Sábado, 20 de outubro de 2007 - 06h49
Jacy-Paraná e Mutum-Paraná têm em comum, além do sufixo que em tupi-guarani significa rio ou braço de rio, o destino entrelaçado com a construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, cujas obras são iminentes.
José Carlos Sá
JACY-PARANÁ
Com cerca de quatro mil habitantes e distante 88 km de Porto Velho, a economia de Jacy-Paraná é baseada na extração de madeira e na pecuária. O comércio local teve o seu movimento aquecido pela instalação de dez madeireiras, que se somou às duas que já existiam. A expectativa da construção de uma usina na Cachoeira de Jirau, a 40 quilômetros da localidade fez com a especulação imobiliária tivesse início e os preços dos lotes subiram de R$ 5 mil o hectare para R$ 15 mil.
Os impactos positivos e negativos que a construção das usinas causará já estão sendo objeto de preocupação por parte da comunidade, que se uniu e criou um Conselho Comunitário que fará, junto ao empreendedor, a defesa dos direitos dos moradores. Com uma rede de serviços públicos acanhada, a chegada de pessoas para trabalhar na Usina de Jirau aumentará a demanda por saúde, segurança e educação, além de saneamento básico que hoje o distrito não tem.
Por outro lado, o Consórcio Furnas-Odebrecht, ao realizar os estudos sócio-ambientais que compõem o documento Estudos de Impactos Ambientais (EIA), previu a aplicação de recursos em programas de Compensação Social, para as áreas urbanas – construção e aquisição de equipamentos para postos de saúde e ampliação do existente; ampliação da delegacia de polícia, aquisição de equipamentos e veículos; etc. – e Programa de apoio às Atividades de Lazer e Turismo, que também é uma das fontes de renda do comércio local.
Já estão previstas as seguintes Ações Ambientais: Remanejamento de famílias; Recomposição da infra-estrutura afetada (educação e saúde); Suporte à Prefeitura para reforço dos serviços públicos, inclusive com implantação de novo posto de saúde; e parcerias para implantação de tratamento de água, de esgotos e aterro sanitário.
Com o enchimento do reservatório da Usina de Santo Antônio vai manter o Rio Madeira com o nível que é comum nas cheias anuais, com isso, o Rio Jacy-Paraná que banha o setor mais antigo do distrito, também ficará com o nível de cheia, sendo necessária, por exigência do Ibama, a retirada de 87 famílias que residem até cem metros de suas margens, sendo na área criada uma reserva ambiental, com plantio de árvores da região, restabelecendo a mata ciliar.
As pessoas serão indenizadas e relocadas em casas especialmente construídas para elas em áreas a serem adquiridas pelo empreendedor, onde os moradores escolherem.
HISTÓRIA
Como outros distritos do Alto Madeira, Jacy-Paraná nasceu com a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. A empresa construtora – May, Jeckyll & Randolph – alcançou a localidade dia 31 de maio de 1910, quando ficou pronto o primeiro trecho da ferrovia, numa extensão de 90 km. Contam os historiadores que a inauguração foi solene, tendo um trem, com as autoridades, percorrido todo aquele trecho, com pompa e circunstância de praxe. As bandeiras brasileira e norte-americana enfeitavam o trem.
Até a extinção da EFMM em 1972, Jacy-Paraná era um núcleo ferroviário, constituída de uma pequena vila e a estação construída em concreto armado e um armazém para cargas. A vida gravitava em torno da estação, localizada na foz do rio que emprestou o nome ao local. A economia era baseada em produtos da natureza e na cultura de subsistência, como castanha, peixe, tartaruga, banana, macaxeira, abacaxi, farinha e cana de açúcar, além da borracha, que era embarcada na EFMM para seguir até Porto Velho e de lá pata Manaus ou Belém.
Após a extinção da ferrovia caiu na letargia, da qual não foi retirada nem com a construção e posterior asfaltamento da BR-364. Jacy-Paraná tornou-se distrito de Porto Velho na divisão administrativa do Território Federal do Guaporé (antes pertencia ao município de Santo Antônio) através da Lei 1347, de 09 de janeiro de 1951, assinada pelo presidente Getúlio Vargas.
MUTUM-PARANÁ
O impacto da construção da Usina de Jirau será muito maior sobre o núcleo urbano de Mutum-Paraná, que terá que ser todo transladado para outro local, que já foi escolhido pelos moradores e que será comunicado ao vencedor do leilão que escolherá o construtor das duas usinas.
Mutum-Paraná também tem a sua economia baseada no comércio, que se mantêm com a circulação de dinheiro promovido pelas madeireiras instaladas no distrito. Fica distante 166 quilômetros da sede do município e tem, aproximadamente, 900 moradores na área urbana da vila.
Durantes as cheias do Rio Madeira, o Rio Mutum-Paraná fica represado e alaga cerca de 90% da área, o que faz a população já construir suas casas sobre palafitas. Não há água encanada e saneamento básico.
No período em que foram realizados os estudos a comunidade foi comunicada que haverá a necessidade de deslocamento de todo o núcleo urbano para outro local. O empreendedor terá o compromisso de apoiar a seleção do local para relocação; Implantação de infra-estrutura, residências, estabelecimentos produtivos, equipamentos públicos e comunitários; e mudança para novas moradias.
Passando Pelos Trilhos
Localizada na margem esquerda do rio de mesmo nome, próximo à foz no Rio Madeira, próximo a Cachoeira dos Três Irmãos, o distrito de Mutum-Paraná foi povoado a partir da instalação ali do Acampamento 28, ainda durante a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, a área pertencia à empresa “Júlio Muller Rubber”, também de propriedade de Percival Farquhar, dono da concessão da EFMM.
Posteriormente, a locomotiva parava no posto telegráfico para ser reabastecida de lenha e de madeira, para seguir viagem. No auge do 2º ciclo da borracha, foi um importante entreposto. Ali eram descarregadas mercadorias para os seringais e também embarcavam cargas da produção de borracha, castanha, carvão e cereais, que eram enviadas para a estação de Porto Velho. A região já era conhecida por seringueiros que subiam os rios em busca do látex, no primeiro ciclo da borracha e o nome da localidade deve-se a grande quantidade de pássaros de bico vermelho, penas azuis e brancas semelhantes ao peru, chamados mutuns, que eram encontrados na região.
Os antigos moradores lembram que o trem saía de Porto Velho seis horas da manhã, chegando a Mutum duas horas da tarde. Quando havia atraso, o trem chegava às cinco horas da tarde. Os vagões sempre cheios de esperanças, de luta, de desenvolvimento. As viagens eram marcadas pela emoção das pessoas e lugares que serviam de parada entre Porto Velho e Guajará-Mirim.
A manutenção da via permanente e as viagens dos funcionários eram feitas através de vários tipos de veículos ferroviários, como a Buda, a cegonha, a litorina e o trole. Os responsáveis pela manutenção eram os chefes de linha e o capataz, que era quem tomava conta da turma. Enquanto capataz fazia a manutenção com o seu pessoal, o chefe percorria a linha sob sua responsabilidade em uma kalamazoo (um tipo litorina aberta com motor de veículos).
Com a desativação da ferrovia em 1972, o distrito passou por certo período de estagnação, enquanto seus moradores se dedicavam, novamente, à coleta do látex, nos seringais de Nova Olinda e Bom Futuro. A construção da BR-364, em direção ao Acre, deu novo alento ao lugar, pois logo em 1978 foi descoberto ouro no leito do rio Madeira e centenas de pessoas foram trabalhar nas balsas e dragas apoitadas nas proximidades da vila.
Da riqueza extraída do rio quase nada ficou no distrito. Com a escassez do ouro restou aos moradores conviver com algumas seqüelas deixadas pelo garimpo, como, por exemplo, as carcaças de balsas e dragas, que causam dano ao meio ambiente. Também ficou o desemprego, o que levou muitos moradores a deixarem a localidade no sonho de conseguir outro meio de sobrevivência.
A antiga ponte da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, ainda existente em Mutum-Paraná, na verdade são duas: construídas em arco invertido, são singulares, pois têm um apoio intermediário de concreto no leito do rio Mutum-Paraná. A ponte original destinada ao local, segundo a História da EFMM, estava sendo trazida por um navio que naufragou durante uma tempestade no Caribe. Foi feita, então uma adaptação e emendaram duas pontes, com o apoio no meio do rio. Como as demais pontes, estas foram projetadas nos Estados Unidos e trazidas desmontadas. Têm treliça virandel de perfil reto e passarela de rolamento na base inferior.
O comerciante Joaquim Gonçalves Mendes, o Belisca, construiu um restaurante em uma das extremidades da ponte, com direito a mesa de sinuca, peixe frito e cerveja. Ele também instalou uma antena parabólica, que é fixada nos dormentes da extinta ferrovia.
Texto e Fotos: José Carlos de Sá
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