Sexta-feira, 28 de agosto de 2020 - 14h13
Bagé, 28.08.2020
Momentos Transcendentais no Rio Madeira
Porto Velho, RO/ Santarém, PA ‒ Parte I
Estas infindas jornadas pelos amazônicos
caudais além de terem permitido, a este humilde Canoeiro, descortinar novos
horizontes, perceber outras realidades, descobrir velhas lendas e histórias
possibilitou a oportunidade encontrar velhos amigos de outras eras. Um destes
caros irmãos foi o Professor e consagrado
Historiador Dante Ribeiro da Fonseca.
Quando
o convidei para ser o prefaciador de meu livro disse-lhe taxativamente que eu
não me considerava nem tinha a pretensão de ser reconhecido como historiador,
mas apenas como um apaixonado garimpeiro do longínquo pretérito que procura
repercutir, dentro de uma sequência cronológica lógica, os antigos textos na
sua própria linguagem, sem maculá-los nem tentar interpretá-los. O dileto amigo,
então, respondeu-me:
Caro Irmão e amigo Hiram, és sim um historiador, por
formação e, principalmente, por gosto. Creio mesmo que no seu coração o
historiador é maior que o militar.
Lembras o Antônio Loureiro de Manaus, que abandonou a
medicina, mas nunca deixou de ser um apaixonado pela História. Temos isso em
comum.
Surpreendeu-me e alegrou-me teu convite, nunca pensei
em receber tamanha distinção. Aceito sim, com muito gosto farei o prefácio.
[...]
Com um T\F\A\
Dante Fonseca
Prefácio do Tomo I do Rio Madeira
Professor Dr. Dante Ribeiro da
Fonseca
Prefaciar uma obra é sempre um privilégio
concedido pelo autor a outro, um ato de generosa alienação. Explico.
Etimologicamente prefaciar, vem do latim, significa: dizer [fatio] - antes
[prae]. Aquele que produziu a obra abdica de seu direito de apresentar-se e
apresentar o que escreveu e permite que outro o anteceda nesse ato. Sendo
assim, devo agradecer ao Hiram Reis e Silva por atribuir-me essa tarefa, um
voto de confiança que, espero, faça por ter merecido. Iniciemos, portanto, com
algumas considerações.
Primeiramente convido o leitor a
uma breve reflexão. Este é um livro de viagem, por certo. De turnê pela
Amazônia, como o fizeram antes Agassiz, La Condamine, Bates ou Wallace entre
outros. Diferentemente desses, entretanto, esse livro não se reduz à fria
descrição e das impressões do autor sobre o que viu e ouviu. Há nele um pouco
daquilo que a geógrafa italiana Giuliana Andreotti definiu com uma geografia
emocional. A Amazônia também é polissêmica e o entusiasmo, a admiração do autor
por esse querido e enorme rincão de nossa terra elaborou uma obra que é
simultaneamente histórica no seu rigor e sentimental no seu plasmar.
Em segundo lugar, como bem cita
em duas partes dessa obra Hiram Silva, só
amamos o que conhecemos, a recíproca também é verdadeira, somente buscamos conhecer o que amamos. O
interesse primordial é sempre impulsionado por uma simpatia intuitiva que nos
conduz a conhecer qualquer objeto de estudo. Assim, ciência e sentimento não
são divorciados, objetividade e subjetividade são antípodas de uma mesma
simbiose cognitiva:
[...] a noção de emoção ou
sentimento é reconfirmada como a capacidade de aprender o valor de um fato ou
uma situação. [Andreotti].
Assim, dada essa riqueza de
conteúdo não seguirei, portanto, aquele roteiro tradicional de quem apresenta
uma obra, capítulo por capítulo. A obra não merece esse tratamento. Justifico
na medida em que seu escopo extrapola essa dimensão mecânica da escrita e
subjaz em cada frase e parágrafo ilusoriamente objetiva. Que me perdoem os
rigores acadêmicos, mas tal característica somente se pode imprimir com o
sentimento. Esse é o sentido do livro, que não encontraremos explicitado em sua
literalidade, mas apenas perceberemos com sua leitura atenta.
Em terceiro lugar nosso costume
tomar a atividade principal ou profissão de uma pessoa e transformar essa
característica como rótulo genérico. Se fulano é médico, professor ou militar
suas características são tais, tais e tais. Porém, cada pessoa é um universo
singular. Evidentemente, temos características que são forjadas pelo nosso
exercício profissional, mas isso não torna essas características nem únicas nem
unânimes. Assim, em que pese as virtudes de engenheiro e militar do nosso
prefaciado colocaremos aqui em relevo suas virtudes como pesquisador.
Feitas essas considerações,
passemos ao autor e à obra. Hiram Reis e Silva é Coronel de Engenharia,
professor de diversas disciplinas, entre elas Matemática e Desenho Geométrico,
do Colégio Militar de Porto Alegre [CMPA]. É membro de diversas instituições de
pesquisa e academias, inclusive é acadêmico correspondente da nossa Academia de
Letras de Rondônia ‒ ACLER. Publicou trabalhos de natureza técnica relativos à
sua formação profissional, que deixaremos de lado por não representarem o foco da
presente obra.
Ocupou-se dos Rios da Amazônia,
neles viajando e sobre eles escrevendo. Essas obras, como a que aqui apresento,
resultam de ambicioso projeto denominado “Desafiando
o Rio-Mar”. Realizando esse projeto tem conhecido todos os afluentes do Rio
Amazonas, procedendo daí livros sobre essas viagens nos Rios Solimões, Negro,
Amazonas, Madeira [v. 1], Juruá e Tapajós.
Nessas viagens, diferentemente da
antiga efígie egípcia que, diz-se, lançava ao viajante o seguinte repto:
decifra-me ou te devoro, a Amazônia fascinou Hiram Reis com uma provocação bem
ao espírito da cultura Tupi: decifra-me e te devoro. Foi devorado, e o
resultado dessa antropofagia fica registrado nessas obras.
A História, a cultura, a vida
afinal, saltam das páginas desses livros sob diversas formas. Sob a forma de
poesias que cantam nosso passado, nosso povo e nossa natureza: do lusitano
Camões a Almino Afonso, um orgulhoso filho do Rio Madeira, de Humaitá. Nas
letras dos hinos dos seus municípios como essa:
No eldorado uma gema brilha
Em meio à natureza imortal
Porto Velho cidade e município
Orgulho da Amazônia Ocidental
Do nosso irmão e brioso
portovelhense Cláudio Batista Feitosa. Também é notável o registro de grandes
autores da Amazônia: José Veríssimo [José Veríssimo Dias de Mattos] e Raymundo
Moraes, um amazônida que não tendo passado da escola primária se tornou um
grande intelectual.
Todos
eles deixados em segundo plano pela inteligência culta nacional.
A Amazônia produziu também
romances, dentre eles um, escrito pelo Tenente da Armada Imperial Lourenço da
Silva Araújo Amazonas, publicado em 1857, no mesmo ano do Guarani de José de
Alencar, porém mais realista quanto ao índio brasileiro na Amazônia [Simá ‒
Romance Histórico do Alto Amazonas].
Enquanto que o primeiro resultou
em um retumbante sucesso nacional, o segundo foi relegado à penumbra até os
dias atuais. Não cabe nos programas de ensino de literatura do nível médio,
como aliás somente cabe às vezes Inglês de Souza, que descreveu ficcionalmente
as desventuras de nosso tapuio em “O
Cacaulista”. Mais uma daquelas curiosidades exóticas da Amazônia que
eventualmente chamam a atenção dos outros brasileiros, como sua ecologia,
biodiversidade e o boto cor de rosa, que na Amazônia é boto vermelho.
Assim, o historiador se agiganta
frente ao engenheiro e militar. Dissemos que se agiganta, mas não os emudece.
Os projetos do colonialismo internacional descrito nas páginas da historiadora
Nícia Vilela da Luz ou propostos pelo militar norte-americano Maury, lembram
sempre que projetos internacionais sobre a Amazônia continuam tentando se impor
até hoje, nem sempre em atenção ao interesse dos brasileiros. Que devemos
vigiar para que essa herança que recebemos do nosso passado colonial continue
pertencendo e servindo aos nossos conterrâneos. A disputa revelada pelo clube
de engenharia quanto aos projetos Morsing e Pinkas saltam também da parte
engenheira e militar do autor.
Também, a ferrovia Madeira-Mamoré
instrumento do propalado progresso que nos traria a aplicação dos capitais
internacionais.
Foi abandonada pelos apóstolos do
progresso tão logo revelou-se deficitária. Apenas continuou a servir às
populações locais em razão da intervenção do Estado Nacional. Dizem-nos esses
eventos a respeito das questões técnicas de engenharia e dos objetivos
nacionais, mas também das questões intermináveis da política viciosa, de tão
atual permanência em sua similitude que ainda nos agridem diariamente nas
notícias veiculadas pela mídia.
Por outro lado, as cidades,
vistas com os olhos míopes daqueles que insistem em trazer na retina a imagem
do Sul Maravilha [pelo menos era maravilha há décadas atrás], são cidades
frequentemente acanhadas, sujas e maltratadas. Vistas com os olhos do
pesquisador envolvido são cidades com passado, com história, com gente, com
encanto. De fato: a beleza só está nos olhos de quem a vê. Concentremo-nos
agora mais nelas e no ambiente na qual estão imersas.
Esse Rio Madeira, que os
portugueses começaram a colonizar no século XVII, a borracha continuou no
século XIX e no qual a soja é transportada nesse nosso século. Que foi passagem
do ouro do Guaporé no século XVIII e da produção rural dos llanos bolivianos e
da borracha no século XIX. Uma História rica e interessante, trágica e
grandiosa, como sempre é a História em qualquer parte, nem mais nem menos.
Seus personagens: os índios, os
mestiços, os negros o europeu, enfim o mesmo povo e a mesma pátria, que o auriverde
pendão de nossa terra representa, constituem a população ribeirinha. O Rio
Madeira, belo e majestoso, o maior afluente do Rio Amazonas é percorrido por
Hiram Reis com o olho de estudante envolvido, que vê as cidades, beiradeiras
como somente as cidades amazônicas o são.
Porto Velho, povoação surgida
durante o ciclo da borracha. Herdeira de Santo Antônio, pois ambas resultaram
da indústria de transportes, do navio e da locomotiva a vapor respectivamente,
servindo à atividade gumífera. Singulares em sua origem na indústria de
transportes quando comparadas às outras povoações daquele Rio. A mãe, nas
décadas iniciais aleitou a filha com sua população. Humaitá, surgida do
empreendedorismo do comendador Francisco José Monteiro, ao ocupar-se da exploração
dos seringais no médio Rio Madeira na segunda metade do século XIX.
No baixo Madeira Manicoré, que
alguns declaram originada de São João Batista do Crato, pela transmigração de
sua população. Crato foi criado em 1797 no médio Madeira para dar suporte à navegação
a remo do Rio Madeira, já não existe mais. Manicoré também cresce e se torna
uma das povoações mais importantes do ciclo gumífero. Borba sua primeira vila,
no baixo Madeira. Pioneira e de História cigana. Vão se seguindo as
localidades: Nova Aripuanã, Nova Olinda do Norte.
Entramos então no majestoso Rio
Amazonas, o maior Rio do Mundo, de pronto a localidade de Itacoatiara, que pelo
Diretório de 1754 deveria se chamar Serpa, tal qual localidade de Portugal, mas
a teimosia de seus moradores fez voltar ao nome original, missioneiro. Manaus,
que no dizer de Euclides da Cunha era, antes da riqueza da borracha, uma tapera
de índios e que a zona franca fez ressuscitar da longa agonia decadente após o
fim do surto gumífero.
Assim, percorreu o canoeiro, de
caiaque, o Caiari, nome pelo qual chamavam os nativos ao Rio Madeira. Percorreu
quase à moda amazônica, afinal de contas caiaque é quase uma montaria, pois que
embarcação individual.
As paisagens, as gentes, os
contatos humanos, a floresta e a economia, o que conserva e o que destrói, a
beleza e a poesia. Desse espírito de aventureiro, do encanto e do envolvimento
do autor foi gestado o presente livro. Creio que, pretensiosamente, posso falar
em nome dos amazônidas para agradecer e parabenizar a Hiram Reis e Silva.
Alguém discordará? Nunca é demais conhecer, escrever, ler e pensar nosso país,
foi o que o nosso prefaciado realizou com competência e sentimento sobre o Rio
Madeira.
Solicito Publicação
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de
Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
· Campeão do II
Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
· Ex-Professor
do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
· Ex-Pesquisador
do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
· Ex-Presidente
do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
· Ex-Membro do
4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
· Presidente da
Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
· Membro da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
· Membro do
Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
· Membro da
Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
· Membro da
Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
· Comendador da
Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
· Colaborador
Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
· Colaborador
Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
· E-mail: hiramrsilva@gmail.com.
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Bagé, 24.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.272, Rio, RJ Sábado e Domingo, 08 e 09.02.1964 Jango Atinge sua Maior M
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Bagé, 22.01.2025 Continuando engarupado na memória: Tribuna da Imprensa n° 4.268, Rio, RJ Terça-feira, 04.02.1964 Em Primeira Mão(Hélio Fernandes)