Domingo, 5 de agosto de 2018 - 20h58
Meia centena de católicos de 18 países, inclusive do Brasil, se reuniram, entre 11 e 15 de junho, em Pezinok, povoado vizinho a Bratislava, capital da Eslováquia, para debater o tema “Reformas da Igreja sob o papa Francisco: aonde vamos a partir daqui?”
O encontro, convocado pela Rede Internacional de Reformas Católicas (ICRN, sigla em inglês), ouviu os dramáticos depoimentos de cristãos que, em decorrência de sua fé, suportaram perseguições do regime comunista, oficialmente ateu.
Naquele período, os contatos com Roma eram difíceis e arriscados. E nem sempre a Cúria Romana demonstrou capacidade de compreender o heroísmo daqueles cristãos que ousaram manter a Igreja viva, ainda que clandestina.
Para assegurar vida sacramental aos fiéis, bispos concederam o sacerdócio a mulheres e homens casados, o que provocou, após a queda do Muro de Berlim e a retomada do diálogo com o Vaticano, forte reação dos setores conservadores.
Enquanto o enfoque dos conservadores priorizava a ortodoxia doutrinária, a disciplina eclesiástica e a integridade dos ritos romanos, ou seja, a letra da lei, a Igreja subterrânea sofria para manter viva a fé cristã, a fidelidade à Palavra de Deus, a vida litúrgica e sacramental.
Durante dez anos, entre 1980 e 1990, fui testemunha dessas comunidades de catacumbas em países socialistas do Leste europeu, conforme descrevo em “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista”, (Rocco). Tive contatos, no Leste europeu e na China, com sacerdotes que trabalhavam como operários; bispos que, em confidência, me confessaram fidelidade ao papa; religiosas disfarçadas de simples leigas e impedidas de viver em comunidade.
Em condições também adversas, nós, frades dominicanos encarcerados pela ditadura militar, celebrávamos a eucaristia com pão e suco de uva, já que se proibia a entrada de vinho. Exceto quando o capelão militar, arriscando a própria pele, nos provia da bebida.
O encontro na Eslováquia encerrou com o compromisso de se empenhar por mais igualdade para as mulheres na Igreja; respeito e inclusão das pessoas LGBT; e apoio aos novos modelos de paróquias e comunidades cristãs.
Para se inculturar, como exige o Evangelho, a Igreja jamais pode sacralizar suas estruturas. Situações excepcionais exigem medidas peculiares. É o caso da “Igreja com rosto amazônico”, tema do Sínodo convocado pelo papa Francisco a se reunir na fronteira entre Peru e Brasil, em outubro de 2019.
A necessidade de se criar um clero indígena terá que, inevitavelmente, superar a obrigatoriedade do celibato e ordenar sacerdotes índios casados, conforme previsto no documento vaticano divulgado a 8 de junho, que prevê inclusive conferir às mulheres algum “tipo de ministério oficial”.
A Igreja nasceu rompendo os limites étnicos das religiões, ou seja, católica, sinônimo de globalizada. Hoje, Francisco se empenha em fazê-la cortar as amarras que dificultam sua missão evangélica, como o eurocentrismo, o patriarcalismo, o clericalismo e o moralismo preconceituoso e discriminador.
“Igreja em saída”, como propõe o papa, significa romper o pesado casulo eclesiástico de tradições que cheiram a mofo de nobreza decadente, e se tornar borboleta no voo ousado rumo ao mundo tão desigual do século XXI.
Frei Betto é escritor, autor de “Fidel e a religião” (Companhia das Letras), entre outros livros.
PUBLICADO NO SITE DO JORNAL O GLOBO
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