Sexta-feira, 18 de setembro de 2020 - 10h32
Bagé, 18.09.2020
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XVI
Viagem da “Real
Escolta” – III
Pelas
mortandades que tem experimentado não só pela malignidade do clima, mas pelos
dois contágios de bexigas e sarampo, que afligiram o Estado desde o ano de 1743
até o presente de 1749, se acha com menos da terça parte dos habitadores, os
quais só de índios de guerra e serviço passaram de mil em tempo que os
administrava o Padre João de Sampaio da Companhia antes das epidemias
mencionadas. Tem suficiente fertilidade, pescarias de tartarugas e de outros
vários peixes; porém de farinha havia tanta penúria, que aos Reverendos
Missionários era preciso mandar ir da Cidade a de que necessitavam para o seu
sustento, e também de alguns índios que não têm lavouras. Foi precisíssimo
fazer demora nesta Aldeia 2 dias ([1])
para dela se receberem 15 índios destinados a conduzir as canoas grandes para
baixo, depois de se embarcar a comitiva nas pequenas que, antes das Cachoeiras,
se haviam de fabricar; o que com efeito se executou na forma que adiante se
dirá.
Entregues os referidos índios no dia 28.09.1749 pelas
11h00 do dia, se continuou viagem pelas quatro da tarde no rumo de Sudoeste,
costeando a parte esquerda e, depois ao voltar da ponta da enseada em que está
a Aldeia referida, se seguiu a de Susudoeste e Oessudoeste; e nitidamente ao
Sul a buscar a Boca Abacaxis, donde o Madeira entra por aquela parte a buscar o
Amazonas.
Pelas oito horas da noite, portaram as canoas com seis
horas de caminho, em que se andaria duas léguas, na entrada da parte do Norte a
que chamam Boca dos Tupinambás ([2]);
porquanto o Rio da Madeira forma o Braço dos Abacaxis, introduzindo-o por duas
partes, deixando uma Ilha em meio, e cortando a terra até sair ao Amazonas. Deságua
no referido braço, além de 23 Lagos de uma e outra parte, um Rio chamado
Canumã, que corre da terra firme bastantemente caudaloso, e nele habitam várias
nações de gentio, que não é do mais feroz; mas não admite prática de
civilidade, sem embargo de algumas diligências que se têm feito amigavelmente a
este fim.
Nestes
termos, se mostra com evidência que o Rio da Madeira entra no Amazonas por duas
Bocas, fazendo Barra principal a mãe do Rio, e inferior à dos Abacaxis que
recebe as águas do Canumã, deixando Ilha aquela grande porção de terra que se
costeia pelo Amazonas, pelo mesmo Madeira, e pelos Abacaxis, de sorte que, não
tendo prática e experiência, vários autores de Cartas Geográficas situam esta
grande Ilha em meio do Amazonas fronteira à boca do Madeira, dando-lhe o nome
de Tupinambás. E o que ultimamente a descreveu, como na verdade é, foi Monsieur
La Condamine na Carta em que descreveu o Rio das Amazonas e seus confluentes,
impressa em Amsterdã no ano de 1745, que explicou no Diário que, com a mesma
Carta, imprimiu quando navegou o Amazonas desde a Província de Quito ao Pará; e
sem embargo de que este Matemático não entrasse no Madeira nem examinasse
praticamente a forma da sua comunicação com o Amazonas pelos Abacaxis, se valeu
de notícias verdadeiras, que lhe deram pessoas de experiência assistentes no
Pará, que haviam navegado por uma e outra parte o mesmo Madeira.
E a
não fazer esta indagação cabida no erro comum dos mais Geógrafos nesta parte,
assim como por menos exação não descreveu o mesmo Condamine na referida Carta
em termos próprios a grande Ilha de Joannes na Boca do Amazonas, nem a imensidade
de Ilhas do Tajupuru, persuadindo-se talvez que não mediava mais água entre a
terra firme Oriental e a dita Ilha do que aquela, que fazia o canal por onde
ele transitou, quando passou o Pará e depois a costa do Cabo do Norte.
No
dia 29.09.1749, pelas três horas da manhã, se principiou viagem a buscar sítio
acomodado para se dizer Missa e, ao amanhecer, portaram as canoas em outra Ilha
menor ([3])
que a antecedente, fronteira à outra Boca do Tupinambá, em que havia boa Praia
para se armar o altar portátil, e se apelidou aquela Ilha com o nome de S.
Miguel, por ser dia deste glorioso Arcanjo em que ali se celebrou Missa. Haverá
uma légua de distância da Boca da parte do Norte, donde se saiu de madrugada
até a da parte do Sul, aonde amanheceu; tanto a Ilha de S. Miguel, como a
antecedente, é terra firme que faz a Boca dos Tupinambás, é tudo alagadiço em
tempo de cheia.
Depois
de celebrado o Santo Sacrifício da Missa, se continuou viagem a vela e remo no
rumo de Sudoeste e depois Oessudoeste; costeando à parte esquerda terras
alagadiças de uma e outra margem, e pela Oriental três Lagos, se portou com 6
horas de caminho em que se andariam cinco léguas. Pelo meio do Rio, na jornada
desse dia, se notaram três Ilhas em pouca distância umas das outras, que alagam
no tempo da cheia; e uma correnteza grande da mesma parte esquerda no remate de
uma enseada em que havia pedras arrimadas à ribanceira.
Portaram
as canoas na margem do Rio pouco acima da referida correnteza, passada a ponta
da enseada.
A
30.09.1749 se principiou viagem às seis horas da manhã no rumo de Sudoeste, e
logo à Oessudoeste e Susudoeste, e outra vez a Sudoeste, em cuja volta, no meio
de uma enseada, achamos situada a Aldeia chamada Trocano ([4]),
fronteira a uma Ilha ([5])
que se prolonga ao comprimento do Rio: quatro horas de caminho se gastou a
remo, em que se andaria duas léguas; e vem a distância desta Aldeia pouco mais
ou menos da dos Abacaxis nove léguas.
Desde
que se entrou no Rio da Madeira até a ponta da parte do Norte da enseada, em
que está a referida Aldeia, conserva o Rio a largura de trezentas e cinquenta a
quatrocentas braças; porém chegando perto da dita enseada, depois de se
passarem duas Ilhas que estão à parte direita, vai estreitando por espaço de
meia légua de margem em que haverá distância de pouco mais de cem braças ao
voltar a ponta em que principia a referida enseada, em cujo lugar passada a
ponta, em que há uma Praia que quase atravessa o Rio, se acham bastantes pedras
sobre que se levanta a ribanceira da parte Oriental, e a margem que se segue
até a dita Aldeia é de barreira em parte não muito alta, que não alaga em tempo
de cheia.
Esta
Aldeia chamada do Trocano é a que, com a invenção de Santo Antônio, se fundou
entre o Rio Jamari e a primeira Cachoeira do Madeira, e se compunha de gente
que se praticou na ocasião que no ano de 1752 andou com uma tropa de exploração
por todo o Madeira Francisco de Mello Palheta.
Foi
Missionário deste estabelecimento o Reverendo Padre João de Sampaio, da
Companhia de Jesus e, passados alguns anos, vendo que o sítio não era acomodado
para a saúde dos índios, e que estes eram vexados pelas nações bárbaras
vizinhas, tomou o expediente de a mudar para o sítio do Trocano, em que de
presente existe.
É a
sua fundação em uma planície que há sobre umas barreiras da referida enseada da
parte Oriental do Madeira. Os ares são aprazíveis, e mais salutíferos ([6])
que os dos Abacaxis, e a construção da Aldeia ([7])
por melhor forma que a antecedente. É missionada pelos Religiosos da Companhia,
cujo Padre se não achava na ocasião na Aldeia, por ter subido ao Rio Negro na
diligência de praticar gente do mato para a mesma Aldeia (144) – e
não só por esta razão, mas por se evitar alguma desordem dos dias, farão portar
as canoas nas praias de uma Ilha que corre Rio acima da parte direita, e se
termina ainda à vista da Aldeia (144) em mais de meia légua de
distância, e em canoa ligeira se ia tratar do que era conveniente para o
serviço da escolta.
A
menos de um dia de viagem desta Aldeia (144) pelo Rio acima, há
várias habitações de gentio, o qual já tem tido o atrevimento de investir a
dita Povoação, e para cautela de semelhantes insultos vive o Missionário em uma
casa entrincheirada de estacada, para dela se defender melhor de alguma invasão,
socorrido de dois seculares que lhe assistem, e estavam administrando a Aldeia
(144) na ausência do Padre no tempo que ali chegaram as canoas, e se
houveram com tão pouca pontualidade em executar as insinuações do mesmo
Missionário para darem socorro de índios à escolta, que um deles se escondeu no
mato com a maior parte dos índios, e alguns que dali se tiraram para voltarem
com as canoas grandes [...]. Da mesma sorte se não pode aí fazer fornecimento
de víveres, porque suposto houvesse bastante criação, não havia quem a
vendesse, o que sucedeu também com a farinha, que era socorro mais essencial.
A
02.10.1749, pelas 07h00, deixando na Aldeia (138) uma canoa ligeira
com um oficial e dois Soldados na diligência de fazerem alguma compra de
farinha, partiram as canoas com vento fresco no rumo de Nornoroeste, e depois
de passar uma ponta da parte direita em que havia uma grande Praia, se navegou
ao Susudoeste e, com três horas de caminho, em que se andariam três Lagoas,
partiram na Praia de uma Ilha situada à parte direita, onde esperamos pela dita
canoinha o resto do dia referido e o seguinte que foram 03.10.1749.
Quando
se navegou ao Sudoeste buscando a parte direita do Madeira, se passou junto à
boca de um Rio que deságua em uma pequena enseada chamado Goaotá ([8]);
não é caudaloso, as terras donde desemboca são alagadiças, e como se não entrou
nele não se pôde examinar a direção da sua corrente, e costeando a mesma parte
Ocidental na enseada que se seguia, se achou uma Ilha com Praia mui dilatada
até chegar à ponta de outra enseada, no meio da qual em outra Ilha semelhante à
antecedente, partiram as canoas na Praia dela, como fica dito.
Defronte
desta Ilha ([9]), se via a boca de um Lago
([10])
que há da parte Oriental mui abundante de peixe, e este é o primeiro alojamento
de gentio bravo, e sem embargo de que não foi visto, se deu aqui princípio a
toda a cautela necessária para rebater qualquer acontecimento dos bárbaros.
A
água do Rio Madeira, desde a sua entrada até este sítio, é clara e de bom gosto
porém, já desta altura, principiou a achar-se turva nas partes em que as
ribanceiras são de terra enlodada; e aonde desaguavam Lagos e só donde havia
barreiras ou pedras se achava menos defeituosa; e até este sítio ainda
alcançavam os ventos gerais, mas já diminutos, de sorte que só com trovoada é
que havia neles atividade para ajudarem os remos contra a correnteza. (G.
FONSECA, 1826) (Continua...)
Bibliografia
G. FONSECA, J.. Notícias para a História e
Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das
Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações
Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume
4, n° 1, 1826.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[10] Lago: Ará Grande.
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte XVI
Viagem da “Real
Escolta” – III
Pelas
mortandades que tem experimentado não só pela malignidade do clima, mas pelos
dois contágios de bexigas e sarampo, que afligiram o Estado desde o ano de 1743
até o presente de 1749, se acha com menos da terça parte dos habitadores, os
quais só de índios de guerra e serviço passaram de mil em tempo que os
administrava o Padre João de Sampaio da Companhia antes das epidemias
mencionadas. Tem suficiente fertilidade, pescarias de tartarugas e de outros
vários peixes; porém de farinha havia tanta penúria, que aos Reverendos
Missionários era preciso mandar ir da Cidade a de que necessitavam para o seu
sustento, e também de alguns índios que não têm lavouras. Foi precisíssimo
fazer demora nesta Aldeia 2 dias ([1])
para dela se receberem 15 índios destinados a conduzir as canoas grandes para
baixo, depois de se embarcar a comitiva nas pequenas que, antes das Cachoeiras,
se haviam de fabricar; o que com efeito se executou na forma que adiante se
dirá.
Entregues os referidos índios no dia 28.09.1749 pelas
11h00 do dia, se continuou viagem pelas quatro da tarde no rumo de Sudoeste,
costeando a parte esquerda e, depois ao voltar da ponta da enseada em que está
a Aldeia referida, se seguiu a de Susudoeste e Oessudoeste; e nitidamente ao
Sul a buscar a Boca Abacaxis, donde o Madeira entra por aquela parte a buscar o
Amazonas.
Pelas oito horas da noite, portaram as canoas com seis
horas de caminho, em que se andaria duas léguas, na entrada da parte do Norte a
que chamam Boca dos Tupinambás ([2]);
porquanto o Rio da Madeira forma o Braço dos Abacaxis, introduzindo-o por duas
partes, deixando uma Ilha em meio, e cortando a terra até sair ao Amazonas. Deságua
no referido braço, além de 23 Lagos de uma e outra parte, um Rio chamado
Canumã, que corre da terra firme bastantemente caudaloso, e nele habitam várias
nações de gentio, que não é do mais feroz; mas não admite prática de
civilidade, sem embargo de algumas diligências que se têm feito amigavelmente a
este fim.
Nestes
termos, se mostra com evidência que o Rio da Madeira entra no Amazonas por duas
Bocas, fazendo Barra principal a mãe do Rio, e inferior à dos Abacaxis que
recebe as águas do Canumã, deixando Ilha aquela grande porção de terra que se
costeia pelo Amazonas, pelo mesmo Madeira, e pelos Abacaxis, de sorte que, não
tendo prática e experiência, vários autores de Cartas Geográficas situam esta
grande Ilha em meio do Amazonas fronteira à boca do Madeira, dando-lhe o nome
de Tupinambás. E o que ultimamente a descreveu, como na verdade é, foi Monsieur
La Condamine na Carta em que descreveu o Rio das Amazonas e seus confluentes,
impressa em Amsterdã no ano de 1745, que explicou no Diário que, com a mesma
Carta, imprimiu quando navegou o Amazonas desde a Província de Quito ao Pará; e
sem embargo de que este Matemático não entrasse no Madeira nem examinasse
praticamente a forma da sua comunicação com o Amazonas pelos Abacaxis, se valeu
de notícias verdadeiras, que lhe deram pessoas de experiência assistentes no
Pará, que haviam navegado por uma e outra parte o mesmo Madeira.
E a
não fazer esta indagação cabida no erro comum dos mais Geógrafos nesta parte,
assim como por menos exação não descreveu o mesmo Condamine na referida Carta
em termos próprios a grande Ilha de Joannes na Boca do Amazonas, nem a imensidade
de Ilhas do Tajupuru, persuadindo-se talvez que não mediava mais água entre a
terra firme Oriental e a dita Ilha do que aquela, que fazia o canal por onde
ele transitou, quando passou o Pará e depois a costa do Cabo do Norte.
No
dia 29.09.1749, pelas três horas da manhã, se principiou viagem a buscar sítio
acomodado para se dizer Missa e, ao amanhecer, portaram as canoas em outra Ilha
menor ([3])
que a antecedente, fronteira à outra Boca do Tupinambá, em que havia boa Praia
para se armar o altar portátil, e se apelidou aquela Ilha com o nome de S.
Miguel, por ser dia deste glorioso Arcanjo em que ali se celebrou Missa. Haverá
uma légua de distância da Boca da parte do Norte, donde se saiu de madrugada
até a da parte do Sul, aonde amanheceu; tanto a Ilha de S. Miguel, como a
antecedente, é terra firme que faz a Boca dos Tupinambás, é tudo alagadiço em
tempo de cheia.
Depois
de celebrado o Santo Sacrifício da Missa, se continuou viagem a vela e remo no
rumo de Sudoeste e depois Oessudoeste; costeando à parte esquerda terras
alagadiças de uma e outra margem, e pela Oriental três Lagos, se portou com 6
horas de caminho em que se andariam cinco léguas. Pelo meio do Rio, na jornada
desse dia, se notaram três Ilhas em pouca distância umas das outras, que alagam
no tempo da cheia; e uma correnteza grande da mesma parte esquerda no remate de
uma enseada em que havia pedras arrimadas à ribanceira.
Portaram
as canoas na margem do Rio pouco acima da referida correnteza, passada a ponta
da enseada.
A
30.09.1749 se principiou viagem às seis horas da manhã no rumo de Sudoeste, e
logo à Oessudoeste e Susudoeste, e outra vez a Sudoeste, em cuja volta, no meio
de uma enseada, achamos situada a Aldeia chamada Trocano ([4]),
fronteira a uma Ilha ([5])
que se prolonga ao comprimento do Rio: quatro horas de caminho se gastou a
remo, em que se andaria duas léguas; e vem a distância desta Aldeia pouco mais
ou menos da dos Abacaxis nove léguas.
Desde
que se entrou no Rio da Madeira até a ponta da parte do Norte da enseada, em
que está a referida Aldeia, conserva o Rio a largura de trezentas e cinquenta a
quatrocentas braças; porém chegando perto da dita enseada, depois de se
passarem duas Ilhas que estão à parte direita, vai estreitando por espaço de
meia légua de margem em que haverá distância de pouco mais de cem braças ao
voltar a ponta em que principia a referida enseada, em cujo lugar passada a
ponta, em que há uma Praia que quase atravessa o Rio, se acham bastantes pedras
sobre que se levanta a ribanceira da parte Oriental, e a margem que se segue
até a dita Aldeia é de barreira em parte não muito alta, que não alaga em tempo
de cheia.
Esta
Aldeia chamada do Trocano é a que, com a invenção de Santo Antônio, se fundou
entre o Rio Jamari e a primeira Cachoeira do Madeira, e se compunha de gente
que se praticou na ocasião que no ano de 1752 andou com uma tropa de exploração
por todo o Madeira Francisco de Mello Palheta.
Foi
Missionário deste estabelecimento o Reverendo Padre João de Sampaio, da
Companhia de Jesus e, passados alguns anos, vendo que o sítio não era acomodado
para a saúde dos índios, e que estes eram vexados pelas nações bárbaras
vizinhas, tomou o expediente de a mudar para o sítio do Trocano, em que de
presente existe.
É a
sua fundação em uma planície que há sobre umas barreiras da referida enseada da
parte Oriental do Madeira. Os ares são aprazíveis, e mais salutíferos ([6])
que os dos Abacaxis, e a construção da Aldeia ([7])
por melhor forma que a antecedente. É missionada pelos Religiosos da Companhia,
cujo Padre se não achava na ocasião na Aldeia, por ter subido ao Rio Negro na
diligência de praticar gente do mato para a mesma Aldeia (144) – e
não só por esta razão, mas por se evitar alguma desordem dos dias, farão portar
as canoas nas praias de uma Ilha que corre Rio acima da parte direita, e se
termina ainda à vista da Aldeia (144) em mais de meia légua de
distância, e em canoa ligeira se ia tratar do que era conveniente para o
serviço da escolta.
A
menos de um dia de viagem desta Aldeia (144) pelo Rio acima, há
várias habitações de gentio, o qual já tem tido o atrevimento de investir a
dita Povoação, e para cautela de semelhantes insultos vive o Missionário em uma
casa entrincheirada de estacada, para dela se defender melhor de alguma invasão,
socorrido de dois seculares que lhe assistem, e estavam administrando a Aldeia
(144) na ausência do Padre no tempo que ali chegaram as canoas, e se
houveram com tão pouca pontualidade em executar as insinuações do mesmo
Missionário para darem socorro de índios à escolta, que um deles se escondeu no
mato com a maior parte dos índios, e alguns que dali se tiraram para voltarem
com as canoas grandes [...]. Da mesma sorte se não pode aí fazer fornecimento
de víveres, porque suposto houvesse bastante criação, não havia quem a
vendesse, o que sucedeu também com a farinha, que era socorro mais essencial.
A
02.10.1749, pelas 07h00, deixando na Aldeia (138) uma canoa ligeira
com um oficial e dois Soldados na diligência de fazerem alguma compra de
farinha, partiram as canoas com vento fresco no rumo de Nornoroeste, e depois
de passar uma ponta da parte direita em que havia uma grande Praia, se navegou
ao Susudoeste e, com três horas de caminho, em que se andariam três Lagoas,
partiram na Praia de uma Ilha situada à parte direita, onde esperamos pela dita
canoinha o resto do dia referido e o seguinte que foram 03.10.1749.
Quando
se navegou ao Sudoeste buscando a parte direita do Madeira, se passou junto à
boca de um Rio que deságua em uma pequena enseada chamado Goaotá ([8]);
não é caudaloso, as terras donde desemboca são alagadiças, e como se não entrou
nele não se pôde examinar a direção da sua corrente, e costeando a mesma parte
Ocidental na enseada que se seguia, se achou uma Ilha com Praia mui dilatada
até chegar à ponta de outra enseada, no meio da qual em outra Ilha semelhante à
antecedente, partiram as canoas na Praia dela, como fica dito.
Defronte
desta Ilha ([9]), se via a boca de um Lago
([10])
que há da parte Oriental mui abundante de peixe, e este é o primeiro alojamento
de gentio bravo, e sem embargo de que não foi visto, se deu aqui princípio a
toda a cautela necessária para rebater qualquer acontecimento dos bárbaros.
A
água do Rio Madeira, desde a sua entrada até este sítio, é clara e de bom gosto
porém, já desta altura, principiou a achar-se turva nas partes em que as
ribanceiras são de terra enlodada; e aonde desaguavam Lagos e só donde havia
barreiras ou pedras se achava menos defeituosa; e até este sítio ainda
alcançavam os ventos gerais, mas já diminutos, de sorte que só com trovoada é
que havia neles atividade para ajudarem os remos contra a correnteza. (G.
FONSECA, 1826) (Continua...)
Bibliografia
G. FONSECA, J.. Notícias para a História e
Geografia das Nações Ultramarinas – Portugal – Lisboa – Academia Real das
Ciências – Coleção de Notícias para a História e Geografia das Nações
Ultramarinas, que Vivem nos Domínios Portugueses, ou lhe são Vizinhas, Volume
4, n° 1, 1826.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
[1] Dois dias: 26 e 27.
[2] Boca dos Tupinambás: Foz do Canumã ‒ 03°55’12,5”S/59°08’46,7”O.
[3] Ilha menor: 04°03’47,5” S / 59°21’29,3” O.
[4] Trocano: Borba ‒ 04°23’35,3” S / 59°35’36,7” O.
[5] Ilha: Ilha do Borba.
[6] Salutíferos: saudáveis.
[7] Aldeia: Borba.
[8] Goaotá: Tapunã.
[9] Ilha: do Mandi.
[10] Lago: Ará Grande.
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – X
Bagé, 20.12.2024 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 3.184, Rio, RJSexta-feira, 25.10.1963 Sindicâncias do Sequestro dão e
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – VI
Silva, Bagé, 11.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 224, Rio de Janeiro, RJ Quarta-feira, 25.09.1963 Lei das Selvas T
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – IV
Bagé, 06.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 186, Rio de Janeiro, RJSábado, 10.08.1963 Lacerda diz na CPI que Pressõessã
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – III
Bagé, 02.12.2024 Continuando engarupado na memória: Jornal do Brasil n° 177, Rio de Janeiro, RJQuarta-feira, 31.07.1963 JB na Mira O jornalista H