Sexta-feira, 13 de agosto de 2021 - 18h03
Nossos medos, os meus medos, os seus medos. Todo dia ouvimos falar em retomada. Flexibilização. Dá uma angústia, ao invés de alegria, por não vermos o bicho totalmente dominado. Vemos as ruas cheias, inclusive de caras de pau sem máscaras gritando suas ignorâncias. Nas cidades, o som do burburinho, das buzinas. Vacinados, muitos, mas mesmo assim, vulneráveis; uma dose, duas, três, contando com a da gripe. Você já se sente seguro?
Todos os dias ouvimos também
os ecos das variantes e suas letras gregas mais transmissíveis e terríveis;
sabemos de pessoas próximas doentes. Importantes, morrendo, mesmo depois de ter
feito tudo certo. Como passarinhos que saem dos ninhos, e acabaram atacados por
gaviões que os esperavam, silentes. Países se fechando de novo por muito menos
do que o que ocorre aqui, onde ultimamente desgraça pouca é bobagem, a começar
nas políticas, incluindo os malfeitos e a guerra das vacinas que não chegam aos
braços, mal distribuídas. A tal média móvel que nos informam num sobe e desce
infernal e ainda números absurdos de mortes e contaminações – registre-se,
essas são apenas os dados oficiais desse Brasilzão de Deus, onde um grita e o
outro não escuta. De dez mil em dez mil, fica mesmo difícil estar tranquilo.
Pouco se fala dessa angústia,
não temos ajuda real que anime a sair por aí, o que torna difícil não cuidar
apenas de um dia após o outro, e olhe lá. Medo, temor, receio, pavor.
Ansiedade, insegurança. Tudo muito próximo. Parece uma praga, uma tranca. Mais
de um ano e meio depois, a estranha sensação de que o mundo não só mudou, mas
que está travado, correndo atrás de seu próprio rabo, em círculos e ondas. Sem
saber exatamente, e o que é mais estranho, de nada, nem do tempo que as vacinas
protegem, nem de como controlar as novas cepas, o que pode vir por aí em novas
ondas, muito menos como fazer o que nós, individualmente, já estamos sendo
obrigados, a tal retomada, girar a roda. O nariz fora da porta, o pé na rua, a
vida social, uma tal vida normal que, creio, para as gerações atingidas ainda
por muito tempo de nada será normal, até que isso tudo seja pelo menos um pouco
ultrapassado.
Aliás, e até mudando de tema,
embora tudo pertença a um pacote só, os relatos sobre os problemas ambientais
que ouvimos esses dias já é outro bom motivo para tremedeiras: aquecimento
global, derretimento de geleiras, incêndios, enchentes, frios e calores
intensos – já não são mais previsões, mas o que até já estamos presenciando e
ainda há quem duvide. Tudo muito interligado, as doenças, os fatos, a natureza.
Nossa saúde.
Sou marcada, não por uma outra
pandemia que não tenho século de vida, mas por uma epidemia, a da Aids, que nos
anos 80 e 90 vivemos de perto e levou embora muitos amigos, e o meu melhor
amigo. Ela nunca passou, apenas mantém-se controlada e como há ainda hoje quem
não acredite que esta também afeta a todos, foi sendo deixada num cantinho, sem
cura, sem grandes avanços na pesquisa, mais de 30 anos depois, empurrada com a
barriga. Agora, inconformada, perdi de novo muitas pessoas importantes, trechos
de minha existência, de nossa história, a minha e a do país.
Nessa realidade do coronavírus
o mundo até levantou o bumbum da cadeira, aliás deve ter quem esteja ganhando
muito com isso. Mas não é o suficiente para acabar com o medo. E em um momento
que tudo quanto é tipo de maluco negacionista esteja aproveitando para angariar
seguidores, aproveitando o progresso nas comunicações, especialmente a
internet, para disseminar mais ainda mentiras e esse pavor que nos faz não
reconhecer mais nem os próprios familiares, amigos, vizinhos, como no piores
filmes de ficção: viraram seres possuídos por um mal para o qual, parece, não
há exorcismo, informação, livro, atestado que cure.
Escrevo sobre isso, sobre esse
sentimento que nos paralisa, porque estou vendo que pouco se fala sobre o que
passa dentro de cada um de nós, esse mal estar, e que temos sempre tanta
dificuldade para expressar. Sei que não estou sozinha e, como todos, reconheço
que não temos mais muito tempo a não ser realmente enfrentar, fazendo tudo
direito continuamente, e dando a mão a quem precisa – são muitas essas pessoas,
em todos os locais, ao seu lado – da forma que nos for possível.
Coragem. E terceira dose já!
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MARLI GONÇALVES – Jornalista,
consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no
Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. Nas
livrarias e online, pela Editora e pela Amazon.
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