Sábado, 26 de agosto de 2023 - 07h25
Amigo é muito mais que coisa para se guardar
debaixo de sete chaves, dentro do coração, do lado esquerdo do peito. A palavra
amigo está tão desgastada que a gente sai por aí dizendo que tem muitos,
milhares, pelas redes sociais. Não é verdade.
Hoje escrevo sobre e para um amigo perdido que, como diz a canção, um
dia volto a encontrar, não sei como, não sei onde, e embora ele nunca tenha
sido mesmo perdido, simplesmente por morar em mim. Vocês já tiveram um amigo
mais do que especial? O meu partiu há exatos 30 anos, 25 de agosto de 1993, e
não houve sequer um dia nesse tempo que não tenha pensado nele, acredite. Vou
nomear, porque se você aí também o conheceu vai lembrar dele, entender, apoiar
o valor que dou a ter podido viver uma parceria assim durante a vida.
Chamava-se Edison Dezen, e até no nome já trazia o paraíso, o Éden. O lugar que
imaginamos em sonhos para onde vão as pessoas boas.
Quando temos um amigo verdadeiro, aprendi, conseguimos poderes mágicos
como a telepatia, a linguagem do olhar; um cúmplice, para o bem e para o mal,
em uma relação onde nunca falta apoio, consideração, e até mesmo o perdão. Essa
forma de amor sublime, sólida, e até posso estar enganada, mas que vejo mais
firme do que qualquer relação amorosa ou sexual.
Sentimos saudade com a ausência, não só por aquele egoísmo básico que
muitas vezes faz até com que prendamos o espirito da pessoa, tentando amarrá-la
na Terra junto a nós, mesmo quando não há mais chances, mais cura, e que é
preciso deixar ir. Dor que já senti depois muitas outras vezes, aprendida
duramente com tantas perdas vida afora, e a partir justamente de acompanhar a
agonia desse amigo no leito de um hospital. Antes de ir, assim, ainda me
ensinou muitas coisas além de lidar melhor com o dia a dia desse ambiente cruel,
montanha-russa. Nos corredores, aprendi como algumas famílias podem ser tão
desunidas, hostis, desumanas, e como o interesse financeiro pode se sobrepor a
qualquer consideração por quem ali está.
Pude ainda, e comemoro ao longo desses anos, trazer comigo pela estrada
da vida outras amigas e amigos solidários comuns que tínhamos, e com os quais
hoje divido a dor dessa ausência; eles estão espalhados por aí e a sentem,
testemunhas de quanto todos nós perdemos, todos, disse e enfatizo, porque Dezen
fez muito pelo nosso país também. Do cuidado com São Paulo na Paulistur, hoje
chamada SPTuris, nas Campanhas das Diretas Já quando reuniu aquele tanto de
seus amigos e artistas admiráveis, como o Bituca Milton Nascimento e outros
tantos. No amor dedicado a Elis Regina que fez com que um de seus últimos
pedidos a nós fosse ser enterrado perto dela, e ali está, à sombra de um belo
suinã e suas flores vermelhas, no Cemitério do Morumbi, pedido que conseguimos
cumprir com a união de todos. Entre seus últimos trabalhos geniais está o que
fazia com Ayrton Senna que, por coincidência, morto em 94, meses depois, também
descansa no mesmo campo santo. Seria preciso muito espaço para fazer uma
biografia mínima deste que deu a mão para muitos que estão aí e talvez agora
nem se lembrem mais disso, da sua grandiosa generosidade.
Daqui, cuido dos anjos de sua coleção. Lembro dos nossos vira-latas que
criávamos livres em Ilhabela, Banzai, o Capitão, e que tantas vezes nos tiraram
daqui de São Paulo plena madrugada, correndo a longa estrada, preocupados que
estávamos com eles. Recordo agora mesmo das nossas conversas na praia em noites
geladas quando avistávamos seres de outros planetas, espíritos de outros
tempos. Ou nos divertíamos caçando latas caídas de algum Solana Star.
Hoje eu precisava dedicar e escrever pelo menos um pouco sobre ele, o
Amigo, pela data, pela saudade, e porque a cada dia mais – embora tenha muitos
amigos e amigas que sei que verdadeiramente gostam de mim - sinto e expresso
assim também a enorme falta de outros que se foram, levando pequenos pedacinhos
ou grandes momentos. Perdidos em pandemias e epidemias. De alguns que nem sei
mais onde andam. De um ou outro que bem sei onde andam, mas não entendo como
puderam me esquecer. Dos que até inesperadamente me comprovam que estão por
perto, mesmo sem estar; basta que eu peça socorro que se aproximam.
... “quem cantava chorou ao ver o seu amigo partir. Mas quem ficou, no
pensamento voou. Com seu canto que o outro lembrou. E quem voou no pensamento
ficou. Com a lembrança que o outro cantou... O que importa é ouvir a voz que
vem do coração...”
(Dedicado a Edison Dezen e a todos que conhecem o real valor de uma
amizade)
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do
Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para
homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
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