Quarta-feira, 19 de agosto de 2020 - 06h02
Bagé, 19.07.2020
Momentos
Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte IX
Berço da Humanidade
Lendas da Origem da
Humanidade
É grande de cento e tantos palmos
no comprimento; e todas as mais medidas de largura, e altura são proporcionadas
segundo as regras da arte [...]. Tem seu portal, corpo de Igreja, Capela-mor
com seu arco; e de cada parte do arco uma grande pedra por modo de dois Altares
colaterais, como hoje se costuma em muitas Igrejas; dentro do arco, e
Capela-mor tem uma porta para um lado,
para serventia da sacristia. (DANIEL)
Inúmeras lendas indígenas tratam da questão da
origem do ser humano, seja brotando de buracos, expelidos pela Cobra-Grande,
feridas de trovão, frutas lançadas n’água, canoas gigantescas, mas uma
despertou minha especial atenção por se tratar de relatos de consagrados
cronistas e se encontrar nas proximidades de Santarém. Conta-nos João Daniel:
Entre os mais Rios e Ribeiras que recolhe o Tapajós
é um o Rio Cuparí, a pouca mais distância de três dias e meio de viagem da
banda de Leste no alegre sítio chamado Santa Cruz; é célebre este Rio, mais que
pelas suas riquezas, de muito cravo, por uma grande lapa feita, e talhada por
modo de uma grande “Igreja”, ou “Templo”, que bem mostra foi obra de arte
ou prodígio da natureza. [...]
A tradição, ou fábula, que de pais a filhos corre
nos índios [Mundurukus], é que ali moraram, e viveram nossos primeiros pais, de
quem todos descendem, brancos e índios; porém que os índios descendem dos que
se serviam pela porta, que corresponde às suas Aldeias, e que por isso saíram
diferentes na cor aos brancos, que descendem dos que tinham saído pela porta
correspondente à Foz, ou Boca do Rio. (DANIEL)
Relata-nos, por sua vez, Henri Anatole Coudreau:
Um dia, diz a lenda Munduruku, os homens apareceram
sobre a terra. Ora, os primeiros homens que os animais das florestas viram por
entre as selvas e as savanas foram os que fundaram a Maloca de Acuparí. Certo
dia, entre os homens da Maloca de Acuparí, surgiu Caru-Sacaebê, o Grande Ser.
[…]
Em seguida, olhando para as plumas que plantara em
redor da Aldeia, ergueu a mão de um horizonte ao outro. A este apelo,
moveram-se as montanhas, e o terreno onde se localizava a antiga Maloca
tornou-se uma enorme caverna. […] Aí, como Pompeu, bateu com o pé no chão. Uma
larga fenda se abriu. O velho Caru dela tirou um casal de todas as raças: um de
Munduruku, um de índios [porque os Munduruku não pertencem à mesma raça que os
índios, mas são de uma essência superior], um casal de brancos e um de negros.
(COUDREAU, 1940)
Viagem ao Rio Cupari
(25/26.01.2011)
Partimos às 05h00, no Barco Piquiatuba, navegando
pelas belas águas espelhadas de um, momentaneamente, plácido Tapajós. Depois de
navegar aproximadamente 165 km, aportamos em Aveiro, antiga Aldeia de índios
Munducurus, oriundos do alto Tapajós (“Tapajós-Tapera”),
por volta das 14h00.
O Padre Sidney Augusto Canto, que nos acompanhava,
tentou localizar um guia que nos levasse, depois de visitarmos Fordlândia, ao
Rio Cupari e ao famoso Convento (Fábrica ou Igreja) citado pelo Padre João
Daniel no seu “Tesouro Descoberto no
Máximo Rio Amazonas”, editado pela primeira vez em 1820. Depois de
visitarmos Fordlândia retornamos ao Rio Cupari onde pernoitamos no dia 26.01.2011.
No dia seguinte tentei chegar por água ao “Berço
da Humanidade”, subindo o Rio Cupari.
A tentativa foi frustrada por uma queda d’água impossível
de ultrapassar com a voadeira que nos transportava. Quando aportamos na margem
direita do Rio, preparando-nos para voltar, ouvi o som de motores de caminhão
nas proximidades e georreferenciei a posição. Retornando a Santarém localizei a
posição marcada no Google Earth e verifiquei que a mesma ficava muito próxima
da Rodovia Transamazônica (BR-230), decidi, então, realizar uma nova tentativa
pela estrada.
BR 163 (31.01.2011)
Resolvi fazer um
reconhecimento prévio acompanhando o Ten Cel Lauro Augusto Andrade PASTOR
Almeida na sua inspeção diária à BR-163, que se estende da sede do 8° BEC, em
Santarém, até o Britador, situado na BR-230 – Transamazônica. Partimos às
10h00, e, no britador, por volta das 14h00, o Soldado Flávio Vianna de Almeida
informou que conhecia as tais cavernas e planejei uma nova incursão às mesmas.
Percorrendo o trecho, pude ver orgulhoso o trabalho anônimo dos nossos
Batalhões de Engenharia.
As chuvas
torrenciais exigiam medidas drásticas para manter o tráfego de uma estrada
extremamente importante, construída sob as condições mais adversas. Infelizmente,
caminhões pesados passam, sem qualquer controle, pelas barreiras das coniventes
e omissas autoridades rodoviárias, danificando o leito da estrada ainda em
construção.
Berço da Humanidade (01/02.02.2011)
Acompanhei,
novamente, o Ten Cel Pastor na sua jornada e pernoitei em Rurópolis, no Hotel
Presidente Médici, que contou na sua inauguração com a presença do próprio
Presidente. O belo hotel que teve sua época áurea durante a construção da
Transamazônica foi, há pouco mais de uma década, entregue aos ladrões e
depredadores, até que a Prefeitura de Rurópolis resolveu recuperá-lo. As
instalações se encontravam em péssimas condições, portas, janelas e todo o
mobiliário tinham sido roubados. A restauração, oportuna e necessária, do belo
patrimônio foi mal feita e a antiga construção perdeu muito de seu antigo
esplendor. As instalações, embora simples, são confortáveis. De manhã cedo,
guiados pelo Soldado Vianna, partimos de Rurópolis rumo ao km 77 da BR-230. A
estrada apresenta perfeitas condições de tráfego e os motoristas abusam da
velocidade. Ao chegarmos ao km 77 avistamos uma pequena placa manuscrita, à
direita, que anunciava “Cavernas”,
seguimos a placa e avistamos, em seguida, o senhor José Frederico Henn,
desobstruindo um bueiro na estrada de acesso à sua propriedade. Conversamos com
o Henn, um simpático colono e um dos pioneiros a chegar a estas plagas, em
18.10.1972, trazendo a esposa e dois filhos, vindo de Santa Cruz, RS.
Henn confirmou a
existência das cavernas e disse que havia doado a área à Prelazia de Itaituba
que ali realizava seus encontros religiosos, mas que estávamos autorizados a
entrar. A estrada permite acesso de veículos até as proximidades do Rio e a
trilha que conduz às cavernas localizadas à direita das construções da Prelazia
está coberta de brita fina para diminuir os riscos de tombos.
Chegamos, sem
dificuldade, ao nosso objetivo cuja conformação lembrava a descrição do Padre
Daniel. Embora o conjunto esteja parcialmente coberto pelas águas, pode-se
entrar, em qualquer época, no salão de jusante cuja altura inicial, de mais de
quatro metros, vai diminuindo à medida que se progride no estreito e curvo
corredor de aproximadamente 12 m de comprimento. Não pude explorar o complexo
mais alto e mais profundo, de montante, tendo em vista que as águas, na altura
do meu peito, bloqueavam o extenso túnel que, como o outro apresentava uma
suave curva para a direita. Eu estava emocionado, havíamos, finalmente, chegado
ao “Berço da Humanidade” (04°09’32,8”
S / 55°25’ O).
Gostaria de
explorar o túnel maior, no verão, onde, segundo Henn, já tinham encontrado um
pequeno jacaré e uma paca no seu interior, infelizmente minhas atividades
escolares não me permitiam. Henn informou também que ninguém tinha conseguido
encontrar o fim do referido túnel. A calha do Tapajós é rica em cavernas, mas
essa em especial despertara meu interesse graças ao relato do Padre Daniel e a
dificuldade de se determinar sua exata localização, tendo em vista as vagas
referências disponíveis.
Berço da Humanidade
(04.10.2013)
Realizei neste ano (2013) a tão
aguardada navegação pelo Tapajós, em pleno verão amazônico com o intuito de
pesquisar, novamente, o local na vazante do Rio Cupari. No dia 04.10.2013,
visitei a área acompanhado de meus caros amigos expedicionários, do Grupo
Fluvial do 8°BEC, Cabo de Engenharia Mário Elder Guimarães Marinho e o Soldado
Eng Marçal Washington Barbosa Santos e conduzidos pelo motorista do
Subcomandante do Batalhão – TCel Eng Artur Clécio Aragão de Miranda, o Sd Eng
Ademario César Guerra Costa Neto.
Chegamos por volta das onze horas e,
mesmo em jejum, não consegui ingerir qualquer alimento tal era minha ansiedade.
Tomei um copo de refrigerante, desci célere pela trilha até as cavernas e
fiquei satisfeito com o que vi – as águas estavam suficientemente baixas para
que pudéssemos adentrar nas furnas de montante, submersas em 2011.
A grande lapa mencionada por Daniel é
uma grande caverna de arenito calcário contendo grandes quantidades de óxido de
ferro que há milhares de anos sofreu infiltração d’água (ele menciona que a
formação é de pedra e cal) criando estalactites e estalagmites de beleza
singular de cor avermelhada em virtude da presença do óxido ferroso. As grandes
colunas e corredores de calcário de tons avermelhados suavemente matizados,
magnificamente torneados estimularam nossos sentidos e fizeram emergir de nosso
íntimo os sentimentos mais elevados e, evidentemente, esta sensação não deve
ter sido diferente da experimentada pelos observadores pretéritos.
É lógico, portanto, que a
grandiosidade e perfeição destas formações naturais tenham estimulado a
imaginação das pessoas produzindo relatos fantásticos que, por fim, chegaram
aos ouvidos atentos do Padre João Daniel.
As formações que partem do teto da
caverna para baixo são denominadas estalactites, e estalagmites quando crescem
a partir do chão para cima. Ambas são produzidas pelo gotejamento d’água
através das fendas das paredes das cavernas de rocha calcária, carregando
consigo parte deste calcário. Um ínfimo anel de calcita, quando em contato com
o ar, precipita-se na base de cada gota. Cada uma dá origem a um novo e
diminuto anel, consolidando formas cônicas e pontiagudas denominadas
estalactites. As estalagmites, por sua vez, possuem forma mais grosseira, mais
arredondada e menos pontiaguda com a tendência de se unir à estalactite dando
origem a uma coluna.
O processo de crescimento destes
elementos é demorado e ininterrupto variando entre 0,01 mm a 3 mm por ano
dependendo da quantidade d’água, velocidade de gotejamento, pureza do calcário
e temperatura. Quando as estalactites seguem as frestas do teto da caverna
atingem dimensões bem maiores como as que observamos no Berço da humanidade,
formando verdadeiros corredores.
Bibliografia
DANIEL, João. Tesouro Descoberto
no Máximo Rio Amazonas – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Editora da
Biblioteca Nacional, 1976.
COUDREAU,
Henri Anatole. Viagem ao Tapajós –
Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Companhia Editora Nacional, 1940.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
Galeria de Imagens
* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVIII
Bagé, 29.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.281, Rio, RJQuinta-feira, 21.02.1964 Em Primeira Mão(Hélio Fernande
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVII
Bagé, 27.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.279, Rio, RJQuarta-feira, 19.02.1964 Em Primeira Mão(Hélio Fernande
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXVI
Bagé, 24.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.272, Rio, RJ Sábado e Domingo, 08 e 09.02.1964 Jango Atinge sua Maior M
Qualquer Semelhança não é Mera Coincidência – XXV
Bagé, 22.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.268, Rio, RJ Terça-feira, 04.02.1964 Em Primeira Mão(Hélio Fernandes)