Medicina de Rondônia.
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