Domingo, 29 de abril de 2018 - 20h38
Frei Betto
Durante séculos a humanidade viveu convencida de que o céu era um espaço geográfico acima da Terra. Quando Galileu sugeriu que a Terra não é o centro do Universo, e o sol não passa de simples estrela no conjunto infinito de astros, a Igreja foi a primeira a se sentir abalada. Os teólogos da época preferiram não acreditar na ciência de Galileu. Diante de fatos e dados que ameacem a sua estabilidade, o poder opta por ignorá-los ou negá-los por meio de subterfúgio de falsas interpretações.
Do ponto de vista religioso, o protótipo do poder conservador, apegado às tradições do passado e incapaz de se atualizar, é o fariseu. Pela crítica que Jesus fez a ele, descrita no capítulo 23 do Evangelho de Mateus, sabemos que se apega à letra da lei que, com o seu peso, esmaga o espírito humano.
O fariseu é o burocrata da religião. Nas palavras de Jesus, “amarra pesados fardos e coloca nas costas dos homens”, mas ele próprio “não os quer mover nem com o dedo.” Gosta de ser visto e admirado pelos outros e prega o que não é capaz de praticar. Insiste em viver com impecável rigor, embora transgredindo os pontos mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. “Coa um mosquito e engole um camelo.” Por fora tem boa aparência, mas “por dentro está cheio de podridão, como sepulcro caiado.” É capaz de saber se vai haver chuva ou sol, mas “incapaz de ler os sinais dos tempos (Lucas 12, 56).”
O fariseu não aceita se converter. Apega-se às tradições como se fossem verdades e costumes perenes. Qualquer boa nova soa aos seus ouvidos como suspeita e perigosa. Prefere se fechar em seu casulo que se abrir ao voo livre da história. Encerra-se no apertado cômodo do passado, temeroso de enfrentar as largas avenidas do futuro.
Ora, só é capaz de se atualizar quem cultiva a esperança. Aquele que espera é aberto aos sinais de futuro. Não aceita sedimentar-se no presente e evita se fixar no passado para que não caia sobre ele o castigo da mulher de Ló, transformada em pedra ao olhar para trás.
O fariseu, entretanto, se deixa petrificar no passado. Incapaz de autocrítica e surdo às críticas, se julga dono da verdade. Vestido de prepotências, cavalga em arrogâncias.
É essa resistência conservadora e farisaica que suscita tanta oposição ao papa Francisco, dentro e fora da Igreja Católica. Seus detratores fingem estar convencidos de que Jesus excluiu as mulheres do sacerdócio, instituiu a missa em latim, condenou ao inferno os homossexuais e recomendou aos pobres viver resignados com a sua carência de bens e conformados diante da opulência dos ricos.
De fato, muitos que se opõem ao papa Francisco sabem que a terra lhes treme aos pés. Já não há lugar para uma Igreja triunfalista, apegada ao poder, homofóbica e indiferente aos temas socioambientais e à causa de justiça dos pobres. O deus dos fariseus em nada se assemelha ao Deus de Jesus.
Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
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