Sábado, 15 de julho de 2023 - 09h13
Não era bom, mas tem ficado pior a cada dia
flanar pela cidade. O bang bang instalado em São Paulo não tem só armas ou
balas, mas pedras, facas, velas de ignição, cotovelos, rasteiras, emboscadas e,
sempre, muita violência, com ataques de gangues claramente comandadas por
grupos organizados, influentes, bem poderosos. E impunes. Desassossego total.
De manhã à noite as pessoas – e os seus celulares – vêm
sendo caçadas sem dó nas ruas da cidade. Você anda por aí e ouve os telefones
tocando dentro das bolsas, bolsos, mochilas de quem é mais cuidadoso. Ninguém
atende. Até disfarçam para não chamar a atenção para o aparelhinho muitas vezes
comprado em dolorosas prestações e onde hoje depositam praticamente suas vidas;
hoje tudo que se precisa depende dele, do celular, do digital, dos aplicativos.
Por outro lado, muito mais comum, pedestres distraídos, abduzidos pelo aparelhinho,
pescoço curvado. Tropeçar é o melhor que lhes pode acontecer, fora serem
atropelados, por carros ou ladrões. Em um segundo, um esbarrão; o ciclista que
o toma e ainda sai rindo. Quando não é o ameaçador motoqueiro disfarçado de
entregador que ainda espanca quem não lembra a senha. Os novos bicho-papão?
Eles grunhem: “perdeu”.
Seja na consagrada esquina de Sampa, nas ruas do Centro
novo e antigo, nos bairros, praças de toda a cidade, pontos de ônibus, qualquer
horário, não há mais sossego. Ninguém consegue caminhar tranquilo, sem olhar
para trás, para os lados. Aliás, nem de carro, nem de ônibus, agora cercados
por grupos. Não se respira mais quando se é obrigado a enfrentar o
congestionamento, o trânsito lento. Surgem do nada, levam o que conseguem carregar
e somem nos meandros – pior, todos pontos bastante conhecidos.
Não são os outrora trombadinhas, meninos trapiche que por
muito tempo arrancaram correntinhas de pescoços para vender aqui e ali; não são
a antiga turma das cortadeiras, que decepavam as alças das bolsas na muvuca dos
centros comerciais. Não são mais os lendários – sim, eles existiram – ladrões
de outrora, alguns que passaram ao folclore da cidade. O que corria pelos
telhados, o que escalava prédios na madrugada, o galã sedutor.
São exércitos de jovens violentos que só podem estar sendo
controlados e protegidos por grandes organizações criminosas, tudo sob as
barbas da polícia, que apenas aparenta estar por aí enxugando gelo, “tomando
providências”. Apontam a triste – e agora móvel, andante e circulante –
Cracolândia, aqueles maltrapilhos dependentes que mal conseguem se manter em
pé. Ora, a coisa é muito maior.
Só começa no roubo. Dali em diante funciona uma verdadeira
e sofisticada linha de produção. O celular pula para outro, e outro que invade
o banco, faz transferências, contrata empréstimos para contas laranja de mais
outros. Os bancos, seus sofisticados sistemas de senhas, tokens, controles, que
param as nossas transações reais quando mais precisamos? Silêncio. Para os bandidos
os dinheiros são liberados em poucos minutos.
Como pode? É ou não é de se estranhar, e muito? Cadê que
devolvem, aliás, isso e o que é perdido nesses e muitos outros golpes, como os
boletos falsos que chovem diariamente nas caixas de e-mails? Nos telefonemas
para idosos. Nos tais “golpes do amor”. Há mortes em todos esses casos. Como
essas organizações criminosas podem não ser identificadas?
Assistimos a tudo nos noticiários, nas câmeras que
registram em detalhes as fuças e o medo dos atacados, quando não mortos. Em
grandes concentrações vemos grupos circulando e crimes ocorrendo ao nosso lado.
Só nós vemos? Amanhã tem mais. É o depois que nunca termina. Conselhos que
expelem: ande com carros blindados, circule com vidros fechados, buzine para
espantar o ladrão e outras pérolas.
Tudo fora de controle, assim como a violência em temas
sensíveis, como o feminicídio que se alastra e não há medida protetiva que seja
eficiente e resolva as ameaças denunciadas pelas mulheres. Vá a uma delegacia
prestar queixa. Talvez, com sorte, lhe deem alguma atenção. Mas o comum agora é
lhe darem, com muxoxo - sabe como é, né? “muito trabalho, não temos equipes”
...- um papel que você mesmo preenche como se fosse o escrivão e entrega ali no
balcão. Talvez vire um número na estatística. O BO é todo seu, como dizem.
Resolva-se com ele.
Salve-se quem puder. E não podemos. Não conseguimos.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
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