Sexta-feira, 21 de agosto de 2020 - 07h18
Bagé, 21.08.2020
Momentos
Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte X
Fordlândia II
A Negociata de Villares
Se
Lima, muito citado na imprensa brasileira sobre o sucesso do encontro em
Dearborn, era a face pública da campanha para atrair Henry Ford para a
Amazônia, Jorge Dumont Villares tinha um papel mais furtivo. Villares,
pertencente a uma família de ricos cafeicultores e com boas ligações políticas,
havia chegado a Belém, a capital do Estado do Pará, no início dos anos 1920.
Apesar do colapso da economia da borracha, ainda havia dinheiro a ser ganho nos
muitos esquemas criados para reanimar o comércio. Como sobrinho do famoso
aviador Santos Dumont, o homem que, para os brasileiros, inventou o voo a
motor, mas teve o crédito roubado pelos irmãos Wright, Villares que gostava de
ternos de linho e chapéus Panamá, era relativamente bem conhecido nos círculos
da elite. Ele era alto, magro e um pouco inquieto, e era dissimulado. Pouco
depois de sua chegada, ele começou a formar uma espécie de confederação de
políticos, diplomatas e
representantes da Ford, todos interessados em
atrair Henry Ford para o Brasil. (GRANDIN)
Henry Ford, em julho de 1925, depois do almoço, em sua casa em
Dearborn, com Harvey Firestone, em que discutiram a proposta britânica de
formação de um cartel, concedeu uma audiência ao Inspetor Consular do Brasil,
em Nova York, diplomata José Custódio Alves de Lima.
Lima fora autorizado pelo Governador Dionysio Bentes, do Pará,
a oferecer “incentivos especiais” na
esperança de que Ford instalasse seu projeto no Estado e ajudasse a reanimar a
economia regional deprimida, desde 1910, com a perda do monopólio da borracha
para as colônias asiáticas. Na oportunidade, Ford quis saber qual era o salário
pago aos seringueiros e Lima respondeu que era de 36 a 50 centavos de dólar por
dia.
O empresário respondeu “que
pagaria até 5 dólares por dia para um bom trabalhador” e que sua maior
preocupação não era o número de horas trabalhadas e sim a produtividade.
O primeiro e mais importante aliado de Villares para fazer
com que as coisas andassem foi William Schurz, que foi adido comercial de
Washington no Rio, embora, para o aborrecimento do embaixador dos EUA, ele
passasse a maior parte do tempo na Amazônia. “Gerações de
homenzinhos têm mordiscado, como ratos, as bordas da Amazônia”,
escreveu Schurz mais tarde em um livro sobre o Brasil – uma observação que
poderia ser tomada como autobiográfica.
Schurz havia ingressado no Departamento de Comércio no
início da década de 1920, quando Herbert Hoover, o Secretário, ampliava muito
sua influência. Hoover triplicou orçamento do Departamento e acrescentou três
mil funcionários, muitos deles adidos como Schurz, vendedores da crescente
ambição econômica da América. Esses “cães
de caça” dos negócios americanos, como Hoover os chamava, tendiam a ignorar
a geopolítica geral que tanto ocupava os diplomatas do Departamento de Estado.
Em vez disso, faziam “lobby”,
muitas vezes de forma muito agressiva, em favor de uma gama mais estreita de
interesses específicos de corporações americanas – e também de si mesmos. Schurz
tinha sido membro da comissão organizada em 1923 pelo Departamento do Comércio
de Hoover, de estudo da possibilidade de reviver a produção da borracha na
Amazônia como parte da campanha de Hoover para neutralizar o cartel proposto
por Churchill. Era muito provável, pela experiência de Schurz na comissão, que
ele tenha se dado conta das possibilidades de lucro, em especial depois da
declaração de Dionysio Bentes, Governador do Pará, em 1925, de que ofereceria
gratuitamente terras na floresta a qualquer pessoa disposta a cultivar
seringueiras. Como diplomata dos EUA, Schurz não podia solicitar terras
diretamente; assim, aliou-se a Villares, com a ideia de usar a cruzada de
Hoover para vender sua concessão a uma corporação americana.
Junto com
Schurz e Villares estava Maurice Greite, um inglês que vivia em Belém e se
auto-intitulava “Capitão”, embora
ninguém soubesse do quê. Antigo residente da Amazônia sempre em busca de uma
grande chance fosse uma mina de chumbo ou um esquema de terras, Greite em pouco
tempo tornou-se mais ônus do que um ativo para Villares. Mas prestou um serviço
útil. Apresentou Villares a Antônio Castro, Prefeito de Belém, e ao Governador
Bentes, dois homens cuja lealdade precisaria ser assegurada para que o plano
tivesse possibilidade de sucesso. Em troca de uma parcela do dinheiro, ambos os
governantes prometeram seu apoio. O Prefeito prometeu não se opor à transação e
o Governador, em setembro de 1926, concedeu a Villares, Schurz e Greite uma
opção sobre pouco mais de 10 milhões de hectares no Baixo Vale do Tapajós – um
dos muitos lugares que os especialistas consideravam adequado para o cultivo de
seringueiras em larga escala.
Os três homens tinham três anos para desenvolver a
propriedade ou vendê-la. Caso deixassem de fazer uma coisa ou outra, perderiam
sua opção e as terras reverteriam para o Estado. Inicialmente Schurz tentou, da
embaixada no Rio, interessar Harvey Firestone.
Mas, quando este optou pela Libéria, ele voltou sua
atenção para a Ford Motor Company, escrevendo cartas para Henry Ford e Ernest
Liebold, seu secretário, exagerando as possibilidades da borracha na Amazônia.
Como adido comercial, Schurz tinha acesso à pesquisa sobre
a borracha realizada com recursos do governo americano, que ele repassou a
Liebold antes que o Departamento do Comércio pudesse processá-la e colocá-la à
disposição de outros possíveis investidores. Ao mesmo tempo, ele e Villares
entraram em contato com dois homens, W. L. Reeves Blakeley e William
McCullough, que Ford havia enviado a Belém depois de seu encontro com Lima para
pesquisar locais em potencial para uma plantação de seringueiras. Não há evidências
de que Blakeley recebeu dinheiro, mas documentos indicam que McCullough o fez.
Villares prometeu lhe pagar US$18 mil por qualquer ajuda que pudesse dar para
que o acordo fosse em frente.
Na Amazônia, Villares também começou a recrutar os
serviços de John Minter, Cônsul dos EUA em Belém. Neste caso, não foi oferecido
nenhum dinheiro. Mas o ar conspiratório de Villares conseguia atrair
confidentes. Cochichou a Minter que estavam em desenvolvimento planos para
infectar as plantações de seringueiras do Sudeste Asiático com uma praga
sul-americana, um fungo nativo da Amazônia que, com frequência, era letal para
as seringueiras.
Bastaria uma epidemia no Ceilão ou na Malásia, disse
Villares ao diplomata americano, para devolver ao Brasil o domínio do mercado
global. “Para bom entendedor, meia
palavra basta”, disse Villares ao Cônsul. Ele passava a Minter fragmentos
de informações a respeito de suas negociações com corporações americanas,
inclusive os contatos que havia feito com a Ford Motor Company, atraindo o
diplomata para suas intrigas. Disse que tinha “plantado secretamente 500 mil mudas em terras devolutas adjacentes
àquelas que Ford deverá assumir”, para que ele contasse com um estoque já
pronto de Hevea e começasse a plantar tão logo iniciasse o projeto. A razão
pela qual as mudas precisavam permanecer em segredo, disse Villares, era o fato
de poderosos interesses locais estarem conspirando contra o fechamento do
acordo.
Em pouco tempo, Minter estava telegrafando para seus
superiores no Departamento de Estado, dizendo-lhes que estava pondo seu
escritório e seu pessoal a serviço de Villares em seus negócios com Ford. O
passo seguinte de Villares, no fim do verão de 1926, foi viajar a Dearborn para
levar sua proposta diretamente a Henry e Edsel Ford, tendo assegurado sua
atenção provavelmente por intermédio de McCullough ou Blakely, com quem
Villares fizera amizade.
Villares era um bajulador talentoso e, em seu encontro com
pai e filho, oscilou entre o medo e a lisonja para defender seu ponto de vista.
Apresentou a eles um mapa rascunhado da propriedade, que incluía duas
cidadezinhas denominadas “Fordville”
e “Edselville”. Partindo do
trabalhado preliminar de Schurz, pintou um quadro fantástico daquilo que
poderia ser realizado na Amazônia, “a
mais fértil e saudável região do mundo tropical”.
O brasileiro elaborou um contrato nomeando-o executor do
projeto e concedendo à empresa o direito irrestrito de extrair ouro, petróleo,
madeira e até mesmo diamantes. Villares também prometeu a Ford que ele poderia
construir hidrelétricas, importar e exportar qualquer material com isenção de
impostos e tarifas e construir estradas, inclusive duas que subiriam 480 km em
ambas as margens do Tapajós “para dentro
das florestas virgens de seringueiras”
das cabeceiras do Rio, o que daria a Ford um monopólio completo sobre a
produção de látex do Vale. Ele disse a Henry e Edsel que preferia entregar as
terras a um americano mas, caso não houvesse acordo, poderia ser forçado a
transferi-las a outros interessados antes que expirasse sua opção. Era
doloroso, disse Villares a Ford, até mesmo:
pensar que uma parte da minha
pátria vá para as mãos de japoneses, britânicos ou alemães.
O apelo foi ouvido. Disse Villares concluindo sua
apresentação:
e a maior garantia de que o empreendimento
será um sucesso é que o primeiro a responder ao apelo foi Ford. Ele nunca
recua. Nunca fracassa.
O encontro deixou Villares esperançoso. Do Cadillac Hotel
em Detroit, ele escreveu ao seu colega conspirador Greite e pediu-lhe que fosse
paciente: “Não diga nada”, pois as
coisas estão indo bem em Dearborn. “Rasgue
esta carta”, instruiu ele ao
Capitão. (GRANDIM) (Continua...)
Bibliografia
GRANDIM, Greg. Fordlândia:
Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva – Brasil – Rio
de Janeiro – Editora Rocco, 2010.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
E-mail:
hiramrsilva@gmail.com
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