Quarta-feira, 13 de outubro de 2021 - 22h43
As reportagens sobre pessoas em busca de restos de
comida no lixo ou comprando ossos estão proliferando pelas TVS e redes de
internet como algo novo, o que não é verdade. Basta puxar pela memória e lá vai
estar uma parte do Brasil à cata dos restos de comida nos lixões, nos camburões
de ingesta dos restaurantes e das feiras livres. A caminho da balada é possível
ver as kombis e vans de almas caridosas entregando um prato de sopa quente aos
desafortunados moradores de rua. Não, o Brasil do pobre faminto não é uma
invenção da pandemia e não nasceu hoje. É uma mazela antiga e que se perpetua
nos governos de todos os espectros desde os anos 60 quando recebíamos ajuda
humanitária para a “school lunch” em tradução livre, merenda escolar, dos
convênios MEC/USAID, na fase de redemocratização com o vale leite do Sarney ou o
bolsa escola do FHC. Somo um país contraditório, desigual, cruel e injusto com
o seu povo e trago um exemplo de agora.
No dia 29 uma dependente química de 41 anos mãe de 5
filhos foi presa por furtar uma coca cola, um miojo e um suco em pó no valor é
r$ 21,69 em São Paulo. Perseguida e presa pela PM disse que furtou pois tinha
fome. Seus dados estão num HC onde se revela que os filhos estão com a avó, que
sua dependência química começou aos 12 anos e que o estado é ausente na assistência
médica, psicológica e social. Para a promotora do MP, Celeste dos Santos a
prisão é ilegal, pois a ré é
semi-imputável e pede que além da prisão domiciliar, ela seja encaminhada ao CAPS
e incluída em programas sociais. Mas para chegar aqui o caminho foi tortuoso.
Sua prisão preventiva foi pedida por um promotor,
também do MP, PauoCastex, que examinou seu passado e como era reincidente pediu
a prisão para coibir novos delitos. Na sequencia a Defensoria Pública do estado
pediu a prisão domiciliar, até pela irrelevância do furto e juntou foto a fila
de pessoas pegando ossos no Rio de Janeiro para sensibilizar o juiz. Não teve
jeito. A juíza Luciana Scorza negou o pedido e recursado o TJ-SP confirmou a
decisão.
O caso em si abre possibilidades para o debate do
qual me abstenho por me faltar saber jurídico, mas cito três pontos por sobrar
indignação que preocupam: a corte superior enfrentar um caso de roubo famélico
no valor de r$21, a ação cara e contraproducente na prestação jurisdicional a
um hipossuficiente, marginalizado e relegado pelo estado, e por fim, a forma
superficial e rasa no trato da fome, da fila de ossos, do flagelo das drogas e
da ausência do estado por toda sociedade – e aqui me incluo como parte da
imprensa – num país que é o celeiro de alimentos para o mundo deixa o seu filho
morrer de fome diariamente. É revoltante.
O Brasil tem problemas estruturais e seguramente a
desorganização tributária é um deles, mas não podemos esquecer o tripé saúde,
segurança e educação, para onde são destinados em maior volume os recursos dos
impostos que o estado arrecada e que se tornam os tributários dos rios da
corrupção endêmica. Temos leis, mas desgraçadamente temos a cultura da
corrupção e a leniência que é a co-autora dessa perversão.
Um volume absurdo de casos chega às altas cortes e
por mais que esperemos, a entrega do produto “justiça” será sempre modesta ou
falha. Às questões relevantes como o respeito a direitos individuais se juntam
por exemplo a questiúncula dúvida sobre o tamanho do colarinho do chope além da
enxurrada de recursos dos políticos, seus partidos e do próprio estado, de
longe o maior cliente das altas cortes e que, por obrigação, se utiliza de
todos os recursos possíveis e acabam por prejudicar a feitura e entrega do que
é esperado pelo cidadão comum. Para atender à super demanda o sistema
judiciário brasileiro mantém uma estrutura muito cara e não necessariamente
eficiente ou eficaz, mas salta aos olhos de todos que é uma estrutura lenta e
apenas para colocar Zé de Nana na conversa, “Justiça que atrasa é como relógio
parado. Não adianta”.
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