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Marli Gonçalves

Climão pra tudo que é lado


Climão pra tudo que é lado - Gente de Opinião

Climão, torta de climão, trocas de olhares e comentários enviesados, discussões, bate-bocas, desconfianças. O clima do momento não é de inverno, não é nem esse tempo doido que tem muito frio e muito calor nas 24 horas. É o climão variado que se espalha entre países, atletas, políticos, jornalistas, influenciadores, em continentes, espalhado para tudo quanto é lado.

Um certo prazer da discordância está no ar. Posso estar enganada, mas há uma beligerância como forma de satisfação pessoal andando solta por aí. Uma vontade de arrumar briga, e, quando obtida, o prazer de esticar a corda para ver onde vai até se romper. Entre as pessoas tenho observado isso, inclusive em assuntos banais, pequeninos, dispensáveis tanto até para se perder tempo com eles, e que viram uma avalanche, sustentada quando avança a cada passo em argumentos se tornando mais frágeis, que vão caindo, até que um vira a cara para o outro, igual criança. Falta dar o dedinho do “tô de mal com você”. Contato físico inclusive impossível, até porque a grande maioria dessas rusgas vêm se dando pelas redes sociais, na internet, nos grupos de conversa. Pelo menos nisso menos perigosas do que socos na cara, na mesa, vias de fato. Vira bloqueio, mensagem apagada, desamigação, saída pela direita, saída pela esquerda igual à Pantera Cor de Rosa.

Já está ultrapassando o divisionismo político que afeta não só o nosso país, mas o mundo todo nos últimos anos, no qual grande parte dos assuntos parecem agora ter só duas vias, frias, sem espectro, o sim ou não, este ou aquele, a favor ou contra – aceite tudo de um lado; aceite tudo do outro, nem ouse interferir. Este lado do rio ou aquele. Insuportavelmente chato. Tudo tem defeito. Nunca vi tantos especialistas em Oriente Médio, eleições americanas, América Latina, moda e roupas da Janja (ou de qualquer outra mulher que se destaque seja onde for), como fazer a melhor torta de frango, ops! Qualquer assunto dá discussão para mais de metro. As implicâncias, então, beiram insanidade. Se fez o L, o V, o XPTO.

Claro que comentaristas, todos mortais e loucos por audiência, não ficam longe disso e ajudam, incentivando. Foi quase insuportável, por exemplo, assistir às provas de ginástica olímpica feminina, que fizeram parecer mais apenas uma disputa de vida ou morte entre Simone Biles e Rebeca Andrade, com câmeras dispostas a não perder nenhum flash de olhar entre as duas para captar faíscas. E a clara decepção porque ambas estão sempre competindo na boa. Pelo menos aparentam.

O problema é que no macro é assustador a cada dia nos aterrorizarmos com as visíveis possibilidades desses desentendimentos todos virarem mais guerras, mais violência, mais mortes de inocentes que não tem nada a ver com tudo isso e estão ali no meio. No planeta globalizado acaba sobrando é para todo mundo. Daí acompanharmos atentamente eleições que não são nossas. Nos emocionarmos com a luta contra as ditaduras porque sabemos o quanto custam, quão dolorosas podem ser. Me peguei outro dia aos prantos ao encontrar, na Avenida Paulista, no dia da eleição, um grupo enorme de venezuelanos de todas as idades que estão no Brasil torcendo pela queda da besta de lá, entoando seus hinos, seus cantos, pintados de vermelho, amarelo e azul. Não pude deixar de relembrar nosso “Diretas Já!”. E passar a torcer fortemente para que consigam se livrar de Maduro e retornar à sua pátria.

Tenho, na verdade, saudade dos desafios intelectuais nos quais tanto aprendíamos, respeitosamente, para podermos formular nossas próprias opiniões. Chateada de ver qualquer bestinha que nem sabe onde está parado bater no peito, feliz de se autointitular conservador e “de direita”, arrotar que luta por liberdade e democracia enquanto faz e apela para justamente o contrário. Assim como cansada de ver quem, da “esquerda”, que tanto já se estrepou nesse país, que viveu para ver, passando pano para ditaduras, se fazendo de mouco para os problemas reais e inoperâncias, corrupção e falas deploráveis, para a inação, quando o que mais precisamos é que críticas sejam construtivas.

É ou não é? Olha o climão aí. Formado. Pronto, falei.

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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br

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