Sábado, 9 de abril de 2022 - 07h01
Pronto, chegou. A santa Semana Santa começa agora, domingo, e
vai até o outro, a Páscoa. Do jeito que as coisas andam, sem pescados, com
pecados, e sem chocolate, tudo na hora da morte, sacrificados. Vai ter malhação
do(s) Judas? Ideias de personagens não faltam. Tem muitas coisas em comum, ou
para serem lembradas com o que vivemos hoje, e a celebração da Paixão de
Cristo, sua morte e ressurreição
Conta a lenda que Jesus
Cristo não aceitava o tipo de vida que seu povo levava, o governo cobrando
altos impostos, riquezas extremas para uns e miséria para outros, e sua luta
por justiça seria punida. Isso acaso lembra alguma coisa, algum lugar que
conhece?
Momento sagrado que esse
ano, ao contrário de todos, será subvertido ao bel prazer – normalmente tem
Carnaval, 40 dias, quaresma, depois vem a celebração religiosa; agora é
celebração, reza, reza, e depois, semana seguinte, Carnaval. Brasileiro não tem
mesmo problema algum em mudar tradições. Vai por decreto. Piora em ano
eleitoral, se pudessem distribuiriam ao povo saquinhos de bondades.
Mas mesmo agora nessa
semana, ao que parece, ora, ora, muitas tradições serão afetadas. Por exemplo,
na tradição católica, a Sexta-Feira Santa, a Sexta-Feira da Paixão, é dia
reservado para a prática da abstinência. Uma tradição do catolicismo preconiza
que não se coma nem carne vermelha nem frango nesse dia.
Silêncio. Não deveria
conter ironia. Mas...já que faz tempo que esses itens sumiram ou escassearam na
mesa dos brasileiros. Aí, é permitido se alimentar com peixe, ok? Claro que já
viram os preços escalafobéticos, inclusive do desejado bacalhau, mas se não
viram, deixe estar. Todos os noticiários repetirão as matérias sobre isso,
sobre preços, sobre como comprá-los, verificar seus olhos brilhantes, suas
guelras firmes, coisas assim. E que vivam as sardinhas que devem salvar alguns
pratos!
Pessoas mais religiosas
optam pelo jejum total, ou parcial, esse já disseminado na maioria da população
que ou almoça ou janta, isso quando toma um café que vocês bem sabem quanto
está custando. Tem o tal jejum intermitente que anda meio na moda para quem
acha que assim emagrece. Ou se limpa de impurezas, coisa mais besta ainda. Má
notícia: os médicos dizem que tal intermitência pode até fazer com que quem o
faça engorde ainda mais!
Mas voltando à nossa
celebração religiosa, feriado prolongado, que já deve estar assim de gente
arrumando malas para cair fora para alguma gandaia. Não dá nem para ficar
falando muito que, se não tem carne, não tem frango, não tem peixe, se opte por
vegetais e frutas, produtos naturais. Não dá, inclusive, porque não quero
arrumar encrenca com os pecuaristas que arrumaram treta até com o banco
poderoso, e por muito menos que isso. Invocaram com o movimento dos
vegetarianos que existe há anos – as “Segundas sem Carne”. Se bem que, em
protesto, eles fizeram churrascos nas portas das agências, e vai que sobra uma
picanha, uma maminha, uma costelinha... Mas ainda é melhor deiar para lá que
encrencar com poderosos crucificou Jesus.
Desde menina, lembro,
morria de medo de errar nesse dia e comer alguma carne – e sempre a gente ou
esquece ou passa uma tentação pela frente. E claro que aqui ou ali quando se dá
conta já está mastigando o proibido. A ideia do pecado, da punição, da culpa,
sempre tão presente na religião. Oh, céus!
Aí chega o Sábado, de
Aleluia. Dia de Malhação, que não é a da tevê. Malhação do Judas. Coisa até bem
violenta. Tradição: juntar um monte gente para, divertindo-se, espancar, dar
pauladas, arrastar por aí um boneco, espantalho, em geral primeiro dependurado,
meio enforcado, do tamanho de um homem, forrado de serragem, trapos, qualquer
coisa. Correr com ele, e depois tacar fogo, em geral ao meio dia. Aqui em São
Paulo era até bem comum ver mais disso. Mas todo ano aparece algum, em algum
lugar, algum bairro, já que sempre personifica, com placas ou máscaras, alguém
malvisto do momento, políticos em geral, malfeitores do povo. Como disse, mais
um ano em que a lista é enorme, difícil até de decidir, de candidatos. À
eleição. E a virar Judas.
No domingo, os coelhinhos
que se livraram de virar assado já que não temos o hábito de tê-los no cardápio
normalmente, surgiriam como símbolo de renovação, ressurreição (quase virando
lenda, dada a impossibilidade financeira e o oportunismo dos fabricantes), e
trariam alegremente ovinhos de páscoa, de chocolate, para as crianças.
Como vemos, anda
impossível até manter o mínimo de tradições. Pelo que parece a única mais
garantida, que mudam até de data, ópio do povo sem pão, fora de época, é
completamente pagã.
Assim vamos indo. De
fantasia em fantasia.
E Evoé, Baco!
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MARLI GONÇALVES –
Jornalista, consultora de comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de
Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para homens também, pela Editora
Contexto. (Na Editora e na Amazon). marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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