Domingo, 23 de junho de 2019 - 11h37
Em conferências na Europa, me perguntaram como se explica eleitores brasileiros preferirem eleger presidente da República um homem notoriamente defensor da tortura, da homofobia, das milícias, do machismo e da ditadura. Como entender que a maioria tenha escolhido um candidato que considera mais importante armar a população do que reduzir a desigualdade social.
Por que os eleitores não preferiram Haddad, Alckmin, Meirelles, Ciro Gomes ou Álvaro Dias?
Minha resposta foi sempre “perguntem à história”. A ela recorro. Como foi possível, após 15 anos de Estado Novo (1930-1945), um regime ditatorial de dura repressão, censura à imprensa e promulgação, em 1937, de uma Constituição fascista, conhecida como “polaca”, Vargas ter sido democraticamente eleito presidente da República nas eleições de 1950?
Como explicar que a nação de Kant, Beethoven, Bach, Goethe e Einstein tenha escolhido um austríaco racista e genocida, Adolf Hitler, para comandá-la? E a Itália de Dante Alighieri, Maquiavel, Da Vinci e Michelangelo, um fascista como Mussolini?
Eleitores nem sempre votam com a razão. Muitos votam com a emoção. Insatisfeitos com o atual estado de coisas, optam pelo extremo oposto na esperança de que, num passe de mágica, tudo venha a melhorar. Muitas vezes, o voto não é propriamente a favor do candidato que amealha a preferência do eleitorado. É contra tudo que ele critica e promete combater, como na eleição de Jânio Quadros a presidente, em 1960. Ao brandir como símbolo de sua campanha a vassoura, prometeu varrer a corrupção e os corruptos do Brasil... Idem Collor, em 1989, ao ostentar o título de “caçador de marajás”.
Há boa dose de irracionalidade naqueles que votam contra isso ou aquilo, movidos pelo ódio e a sede de vingança. Quanto mais demonizam os adversários, mais mitificam o candidato preferido, como se a política prescindisse de instituições democráticas e dependesse apenas da vontade pessoal do eleito. Esses eleitores não votam a favor de um projeto de nação e propostas consistentes, e sim contra aqueles que, na opinião do avatar escolhido, representam o mal.
No Brasil, a redução do tempo de campanha política, as restrições a comícios e propagandas eleitorais fazem com que as candidaturas não favoreçam a educação eleitoral e política. Assim, o clima de revanche tende a suplantar a reflexão cívica, o debate democrático, a avaliação dos candidatos e de suas propostas.
Perguntem à história quem ganha eleições, e ela certamente responderá que não são necessariamente os melhores, mas aqueles capazes de servir de imã às insatisfações e frustrações da população. Em países em crise, e cuja nação carece de consciência histórica, os eleitores não buscam solução, buscam salvação. Já não são um povo, formam uma massa.
“A massa é extraordinariamente influenciável, crédula, acrítica; o improvável não existe para ela. Pensa em imagens que evocam umas às outras associativamente, como no indivíduo em estado de livre devaneio, e que não tem sua coincidência com a realidade medida por instância razoável. Os sentimentos da massa são sempre muito simples e exaltados. Ela não conhece dúvida, nem incerteza. Vai prontamente a extremos; a suspeita exteriorizada se transforma de imediato em certeza indiscutível; um germe de antipatia se torna ódio selvagem.”
“Quem quiser influir sobre ela não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma fala. Como a massa não tem dúvidas quanto ao que é verdadeiro ou falso, e tem consciência da sua enorme força, ela é, ao mesmo tempo, intolerante e crente na autoridade. Respeita a força, e se deixa influenciar apenas moderadamente pela bondade, para ela uma espécie de fraqueza. O que exige de seus heróis é fortaleza, até mesmo violência. Quer ser dominada e oprimida, quer temer os seus senhores. No fundo, inteiramente conservadora, tem profunda aversão a todos os progressos e inovações, e ilimitada reverência pela tradição” (Freud,Psicologia das massas e análise do eu – 1921).
Frei Betto é escritor, autor do romance “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
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