Quinta-feira, 10 de setembro de 2020 - 12h41
Bagé, 10.09.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte X
“BANDEIRA” de
Francisco de Mello Palheta – II
Após concluir minha jornada pelo Rio
Madeira, solicitei aos meus amigos que me ajudassem a encontrar a “Narração da viagem do descobrimento que fez
o Sargento-mor Francisco de Mello Palheta no Rio Madeira e suas vertentes...”.
A mobilização foi impressionante e em seguida obtive a informação desejada. Vou
reportar apenas as duas primeiras que chegaram, coincidentemente, no mesmo dia
(01.04.2012).
A primeira de um amigo de longa data e
um ícone da Engenharia Militar Brasileira, o General de Brigada Tibério Kimmel
de Macedo, autor da obra “Eles não viveram em vão”, que conta a epopeia do
5° Batalhão de Engenharia de Construção:
Abaixo, vai a
mensagem que mandei para meu amigo Emanuel Pontes Pinto, historiador residente
em Porto Velho. Espero que ele te possa ajudar. Neste texto que mando, abaixo,
há uma referência à obra de Capistrano de Abreu. Quem sabe poderás encontrar,
ainda, um exemplar da dita cuja. [...]
Em, em seguida (04.04.2012), o grande
pioneiro comunicou que:
Acabo de
receber o livro “Caiari” que me mandou o Dr. Emanuel Pontes Pinto. O
Anexo II traz o relato da Expedição do Palheta. [...]
A segunda foi a do Professor Doutor
Dante Fonseca, da Universidade Federal de Rondônia, historiador e escritor
renomado a quem tive a honra e o privilégio de conhecer e entrevistar em sua
residência em Porto Velho, RO, antes de meu périplo pelo Madeira:
ABREU, J.
Capistrano. Caminhos Antigos e Povoa-mento do Brasil. Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia; São Paulo: Edusp, 1989. Você encontrará o anexo “A Bandeira de
Francisco de Mello Palheta ao Madeira”.
Graças ao empenho dos caros amigos
compilei a Narração da Viagem de Palheta e publiquei na imprensa o artigo – “Bandeira”
de Francisco de Mello Palheta. Alguns amigos pesquisadores, mais afeitos aos “detalhes”,
não gostaram do título afirmando que não havia sido uma “Bandeira” e sim
uma “Entrada”. Informei, então, que baseara o título do artigo na minha
fonte “prima”, o Anexo ao livro do grande historiador João Capistrano
Honório de Abreu, que o denominara “A Bandeira de Francisco de Mello Palheta
ao Madeira e o Documento da Narração da Viagem”.
Embora geralmente se defina como “Entradas”
as expedições oficiais, organizadas pelo governo da autoridade colonial e como
“Bandeiras” as que tinham motivação particular, organizadas pelos
colonos, sabe-se que algumas das supostas “Bandeiras” recebiam subsídios
das autoridades coloniais com o objetivo de não acirrar os ânimos castelhanos,
deixando, portanto esta definição bastante permeável. A maior parte dos mais
ilustres historiadores portugueses não se preocupam com este tipo de distinção
generalizando as incursões pelos sertões brasileiros somente como “Bandeiras”.
Contexto
Histórico
Em 1714, o Governador da Capitania do
Maranhão, João de Maia da Gama, foi informado pelo Padre Bartolomeu Rodrigues,
da Missão de Tupinam-barana, da existência de índios predadores e de europeus
no Alto Madeira, embora não tivesse condições de confirmar se estes eram
espanhóis ou portugueses, além disso, D. João V, Rei de Portugal, já
manifestara o desejo de tomar posse de todo o Vale do Rio Madeira. Em 1715, os
Torá e Mura declararam guerra aos colonos luso-brasileiros expulsando-os do
Baixo Madeira. O Governador do Grão-Pará determinou ao Capitão João de Barro
Guerra que os expulsasse da Foz do Rio Madeira. O Capitão João de Barro
perseguiu os Torá, Rio Madeira acima fazendo-os recuar até a altura de
Manicoré.
No período de 1718 a 1722, os Mura
foram atacados pelas tropas de resgate comandadas pelo Capitão Diogo Pinto Gaia
que conseguiu aprisionar mais de quarenta guerreiros conduzindo-os para Santa
Maria de Belém do Grão-Pará (Belém). O Governador João de Maia decidiu, então,
organizar uma Bandeira ao Rio Madeira, que deveria percorrê-lo, desde a Foz até
a nascente, confiando o Comando da Missão ao Sargento-mor Francisco de Mello
Palheta.
A Bandeira era formada por 30 Soldados
e 98 índios flecheiros embarcados em 7 canoas, e devia rea¬lizar o levantamento
da fisiografia do Vale do Madeira, descobrir suas nascentes, contatar
pacificamente os nativos e levantar as atividades econômicas e políticas dos
colonos e religiosos lusos e espanhóis.
Em 1722, setenta e dois anos depois de
Raposo Tavares, Mello Palheta sobe o Rio Madeira, enfrentando suas Cachoeiras,
uma odisseia que foi relatada por um dos membros de sua Expedição, que permanece
anônimo, e publicada, pela primeira vez, nos números 19 e 20, ano I, de
11.10.1884 e 24.11.1884, da Gazeta Literária, Rio de Janeiro, sob o título:
Gazeta Litterária, nos 19 e 20
Rio de Janeiro, RJ – 11.10.1884
e 24.11.1884
Narração da viagem
do descobrimento que fez o Sargento-mor Francisco de Mello Palheta no Rio
Madeira e suas vertentes, por ordem do Senhor João da Maia Gama, do Conselho de
Sua Majestade, que Deus guarde seu Governador e Capitão-General do Estado do
Maranhão, desde 11 de novembro de 1722
até 12 de
setembro de 1723.
Em 11.11.1722, a Bandeira partiu de Santa Maria de Belém do Grão-Pará,
chegando à Foz do Rio Madeira, no dia 02.02.1723, navegando Rio acima até o dia
19, aportando em Jumas onde iniciaram a constru¬ção de um Arraial onde
edificaram uma Igreja dedicada a Santa Cruz do Irumá, quartel, armazém, casas e
seis canoas menores capazes de realizar a travessia das Cachoeiras.
Partiu a
tropa da Cidade de Belém, Praça do Grão Pará, a 11 de novembro, em que veio o
próprio General despedir-se do Sargento-mor e Cabo [Palheta], acompanhado da
nobreza da terra; e já despedidos demos uma salva geral, e emproando as proas
ao Norte que seguíamos Leste-Oeste, nos fomos despedir de Nossa Senhora do
Monte Carmo, a quem nos encomendamos e a tomamos por estrela e nossa advogada,
para com seu patrocínio vencermos este impossível e um descobrimento de todos
tão desejado. A continuar nossa derrota se seguia a galera “Santa Eufrozina”
e “São Ignácio”, em que vai o Cabo, que esta é nossa capitânia;
seguia-lhe a galeota do Padre Capelão com a invocação de “Santa Rita e Almas”,
e a esta, a canoa “São José e Almas”, que serve de armazém em que vai o
maior computo de Soldados; a esta se seguia a galeota “Menino Deus”, em
que vai o Sargento com mais a infantaria, e por último a galeota “Santa Rosa”,
em que vai o Capitão de infantaria da mesma tropa servindo de Almirante.
Fomos
buscando o Rio Moju, e seguindo por ele a nossa jornada até o estreito do
Igarapé-mirim, que desemboca no Rio dos Tocantins, onde está fundada a Vila de
Cametá, em dois graus ao Sul; nessa dita Vila estivemos três dias, à espera da
infantaria volante que dela nos acompanhou e levamos de guarnição; e daqui
demos ordem a partir buscando o rumo que havemos de seguir pelo grande Rio das
Amazonas, o qual é um dos maiores que no mundo se tem descoberto, que corre de
Leste a Oeste; e o seguimos até embocarmos pelo famoso Rio da Madeira [ou Rio
Venes, como é chamado Beni pelos espanhóis das Índias de Espanha no Reino do
Peru], que nele agora descobrimos, e corre este de Sul a Norte, pelo qual
fizemos entrada, a 2 de fevereiro de 1723, e gastamos dias de boa marcha 17 até
aonde nos aposentamos ([1])
a fazer Arraial em uma tapera do gentio Iumas, sítio admirável em tudo, assim
para a nossa segurança, como em o necessário no qual o Cabo se lhe pusesse por
invocação Santa Cruz de Iriumar, onde fizemos Igreja, armazém, Corpo da Guarda
e casas necessárias; aqui mandou o Cabo repartir a infantaria em duas
esquadras, donde atualmente havia uma sentinela que guardava munições e fazenda
real e de noite uma ronda para rondar a sentinela, canoas e todo o Arraial.
Depois de
tudo acima disposto, ordenou o Cabo se fizesse seis galeotas para se poder
nelas passar as Cachoeiras; o que fez pela informação que teve se não podia
fazer entrada com as grandes com que nos achávamos pela terribilidade das
pedras.
Feitas as
ditas galeotas, as preparamos de todo o neces-sário e de quantidade de cabos
para as puxarmos pelas Cachoeiras; neste tempo se esperava já pelo socorro da
Cidade ([2]),
o qual chegou a 4 de junho, e havia muito tempo que os miseráveis Soldados,
índios e inda o Cabo, depois das frutas do mato acabadas, comia unicamente
carne de lagartos, camaleões e capivaras, por não haver outro mantimento, pois
não tínhamos outra coisa a que tomássemos. (ABREU)
Permaneceram em Jumas aguardando os
mantimentos solicitados a Belém do Pará, que chegaram, em 04.06.1723,
juntamente com o Padre João de Sampaio. No dia 10 de junho, Palheta nomeou Lourenço
de Mello Governador do Arraial de Jumas, distribuiu os 118 expedicionários em
dez canoas e iniciou a subida do Rio Madeira.
Com o dito
socorro também veio Reverendo Padre Mestre João de Sampaio em sua galeota, e
tanto que o Cabo se viu socorrido de nosso Excelentíssimo General, tratou logo
de se pôr a caminho, o que o fez a 10 de junho do dito mês de junho com 10
canoas pequenas, que são as seis que se fizeram e quatro que tínhamos.
Antes de
embarcar, encarregou a Lourenço de Mello o Governo do Arraial encaminhando-lhe
muita paz, união e conservação da gente que lhe deixava, assim Soldados como
índios, deixando-lhe as disposições por escrito firmado do seu nome. (ABREU)
No dia 13 de junho, festa de Santo
Antônio, foi celebrada a Missa pelo Capelão da frota na Ilha Nova próximo ao
igarapé Carapanatuba.
Fomos
seguindo nossa viagem por aquele temerário e horrível Rio e o Padre Mestre João
de Sampaio nos acompanhou um dia de viagem, donde se despediu de nós tornando
para sua Missão, e nós fomos seguindo nossa derrota até a Ilha Nova da Praia de
Santo Antônio, onde tivemos Missa no dia do dito Santo, razão por que assim o
invocamos.
Aqui mandou o Cabo tirar a soma da gente com que se submetia ao
seguimento daquele Rio e de suas vertentes e achamos por conta 118 pessoas, 30
armas de fogo e 88 índios de flechar, e com este número de gente prosseguimos
viagem. (ABREU) (Continua...)
Bibliografia
ABREU, J. Capistrano. Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil –
Brasil – São Paulo, SP –Ed. Itatiaia – Edusp, 1989.
KELLER, Franz. The Amazon and Madeira Rivers – EUA –
Philadelphia – J. B. Lippincott and C°., 1875.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVIII
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Bagé, 24.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.272, Rio, RJ Sábado e Domingo, 08 e 09.02.1964 Jango Atinge sua Maior M
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Bagé, 22.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.268, Rio, RJ Terça-feira, 04.02.1964 Em Primeira Mão(Hélio Fernandes)