Sábado, 22 de agosto de 2020 - 07h49
Bagé, 24.08.2020
Momentos
Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte XI
Fordlândia III
Ford
parecia fisgado. Contudo, Villares estava ansioso. Foi de Detroit para Nova
York, onde escreveu outra carta, desta vez para Blakely. Se Ford não agisse
depressa, contou ele ao aliado mais próximo da empresa, “logo alguém descobrirá”. “Quando
você esteve aqui”, perguntou ele:
percebeu
uma coisa curiosa: A fé que todos têm em Ford? A magia desse nome penetrou nos
corações dos mais humildes e também no meu. Eles têm fé em Ford e eu também.
Milhares esperam por sua vinda; ele virá.
Ford permanecia indeciso,
mas seu encontro com Villares levou-o a enviar ao Brasil Carl D. La Rue,
botânico do campus de Ann Arbor da Universidade de Michigan, para “encontrar em algum lugar uma boa área para
plantar seringueiras”. La Rue estivera uma vez na Amazônia, em 1923,
chefiando a Expedição patrocinada pelo Departamento de Comércio de Herbert Hoover
para a busca de locais para a produção de borracha em longa escala, a mesma da
qual participou o adido comercial William Schurz. Naquela viagem, o botânico
cobriu um raio de mais de 40.000km e suas descobertas, juntamente com aquelas
de outras expedições, identificaram vários locais adequados espalhados às
margens do Tapajós, um grande afluente do Amazonas que cruzava as terras de
origem das seringueiras silvestres.
Em grande parte tratava-se
de terras públicas, que Ford poderia ter obtido diretamente por concessão
governamental, com pouco ou nenhum custo. Mas desta vez La Rue não visitou
nenhum dos locais anteriormente explorados; limitou-se a percorrer uma linha
reta de 80 km ao longo da margem Leste do Tapajós, parte das terras para as
quais Villares, Schurz e Greite tinham uma opção. Mais tarde, quando foram
divulgados os detalhes do acordo – pelo qual Ford essencialmente comprou terras
que provavelmente teria conseguido de graça, – começaram a circular boatos de
que o professor de Michigan fazia parte da conspiração. La Rue negou as
alegações, mas Ford não voltou a confiar nele.
“Não pense que
iríamos nos beneficiar usando-o”, foi o comentário escrito por Ford na
margem da subsequente oferta de La Rue para ajudar a colocar em operação a plantação
de seringueiras. [...]
Em
junho de 1927, delegou procurações a dois de seus funcionários, O. Z. Ide e W.
L. Reeves Blakeley, e os enviou ao Brasil. Eles foram encarregados de negociar
uma concessão de terras com o Governador do Estado do Pará, a jurisdição em que
estava localizada a propriedade recomendada por La Rue, e a incorporação de uma
empresa subsidiária pelas leis brasileiras para supervisionar a plantação. Ide
e Blakeley, ambos com 37 anos de idade, e suas esposas viajaram até Nova York no
final de junho. [...] Em Manhattam, os emissários de Dearborn foram conduzidos
em um Lincoln pelo Sr. Leahr, da filial, que os ajudou a obter seus vistos e a
se prepararem para a partida no SS Cuthbert, da British Booth Line. [...]
Em
07 de julho, o Cuthbert entrou na Baía de Marajó, uma das muitas embocaduras do
Rio Amazonas, tão enorme que só viu terra no dia seguinte. [...]
Mais
adiante da água, havia uma fileira da casas exportadoras, lojas e residências
de comerciantes, atrás da qual, na rua Gaspar Viana, a Ford Motor Company
abriria um escritório para coordenar a chegada de cargas de Dearborn e a
contratação de trabalhadores. Na praia esperavam, para saudar a delegação da
Ford, John Minter, o Cônsul americano, e Gordon Pickerell, um revendedor local
que havia acabado de se aposentar depois de 13 anos como Cônsul dos EUA. Também
estava presente Jorge Villares, a quem Blakeley cumprimentou cordialmente, fato
que Ide achou estranho, uma vez que não se lembrava do parceiro ter mencionado
qualquer contato que não fosse com Pickerell e Minter em sua viagem anterior.
Blakeley fez as apresentações, mas de uma forma desajeitada, apenas murmurando
o nome de Villares. [...]
A despeito dessas
maquinações ou, como Ide logo percebeu, por causa delas, as discussões com os
funcionários do governo brasileiro transcorreram sem problemas. Villares,
Blakeley e Ide se reuniram com o Governador Dionysio Bentes – homem que havia
concedido a Villares, Schurz e Greite a opção para as terras em questão – para
começar as negociações.
Não havia muito o que
negociar. Curvando-se, assentindo e sorrindo para superar a barreira do idioma,
Bentes disse aos homens que eles poderiam ter qualquer coisa que a Ford
desejasse. A concessão exigia a aprovação do legislativo estadual, mas isso
garantiu ele, era mera formalidade. [...]
Uma das primeiras coisas
que eles precisavam fazer era elaborar uma descrição legal do imóvel designado.
Para isso foram falar com Antônio Castro, Prefeito de Belém, que Ide achou “parecido com um macaco”.
Castro tinha a promessa de
Villares de algum dinheiro, mas ficou feliz em oferecer seus serviços de
engenheiro civil por uma taxa adicional.
Ide não conhecia a
propriedade – ficava a seis dias de barco de Belém. Mas, no seu encontro com
Castro, desdobrou um mapa do vale do Tapajós, e com um lápis preto, traçou uma
linha de 120 quilômetros Rio acima, depois uma de uns outros 120 terra adentro
e outra paralela à primeira, finalmente voltando ao ponto de partida. Um total
de 14.562 quilômetros quadrados. É um “montão
de terra”, exclamou o Prefeito, surpreso. “Não é problema seu”, retrucou Ide. “Quero apenas que você nos dê uma descrição”. O passo seguinte era
uma reunião com Samuel McDowell, o advogado do revendedor Ford local, para
elaborar os termos do contrato. Num bloco de papel amarelo, Ide, Blakeley e
Villares escreveram “exatamente o que
queriam na lei que iria ao legislativo”.
Tinham somente instruções
vagas de Dearborn; então pediram tudo o que poderiam pensar; direito de
exploração da madeira e reservas minerais, direito de construção de uma
ferrovia e pistas de pouso, de erigir qualquer tipo de edificação sem a
supervisão do governo, abrir bancos, organizar uma força policial privada,
dirigir escolas, extrair energia de quedas d’água e “represar o Rio de qualquer maneira que necessitarmos”. A empresa
foi isenta de impostos de exportação, não apenas sobre borracha e látex, mas
também sobre quaisquer produtos e recursos que a empresa quisesse enviar para o
exterior:
peles
e couros, óleo, sementes, madeira e outros produtos e artigos de qualquer
natureza. Pensamos em muitas coisas das quais nunca havíamos ouvido falar.
Disse Ide e:
à
medida que avançávamos, nós as íamos adicionando.
Em troca da generosidade de
Bentes, os negociadores da Ford obrigaram a empresa a apenas plantar 400
hectares de seringueiras no período de um ano. Eles fizeram isso para preservar
a “simetria e o equilíbrio” do
contrato e dar uma demonstração de boa-fé de que a Ford pretendia realmente
cultivar seringueiras e não apenas minerar a terra em busca de ouro ou fazer
perfurações em busca de petróleo. Blakeley supunha que seria nomeado gerente da
propriedade e que poderia facilmente limpar e plantar 1.200 hectares em poucos
meses. Então McDowell “colocou o contrato
na linguagem correta” e mandou
que fosse traduzido para o português. Quando a equipe passou-o ao Governador
Bentes, esperava que ele recusasse algumas solicitações.
Mas ele apresentou a lei ao
legislativo sem qualquer comentário, com tudo aquilo que tinha sido pedido pela
equipe da Ford. “Muito mais”,
escreveu Ide, “do que esperávamos obter”.
[...]
Bentes era homem de palavra
e, em 30.09.1927, o legislativo estadual ratificou a concessão exatamente como
havia sido composta pelos homens de Ford. [...]
Resumindo, o Estado do Pará
cedeu a Ford pouco mais de um milhão de hectares, um pouco menos que aquilo que
o advogado de Dearborn havia delineado no mapa mas, sendo quase do tamanho do
Estado de Connecticut, um vasto território. Metade dele provinha da reivindicação
de Villares, pela qual a Ford deveria pagar US$125 mil, uma ninharia
considerando-se a enorme riqueza da família.
A outra metade era de
terras públicas, que Ford recebeu de graça. (GRANDIN)
Villares lucrou na negociata 125 mil dólares em terras
que o governo Paraense pretendia doar à empresa americana. O projeto começara
mal e, antes de Ford partir para a concretização de seu grande projeto
amazônico, foi informado de que o cartel da borracha estava desmoronando,
porque os holandeses não haviam aderido a ele, mesmo assim o destemido
empresário manteve sua decisão.
Fordlândia, fruto de um golpe arquitetado por um
corrupto brasileiro, seria implantada em um terreno montanhoso e impróprio para
seringueiras, próxima à Cidade de Santarém, no Estado do Pará, à margem direita
do Rio Tapajós, na bacia do Rio Cupari, nos municípios de Aveiro e Itaituba,
numa comunidade denominada Boa Vista.
Bibliografia
GRANDIM,
Greg. Fordlândia: Ascensão e Queda da
Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva – Brasil – Rio de Janeiro, RJ –
Editora Rocco, 2010.
Solicito Publicação
(*)
Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas,
Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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