Quarta-feira, 26 de agosto de 2020 - 13h09
Bagé, 26.08.2020
Momentos
Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte XIII
Fordlândia V
Aos trancos e
barrancos, a Cidade foi crescendo e a enorme caixa d’água de 50 metros de
altura e com capacidade de 570 mil litros, símbolo da presença do Ford na
Amazônia, foi colocada em ponto estratégico de onde pudesse ser vista por todos
que chegassem à Fordlândia.
No final de
1929, tinham completado a limpeza e o plantio de 400 hectares, bem aquém da
especificada pelos administradores da Companhia Ford Industrial do Brasil. Nos
dois anos que se sucederam, mais 900 hectares foram desmatados. Apesar disso,
as coisas evoluíam ainda que lentamente. A Cidade possuía o melhor sistema de
saúde da região e as casas dos administradores, na Vila Americana, jardins
cuidados, gramados para golfe, quadras de tênis, piscina, campos de futebol,
clube e cinema.
A Revolução “Quebra-panelas”
No final de
1930, Fordlândia parecia ter superado os principais óbices, a maior parte das
instalações tinha sido concluída, a limpeza de novas áreas estava em andamento,
estradas construídas e a plantação de mudas de seringueiras prosseguiam.
No entanto, os
trabalhadores brasileiros não estavam satisfeitos com o regime espartano
imposto pelos capatazes americanos o que provocava uma enorme rotatividade
entre os trabalhadores. A pontualidade, a proibição da ingestão de bebidas
alcoólicas no perímetro da empresa, a alimentação tipicamente norte-americana,
e a sujeição a uma forma de gestão a que não estavam habituados, gerava
conflitos e diminuía a produtividade. Os brasileiros, acostumados a organizar
sua jornada de trabalho, de acordo com o Sol e seguindo o ritmo determinado
pelos períodos de chuva ou estiagem, tinham dificuldade de se habituar aos
horários ditados por uma estridente sirene e o controle rígido dos cartões de
ponto.
Em cada detalhe
ficava clara a falta de compreensão entre os dois mundos. Os trabalhadores
solteiros foram proibidos de sair da propriedade para frequentar bares e
bordéis. Em Fordlândia, era vedado o uso de bebidas alcoólicas, a “lei seca” fora exportada para a
Amazônia. O jeitinho brasileiro, incrementado pelo repentino influxo de
dinheiro, deu origem ao estabelecimento, nas cercanias da Cidade “americana”, de bares, casas de jogos e
bordéis. Os solteiros de Fordlândia usavam de todo o tipo de artifício para
contrabandear bebidas e dar uma “fugida”
até a “Ilha dos inocentes” onde encontravam bebidas e prostitutas vindas de
Santarém e de Belém.
Não tardou para
que a insatisfação com as normas americanas provocasse uma grande confusão. O
conflito teve início no novo refeitório, uma estrutura de teto baixo,
construída de metal, piche e amianto, mal ventilada, que se assemelhava a um
verdadeiro forno.
Contrariando o
acordado na ocasião do contrato, os administradores decidiram que os operários
teriam de pagar pelas refeições cuja dieta, estabelecida pelo próprio Ford, era
constituída de farinha de aveia e pêssegos enlatados para o desjejum, e
espinafre enlatado, arroz e trigo integral para o jantar.
A espera na fila
era demorada tendo em vista que os funcionários do escritório tinham de
registrar o número dos distintivos dos funcionários.
Os cozinheiros tinham problemas para manter o fluxo de
comida e os escriturários levavam tempo demais para anotar o número dos
distintivos. Lá fora, os trabalhadores se empurravam, tentando entrar. Dentro,
aqueles que esperavam pela comida se juntavam em torno dos atribulados
servidores que não conseguiam colocar o arroz com peixe nos pratos com rapidez
suficiente. Foi então que Manuel Caetano de Jesus, um pedreiro de 35 anos, do
estado do Rio Grande do Norte, forçou sua entrada no refeitório e enfrentou.
[...] Ostenfeld mandou Jesus voltar para a multidão e disse:
Tenho feito tudo por você; agora
você pode fazer o resto. [...]
A reação foi
furiosa, lembrou um observador, como “atear
fogo a gasolina”. O “terrível barulho”
de panelas, copos, pratos, pias, mesas, cadeiras sendo quebradas serviu de
alarme, chamando mais homens para o refeitório, armados de facas, pedras,
canos, martelos, facões e porretes. Ostenfeld, juntamente com Coleman, que
havia presenciado a cena sem saber nada de português, pulou em um caminhão para
fugir. [...] Com Ostenfeld em fuga, a multidão ficou enlouquecida.
Depois de
demolir o refeitório, destruíram “tudo
que pudesse ser quebrado que estivesse no seu caminho, o que os levou ao prédio
do escritório, à usina de força, à serraria, à garagem, à estação de rádio e ao
prédio da recepção”.
Cortaram as
luzes do resto da plantação, quebraram as janelas, atiraram uma carga de
caminhão de carne no Rio e inutilizaram medidores de pressão. Um grupo de
homens tentou arrancar os pilares do píer, enquanto outros atearam fogo à
oficina, queimaram arquivos da empresa e saquearam o depósito. Em seguida, os
desordeiros voltaram os olhos para as coisas mais intimamente associadas a
Ford, destruindo todos os caminhões, tratores e carros da plantação.
Para-brisas e faróis foram espatifados, tanques de gasolina perfurados e pneus
cortados. Vários caminhões foram empurrados para dentro de valas e pelo menos
um foi jogado no Tapajós. Depois eles se voltaram para os relógios de ponto e
os despedaçaram. [...]
Ladeado por soldados brasileiros armados, Kennedy reuniu
os trabalhadores da plantação e lhes pagou “por
todo o tempo até 22 de dezembro”. Em seguida, demitiu toda a força de
trabalho, com exceção de umas poucas centenas de homens. Com a Fordlândia em
ruínas e danos estimados em mais de 25 mil dólares, ele aguardou que Dearborn
lhe dissesse o que fazer. (GRANDIN)
Fracasso
A
comercialização de madeira nobre, das áreas desmatadas, inicialmente, reduziu,
o ritmo da limpeza das áreas.
A madeira
excedente que deveria ser exportada para a Europa e Estados Unidos, depois de
ser beneficiada na maior serraria instalada na América Latina foi considerada
de aproveitamento caro demais e os administradores optaram pela compra de toras
extraídas da mata pelos ribeirinhos.
A falta de
critério técnico na escolha da área com topografia montanhosa e solo pobre e
pedregoso dificultavam o cultivo mecanizado, elevando o custo de implantação do
seringal.
A despreocupação
em relação ao setor agrícola era patente se observarmos a relação dos técnicos
que vieram, em 1927, para a implantação do Projeto: havia engenheiros, médicos,
contabilistas, eletricistas, desenhistas, mas nenhum agrônomo, botânico ou
fitotecnista fazia parte da equipe inicial. Os gerentes da Ford desconheciam os
procedimentos elementares para a plantação de seringueiras, o plantio muito
próximo das mudas, a umidade elevada facilitou a disseminação das pragas
agrícolas e principalmente do seu maior inimigo, o “Mal das Folhas”, doença causada pelo fungo “Microcyclus ulei”. Estudos anteriores à implantação de Fordlândia
indicavam que a floresta era capaz de proteger a árvore dessa praga.
Isso porque a
distância entre uma seringueira e outra diminuía a intensidade do ataque. Além
da topografia e do clima, Fordlândia estava a quatro dias de barco de Belém e,
no período da estação seca, o Rio Tapajós baixa o nível de suas águas, não
permitindo a entrada ou saída de grandes navios até o porto da Companhia.
Bibliografia
GRANDIM, Greg. Fordlândia:
Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva – Brasil – Rio
de Janeiro, RJ – Editora Rocco, 2010.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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