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Hiram Reis e Silva

Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVIII


Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVIII - Gente de Opinião

Bagé, 29.01.2025

 

Continuando engarupado na memória:

 

 

Tribuna da Imprensa n° 4.281, Rio, RJ

Quinta-feira, 21.02.1964

 

Em Primeira Mão

(Hélio Fernandes)

 

 

Estarrecedor, mas rigorosamente verdadeiro: foi o próprio senhor João Goulart, presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, País que, ao menos do ponto de vista constitucional, é democrático, quem pediu ao senhor Luís Carlos Prestes, secretário-geral do Partido Comunista do Brasil, que levasse ao premier Nikita Khrushchev o plano de frente ampla, elaborado pelo sr. San Tiago Dantas para fortalecer politicamente o governo e preparar o terreno para o golpe político-militar.

 

Prestes trouxe a ordem de Khrushchev aos comunistas e esquerdistas brasileiros: todo apoio a Goulart. Todo apoio ao plano San Tiago, minuciosamente explicado por Prestes ao seu chefe soviético. E mais: Khrushchev concorda com o golpe de Jango Goulart, mas resiste à ideia de comunização imediata do Brasil, por questões puramente do interesse soviético, pois à Rússia não interessa no momento um choque aberto com os Estados Unidos, o que fatalmente aconteceria.

 

A posição de Khrushchev contra a comunização imediata do Brasil já fora transmitida ao senhor João Goulart e, em conversa reservada, a líderes políticos pelo embaixador da Rússia no Brasil, sr. Andrei Fomin. Dois são os motivos que levaram os dirigentes russos a tomar posição contraria à revolução comunista no Brasil. Primeiro: o Brasil é área de influência norte-americana, rigorosamente de acordo com a estratégia mundial da guerra fria e por acordo tático celebrado entre as duas maiores potências mundiais, URSS e EUA, quando da crise de Cuba. Segundo: a Rússia não tem dinheiro para sustentar um regime comunista no Brasil. A experiência de Cuba, que política e ideologicamente foi um sucesso para a Rússia, do ponto de vista financeiro é um fracasso total. A Rússia não sabe mais o que fazer ou onde empilhar açúcar cubano. E teme que aconteça o mesmo com o café do Brasil.

 

O embaixador Andrei Fomin revelou o segredo a altas autoridades brasileiras e a eminentes figuras das classes conservadoras, e agora o premier Khrushchev confirma a posição russa em relação à política brasileira. Disse Fomin que a Rússia está gastando mais de um milhão de dólares por dia para sustentar o regime comunista em Cuba. “Quanto teríamos de gastar num País das proporções do Brasil?”. Perguntou o embaixador Fomin. E ele mesmo respondeu que a cifra seria astronômica, inacreditável, muito longe dos recursos financeiros da Rússia.

 

E mais a Rússia atravessa uma séria crise econômico-financeira, às voltas com o fracasso do sistema coletivista da Agricultura, escassez de alimentos etc. Teve até mesmo de desfazer-se de parte de suas reservas de ouro a fim de adquirir gêneros alimentícios no exterior, sujeitando-se ao desgaste de comprar trigo nos Estados Unidos. O próprio projeto de construção da usina de Sete Quedas, que os comunistas e os meninos da UNE instalados na Eletrobrás gostariam que fosse financiado pela Rússia, já foi abandonado. Os técnicos soviéticos vieram ao Brasil, a convite do Governo, visitaram Sete Quedas, e comunicaram que seu País poderá dar assistência técnica na construção da usina, mas dinheiro nunca. E o próprio Fomin evita cuidadosamente tocar no assunto.

 

O sr. Luís Carlos Prestes voltou, assim, da Rússia, com a nova palavra de ordem de Khrushchev que desfaz os sonhos de muitos esquerdistas brasileiros: a Rússia não tem condições de financiar o Brasil, nem a revolução brasileira, e muito menos poderá ajudar economicamente o Brasil. Não apoia, portanto, a revolução que o sr. Brizola vive pregando com a assistência dos pelegos sindicais, da UNE e de meia dúzia de deputados da Frente Parlamentar Nacionalista.

 

Khrushchev não quis tomar posição nas eleições presidenciais brasileiras. Durante a longa conversa em Moscou, Prestes tentou encaminhar a solução Kubitschek, pois assumira compromisso com o candidato pessedista para apoiá-lo nas eleições de 1965 em troca de duzentos mil dólares de ajuda ao PCB [50 mil já recebidos na casa de Letelba Rodrigues].

 

E, porém, vetou o negócio celebrado por Prestes e JK, afirmando que os comunistas brasileiros devem prestigiar os planos políticos de Goulart, e até mesmo a solução golpista, desde que ela se faça sem tese ideológica ostensiva. Pediu moderação na ação política dos comunistas, a fim de que o País não se encaminhe para uma faixa revolucionária, quando então os Estados Unidos teriam que intervir para evitar a comunização do Brasil.

 

E disse mais: evitem a revolução agora, pois a Rússia não está em condições de sustentá-la, nem política nem economicamente. Acrescentou ainda: se os Estados Unidos intervierem no processo político brasileiro, para conter uma revolta popular de esquerda, a Rússia nada poderá fazer para ajudar os comunistas brasileiros, pois uma intervenção soviética provocaria inevitavelmente a Guerra Mundial que as duas potências evitam. Acrescentou:

 

Não estamos preparados nem interessados, no momento, numa guerra que só interessaria a Mao-Tse-Tung e aos comunistas chineses.

 

Saldo positivo da visita de Prestes a Moscou, rigorosamente de acordo com informações colhidas junto às fontes prestistas: Khrushchev confirmou a liderança do sr. Luís Carlos Prestes no movimento comunista brasileiro e o apoio ao plano San Tiago. Khrushchev considera útil para o PCB o apoio aos planos táticos de Jango e determinou a Prestes que tire todo o proveito possível do atual governo e de suas manobras políticas. Ao chegar ao Brasil, Prestes comunicou-se telefonicamente com Jango, dando conta do recado, e marcaram um encontro para o próximo fim de semana, no Rio ou em Brasília, quando o líder comunista transmitirá pessoalmente ao presidente da República a linha de comportamento que o chefe russo traçou para as esquerdas brasileiras até às eleições presidenciais. A declaração de Prestes, “Khrushchev apoia a volta do PC à legalidade”, foi apoiada previamente pelo sr. João Goulart.

 

Segundo notícias publicadas até em órgãos da imprensa que rezam pela cartilha do governo, dirigentes do CGT estiveram longamente com o sr. João Goulart debatendo o problema militar no que se refere ao comando da Paraíba. Alegam os “nacionalistas” e dirigentes do CGT que naquele Estado o comando militar deve ser exercido por um oficial “compreensivo”, já que ali se reúne o grosso das Ligas Camponesas e onde as agitações se tornaram rotina.

 

Aproveitando a boa vontade do sr. João Goulart, os dirigentes do CGT propuseram o nome do general Alfredo Pinheiro [o tristemente famoso autor do atentado ao governador Carlos Lacerda] para aquele comando, recusando intransigentemente um outro nome apresentado pelo próprio Jango.

 

Antes, o CGT se especializava em greves, confusões, ameaças etc., somente no âmbito civil. Agora, estimulado pelas vitórias e, naturalmente, contando com o “apoio de cima” tenta incursionar na área militar. Vejamos o que dirá de tudo isto o general Jair Dantas Ribeiro, pois que a maioria democrática das Forças Armadas infelizmente já chegou a uma conclusão: Estamos mesmo em plena vigência da República Sindicalista, aliás, preconizada e desejada, há muitos anos, pelo atual ocupante do Palácio do Planalto.

 

O que se comenta: depois da violenta e documentada acusação feita pelo senhor Leonel Brizola, numa reportagem muito bem escrita por Paulo Shilling, os srs. Jango Goulart e Francisco Clementino San Tiago Dantas perderam o restinho de conceito e de dignidade. A negociata do trigo é escandalosa demais para que possa passar despercebida. Com uma agravante: a acusação não foi feita por nenhum adversário ou inimigo, nem por ninguém da oposição. Foi o próprio cunhado do presidente que veio a público denunciar o que já se sabia. Mas que descreveu com assombroso luxo de detalhes.

 

Na questão das demissões dos policiais da Invernada de Olaria, o secretário de Segurança Gustavo Borges ficou em posição excepcional, e a salvo da menor censura. Por várias razões:

 

    Porque na época dos espancamentos que provocaram as demissões ele não era secretário de Segurança;

 

    Condenou e continua condenando espancamentos de qualquer espécie. Mas teve coragem de defender junto ao governador uma medida punitiva que não fosse a demissão dos policiais. Achava a demissão violenta demais;

 

    Só concordou quando o sr. Carlos Lacerda alegou “que o seu problema de consciência se sobrepunha a qualquer outro”. Aí não pôde mais resistir, principalmente porque, sendo amigo do governador de longa data, conhece os horrores que ele presenciou na polícia, durante a ditadura.


(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;

 

Link: https://youtu.be/9JgW6ADHjis?feature=shared

 

Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989);

Ex-Vice-Presidente da Federação de Canoagem de Mato Grosso do Sul;

Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);

Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);

Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);

Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS);

Ex-Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);

Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);

Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);

Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO);

Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);

Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS);

Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG);

Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN);

Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (IHGTAP)

E-mail: hiramrsilva@gmail.com

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