Quinta-feira, 17 de setembro de 2020 - 08h37
Bagé, 17.09.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XV
Viagem da “Real
Escolta” – II
Tratado de
Madri
Artigo VII
[...] os Comissários, que se hão
de despachar para o regulamento dos confins nesta parte na face do país,
acharem entre os Rios Jauru e Guaporé outros Rios, ou balizas naturais, por
onde mais comodamente, e com maior certeza se possa assinalar a raia naquela
paragem, salvando sempre a navegação do Jauru, que deve ser privativa dos
portugueses, e o caminho que eles costumam fazer do Cuiabá para o Mato Grosso; os dois altos contraentes consentem, e aprovam, que assim se estabeleça, sem atender a alguma porção mais ou menos no
terreno, que possa ficar a uma ou a outra
parte. [...]
Sebastião José de Carvalho e Melo, o
Marquês de Pombal, enviou, no dia 10.05.1753, uma Carta a seu irmão Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, Governador do Grão-Pará e Maranhão, onde se mostra
bastante preocupado sobre a implementação do Tratado:
Observando-se, porém, a outra
Grande Carta que se fez na viagem de José Gonçalves da Fonseca, se manifesta
por ela que, se o Rio dos Porrudos, o Rio Paraguai, o Rio Jauru e Lagoa dos
Xaraes correm e jazem nos lugares e na figura em que os descreveram, daqui
podem surgir grandes dificuldades. [...]
Para melhor informação vossa e
maior clareza de tudo o que deixo referido, ajuntarei a esta Carta o Mapa que
se delineou na viagem de José Gonçalves da Fonseca, o qual contém a navegação
que ele fez, desde essa Capital até o Mato Grosso. Também vão juntas as quatro
relações que o sobredito escreveu, explicando os sucessos da mesma navegação, e
a Carta em que a recopilou o Governador Francisco Pedro de Mendonça Gorjão. (A.
FONSECA)
A Carta Hidrográfica produzida por
José Gonçalves da Fonseca descrevia as nascentes de diversos Rios da América
Meridional Portuguesa e em especial a do Rio Madeira. Mendonça Furtado e as
autoridades portuguesas, em geral, contestavam a validade de alguns elementos
que figuravam no Mapa de Fonseca, pois isto significaria colocar em cheque a
legitimidade da posse portuguesa dos territórios das minas do Mato Grosso e de
Cuiabá, mesmo tendo ciência de que nenhuma Expedição portuguesa se embrenhara
com tanto afinco por aqueles rincões e que o Mapa de Gonçalves da Fonseca era,
sem dúvida, o mais preciso traçado até então. Mendonça Furtado afirmava:
Como o ouvi discorrer com este
fundamento, me dei por instruído das notícias do tal José Gonçalves, que não é
destituído de préstimos, mas era preciso que tivesse o coração mais puro do que
na verdade tem. (REIS, 1948)
Uma das principais consequências da
viagem de José Gonçalves da Fonseca foi a abertura da rota do Rio Madeira à
navegação, em 23.10.1752 que, em seguida, adquiriu importância comercial
relevante além de assegurar a defesa da fronteira do Extremo-Oeste brasileiro.
A Viagem acirrou, também, o debate em
torno do problema das demarcações de limites evidenciadas pelas disparidades
encontradas entre o Mapa das Cortes e a Carta Hidrográfica de José Gonçalves da
Fonseca.
Viagem da “Real Escolta”
Vamos reproduzir, na íntegra, apenas a
segunda parte da Viagem tendo em vista que essa trata da navegação do Rio
Madeira e da travessia de suas 19 Cachoeiras (escrita por José Gonçalves da
Fonseca no ano de sua realização – 1749).
Artigo
Extraído das Atas da Academia Real das Ciências da Sessão de 6 de junho de
1826.
Determina a
Academia Real das Ciências, que a Navegação feita da Cidade do Grão Pará até à
Boca do Rio da Madeira, se imprima à sua custa, e debaixo do seu privilégio.
Secretaria da
Academia em 1 de julho de 1826.
Navegação
feita da Cidade do Grão Pará até a Boca do Rio da Madeira pela Escolta que por
este Rio subiu às Minas do Mato Grosso, por ordem mui recomendada de Sua
Majestade Fidelíssima, no ano de 1749, escrita por José Gonçalves da Fonseca no
mesmo Ano. Saíram as canoas de S. Majestade em 14 de julho do Porto da Cidade
do Grão Pará com o desígnio de fazer viagem pelo Rio das Amazonas, e deste
entrar no Madeira seu confluente pela margem do Sul, e buscar por ele os
Arraiais do Mato Grosso na forma das ordens de El-Rei Nosso Senhor. [...]
Navegação do
Rio da Madeira
principiada em 25 de setembro de 1749.
Antes
de se entrar pelo Rio da Madeira se fez alto pela madrugada do dia 25.09.1749,
em uma Praia mui dilatada, que procede de uma Ilha das muitas que há no Rio das
Amazonas fronteiras à Boca do dito Madeira. Com a luz da manhã, se deixou
perceber todo o horizonte, que se terminava pela parte de Oeste e Leste com as
imensas águas do Amazonas, e pela do Sudoeste com as do Madeira na Barra que
faz no mesmo Amazonas, que terá de Boca oitocentas braças ([1]),
desaguando entre duas pontas de terra baixa, em que há arvoredo ordinário sem
diferença do das Amazonas. Entrou-se a atravessar da referida Praia a buscar o
Madeira pelas sete horas da manhã, e com uma hora de caminho no rumo de
Sudoeste a remo, se entrou na sua Barra, sem nela se perceber correnteza maior
que a do Amazonas até aquele lugar. Antes de se chegar à primeira volta que faz
o Rio, foi preciso esperar a hora do meio-dia para se fazer observação, a qual
com efeito se executou, e por ela constou estar aquela entrada em 04°14’ de
Latitude Austral ([2]).
Nesta
primeira volta do Rio se notou não haver terra firme nem da parte Oriental, que
é à esquerda, nem da Ocidental, capaz de habitação, porque toda se alaga com o
Rio cheio; e a que estava descoberta em razão de se entrar quase no fim da
vazante, mostrava ser enlodada, a que no País chamam de alagadiço; e a mesma
qualidade de terra é a do Amazonas pela parte de Leste e Oeste, aonde o Madeira
desemboca. Feita a observação, se continuou viagem no rumo de Sudoeste e, logo
voltando a segunda ponta, se navegou a Susudoeste, que logo aí mostrou ser o
verdadeiro rumo.
Antes
de passar a primeira ponta, à parte direita está um Lago que enche com as águas
grandes, e diminui com a vazante; nele há peixe com abundância de que se
aproveitam os viajantes. Voltando à segunda que se seguia, se acha à parte
Ocidental uma Praia, em que se vai formando uma Ilha; e nesta Praia há muita
abundância de tartarugas no tempo da sua produção, que é na vazante do Rio na
lua nova de outubro.
Chegando
à terceira ponta, se notou ser de pedras, de que se forma aí a ribanceira não
muito alta da parte direita; mas não se alaga com a enchente do Rio: no
princípio da enseada, que começa nesta ponta na mesma qualidade da ribanceira,
está um lugar que foi Aldeia de gentio ([3]),
e nele permanecem vestígios de habitação em árvores de fruto, que ali se
conservam; no seu interior há cacoais, e aqui é que dá princípio grande
quantidade deles que há neste Rio. Neste sítio, fazem assento alguns moradores,
que vão fazer salgas de peixe.
Continuando
viagem a vela [ainda neste dia e no seguinte se alcançou vento geral] nos rumos
referidos, chegamos pelas sete horas da noite a portar ([4])
entre uma Ilha e a terra da parte direita, aonde chamam Paraná-mirim [quer
dizer no idioma da terra Rio pequeno, não que o haja ali pela terra dentro, mas
por chamarem assim os índios aquela porção de água, que medeia entre a terra e
a Ilha].
Nesta
espera, se fez experiência de pescaria, e em breve tempo mostrou a sua
fertilidade o Rio em peixe de linha, que bastou para aquela ocasião. Em sete
horas de caminho que se andou neste dia, se venceriam 4 léguas.
No dia 26.09.1749, pelas 06h00, se principiou a navegar
a remo no rumo de Sudoeste até Susueste, e a pouco mais de uma hora de caminho,
se atravessou a parte esquerda a passar por um canal, que há entre a terra
firme e a outra Ilha, que atravessa o Rio quase de uma a outra parte. Na da
parte direita, fronteira a esta mesma Ilha está um Lago chamado do Padre
Sampaio: nele há imensa quantidade de tartarugas e outros peixes de salga em
abundância.
Continuando
a viagem da parte direita, se foi costeando uma dilatada enseada, na qual há
outro Lago, mas de menor grandeza e utilidade que o antecedente, e dele vão
correndo umas barreiras não muito altas, que em partes têm pedra até o lugar em
que se acha a Aldeia chamada dos Abacaxis ([5]),
aonde se chegou pelas 10 horas da manhã; e em quatro de caminho se andaria duas
léguas que, com as quatro do dia antecedente, farão seis léguas, e é a
distância que há da Boca do Rio até esta primeira Aldeia.
Acha-se
situada sobre a ribanceira da enseada referida, fronteira a uma Ilha ([6])
que corre ao comprimento do Rio; a qual é alagadiça da mesma sorte que as
antecedentes.
Esta
Aldeia se achava estabelecida no Braço do Rio Madeira, que sai às Amazonas com
nome dos Abacaxis ou Tupinambás, e daqui se mudou para a parte mencionada em
razão de que o sítio antigo era rodeado de vários Lagos, donde resultava muita
doença e mortandade nos aldeados, os quais no sítio em que de presente se
acham, ainda não estão de todo remediados de semelhante calamidade; porque o
presente sitio está fundado em uma pequena porção de terra que medeia entre o
Rio e um Lago que, no tempo da seca, lhes ocasiona doença, por cuja razão
habitam poucos na Aldeia, e a maior parte se acha espalhada pelas roças que
fabricaram nas terras firmes daquela vizinhança. (G. FONSECA, 1826)
(Continua...)
Bibliografia
A. FONSECA, J. A
propósito do Tratado de Limites a Norte do Brasil: Cartas Secretas de Sebastião
José de Carvalho e Melo, 1752-1756 – Portugal – Lisboa – Editora Mare
Liberum, 1995.
G. FONSECA, J.. Notícias para a História e
Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das
Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações
Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume
4, n° 1, 1826.
REIS, Arthur Cézar Ferreira. Limites e demarcações na
Amazônia Brasileira. A Fronteira com as Colônias Espanholas ‒ Brasil ‒
Belém, PA ‒ Secretaria do Estado da Cultura, 1948.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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Bagé, 24.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.272, Rio, RJ Sábado e Domingo, 08 e 09.02.1964 Jango Atinge sua Maior M
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Bagé, 22.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.268, Rio, RJ Terça-feira, 04.02.1964 Em Primeira Mão(Hélio Fernandes)