Terça-feira, 22 de setembro de 2020 - 06h02
Bagé, 22.09.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XVIII
Viagem da “Real
Escolta” – V
A
10.10.1749, de madrugada, atravessando a parte direita, se navegou no rumo do
Sul, e logo no Sudoeste com bastante correnteza, e depois de três horas de
caminho se avistou, da parte esquerda, uma barreira vermelha, a que no idioma
geral dos índios se chama Guarapiranga, e dilatando-se por ¼ de légua, com seu
arvoredo de mata virgem, desemboca no fim desta ribanceira o Riacho Matapi não
mui caudaloso, que tem defronte da Boca uma Ilha ([1])
com sua Praia em uma e outra ponta, que correm ao Essudoeste.
Passada
esta Ilha, se encontra, na margem direita barreira vermelha semelhante à da
parte esquerda, mas de menor extensão no cumprimento. Continuou-se viagem até
as seis horas da tarde, e portaram as canoas em uma ponta da ribanceira da
parte esquerda, e em nove horas de caminho se andara três léguas e meia, a
maior parte no rumo de Sudoeste.
No
dia 11.10.1749, ao romper da manhã, se continuou viagem no turno do Sul e
Susueste costeando a parte esquerda, na qual logo se encontrou com uma
ribanceira de pedras, defronte da qual se prolongava uma Ilheta ao comprimento
do Rio, por entre a qual e a margem direita se fez viagem, para salvar a
correnteza que havia nas pedras da parte esquerda; nesta se seguia a dita
ribanceira uma dilatada enseada de terra baixa no meio da qual deságua um
grande Lago chamado Manicoré, e a última ponta da dita enseada rematava com uma
feitoria de cacau. Defronte desta, principiava uma grande Praia ou coroa de
areia que, se levantando pelo meio do Rio ao seu comprimento, o divide em dois
canais: da parte direita deságuam dois Lagos pequenos, e toda a sua ribanceira
é de terra caída que, depois de costeado ao largo, se chegou às sete horas da
noite defronte da Boca do Rio Manicoré ([2]),
que deságua na margem esquerda quase fronteiro à ponta de uma Ilha, em cuja
Praia portaram as canoas.
Este
Rio Manicoré é medianamente caudaloso, a sua direção é para Sueste, e se acha
habitado de gentio bravo.
Neste
dia, com dez horas de caminho, se andara cinco léguas por se ajudar da vela
toda a tarde com uma trovoada à popa. Rumo principal: Sudoeste.
A
12.10.1749, se prosseguiu viagem costeando a parte esquerda, canal que fazia o
Rio entre a ribanceira e a Ilha mencionada, cuja Praia, da parte do Sul, se
dilata por espaço de mais de uma légua nos rumos de Sul até Sueste por toda a
enseada, no fim da qual, a buscar o rumo de Sudoeste ao principiar outra
enseada, se encontraram três Ilhas, e por entre os seus canais, em que havia
menor correnteza, se fez caminho até às quatro horas, ficaram pela popa, e
seguindo no rumo do Sul a findar a enseada, portaram as canoas em uma Praia,
que da ponta da enseada da parte esquerda se dilatava até meio do Rio. Neste
dia, em nove horas de caminho, se andara quatro léguas; seu rumo principal:
Sudoeste.
Dia
13.10.1749. Neste dia se não andou mais que uma enseada toda desde o rumo do
Sul para Leste até chegar ao Norte; toda a enseada era de terríveis
correntezas. À parte direita, caminhando já a rumo de Leste, principiou uma
ribanceira de terra vermelha, em que havia uma ponta de pedras, onde corria a
água com grande fúria.
Dilata-se
a ribanceira por espaço de três quartos de légua ao comprimento do Rio:
achou-se ser a sua mata de castanhal e cacau. Remata em um Lago chamado pelos
índios Capanã ([3]). É este pedaço de
continente o mais capaz de fundação de Aldeia que até aqui se havia encontrado
porque, além da terra ser capaz de lavoura, é o Rio ([4])
nesta enseada abundante de peixe e muita caça volátil e quadrúpede. A
ribanceira da parte esquerda quase toda é de terra cabida, e estava a madeira
amontoada pela margem em suma quantidade. Portaram as canoas às 6 horas da
tarde, em uma Praia que sai da última ponta da enseada da parte direita até
quase ao meio do Rio.
No
dia 14.10.1749, se principiou viagem às 6 horas da manhã, costeando a parte
direita por um canal entre a ribanceira e uma Ilha ([5])
nos rumos de Sueste, Sul, Sudoeste, até chegar a Oeste e, a meia légua de
enseada, se viu a Boca de um igarapé que, cortando ao centro, deságua no Lago,
de que se fez menção no dia antecedente, chamado Capanã; e continuando no rumo
de Oeste, pelas quatro horas da tarde ajudou uma trovoada o remo, e portaram às
6 horas as canoas em uma Ilha nova e, em dez horas de caminho, se andara quatro
léguas. Seguia-se a esta Ilhota em que se portou, outra ([6])
de bastante extensão, e por entre a Boca que uma e outra faz, se avista a
ribanceira da parte esquerda, em cujo lugar teve Arraial o Capitão João de
Barros da Guerra quando, no ano de 1719, foi mandado por Cabo de uma tropa a
destruir os gentios chamados Torazes [Toras], os quais habitavam estes
Distritos, e eram de tanta ousadia que, navegando Rio abaixo, saíam ao Amazonas
e roubavam as canoas que do Pará subiam ao cacau dos Solimões, e matavam a
gente. A guerra que lhes fez o dito Capitão os deixou extintos.
Dia
15.10.1749. Pelas 6 horas da manhã, se prosseguiu viagem no rumo de Oeste por
um canal entre a Terra da parte direita e uma Ilha, que se prolongava ao
comprimento do Rio, e quase na ponta dela deságua, pela margem esquerda, um Rio
chamado Araxiá ([7]), que mostrava na sua
direção vir do rumo de Leste. Continuando a derrota do mesmo canal, a quatro
horas de caminho, se encontrou com terra mais elevada e vermelha, passada a
qual se viu desaguar um Lago chamado Macoapi ([8]),
em que há uma cobra de extraordinária grandeza, a que os índios, pelo seu idioma
geral, chamam – Boiaçu – que quer dizer, no nosso vulgar, Cobra Grande. Contam
os mesmos índios deste gênero de animais coisas que parecem incríveis, razão
por que se remete esta notícia à curiosidade. Passada a Boca ([9])
do referido Lago em distância de três horas de caminho, da mesma parte direita
ficando já a referida Ilha pela popa, se observou sair uma fumaça da margem
junto à água e, chegando ao lugar donde havia sinal de fogo, da canoa da
vanguarda ainda foram vistos uns poucos gentios que o faziam, os quais, apenas
se deixaram ver, logo se esconderam, emboscando-se pela espessura do arvoredo.
Continuou-se a derrota, sem fazer caso da novidade, e daí a uma hora de caminho
portaram as canoas na ponta de uma dilatada Praia, que oferecia uma Ilha ([10])
encostada à margem esquerda. Neste dia, em oito horas de caminho, se andara
três léguas.
Dia
16.10.1749. Fazendo viagem pelo canal que havia entre a terra da parte direita
e a Ilha mencionada, se continuou ainda o rumo de Oeste por espaço de duas
horas de caminho, em que finalizava a ponta de uma enseada, em meio da qual [já
depois de passada a Ilha] saía uma ponta de pedras, aonde o Rio cheio costuma
haver mui grande correnteza.
Ao
entrar na enseada que se seguia, andou a agulha para OSO, e passado pouco
espaço chegou ao rumo geral, SO, e neste se perseguiu caminho costeando à
direita, cuja ribanceira é de terra alta e vermelha, que terá meia légua de
distância no seu comprimento abeirando o Rio, porém no centro se dilata esta
terra firme, na qual fez seu alojamento o Capitão Francisco de Mello Palheta
quando, no ano de 1723, foi despachado pelo Governo do Pará a explorar este Rio
da Madeira e, neste lugar, se fabricaram as canoas ligeiras, em que se
prosseguiu derrota, que foi até chegar a Santa Cruz de Los Cajubabas, ou por
outro nome, a Exaltação, Aldeia situada na margem direita do Rio Mamoré, pelo
qual entramos, deixando o Madeira à esquerda em que deságua o Mamoré.
Passada
a referida terra firme, em cujo lugar se fez pausa a jantar, se prosseguiu viagem
abeirando a ribanceira que se seguia de terra solta, que continuamente estava
caindo e com ela algumas árvores: e com o susto que causava este perigo que se
não podia evitar em razão de ser a outra margem sem fundo capaz de se navegar,
se saiu deste trabalho às 6 horas da tarde, em que o Rio nos ofereceu uma Ilha
([11])
com sua Praia, em que portaram as canoas sem os viajantes terem mais cuidado
que o ordinário de fazerem sentinela ao gentio. Neste dia, por causa de ser já
maior a correnteza do Rio se andara três léguas em nove horas de caminho.
No
dia 17.10.1749, se principiou viagem de madrugada, costeando a margem direita
no rumo do Sul por entre a Ilha, que corre na direção do Rio e, depois de
passada em breve espaço, daí a meia hora de caminho, se principiou a passar
outra Ilha ([12]) já no rumo de Sudoeste,
que chegada à margem esquerda se dilata com as mesmas enseadas do Rio por
espaço de cinco horas de caminho. No canal menor que faz o Rio entre esta Ilha
e a terra da parte Oriental, deságua um Rio chamado Vrupuni, cuja direção não
foi possível averiguar, porque o canal, cheio de baixos e correnteza não
permitia passagem a canoa grande. Neste Rio, habita gentio Mura, e das
queimadas que eles faziam neste Distrito se manifestava de noite o clarão dos
Fogos, como se observou na deste dia e na do seguinte. Passada a referida Ilha,
se segue outra a uma hora de caminho de muito maior extensão, também encostada
à parte esquerda, cuja extensão é conforme as enseadas que faz o Rio, sendo o
seu rumo principal a Sudoeste.
Quase
na ponta desta Ilha ([13])
portaram as canoas com dez horas de caminho, em que se andara, no referido
rumo, 4 léguas, por ser já por essa altura mui frequente a correnteza, e quase
insuperável a canoas grandes. (G. FONSECA, 1826) (Continua...)
Bibliografia
G. FONSECA, J.. Notícias para a História e
Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das
Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações
Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume
4, n° 1, 1826.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Ilha: 05°39’28,2” S / 61°15’22,3” O.
[2] Rio Manicoré: 05°51’25,9” S / 61°19’36,7” O.
[3] Capanã: 05°59’54,2” S / 61°45’22,2” O.
[4] Rio: 05°54’59,7” S / 61°42’26,6” O.
[5] Ilha: Ilha das Onças.
[6] Outra: Ilha Marmelos – 06°07’02,9” S / 61°47’30,8” O.
[7] Rio Araxiá: Foz do Rio Marmelos – 06°08’36,2” S / 61°47’2,3” O.
[8] Macoapi: Lago Ipixuna – 06°20’09,4” S / 62°01’00,2” O.
[9] Boca: 06°16’16,4” S / 61°52’16,7” O.
[10] Ilha: Ilha do Bom Intento – 06°15’13,3” S / 62°02’20,1” O.
[11] Ilha: Boca do Cará ou Acará ‒ 06°14’52,5” S / 62°14’52,9” O.
[12] Ilha: 06°22’05,2” S / 62°14’47,9” O.
[13] Ilha: 06°28’55,5” S / 62°17’42,3” O.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H