Sábado, 10 de fevereiro de 2024 - 08h10
Se bem que Carnaval, Carnaval mesmo, pensa bem, nunca passa ou acaba por
aqui, onde tudo vira o próprio, carnavalizado, e inclusive isso é o que ajuda a
que nada seja enfim solucionado. Passam solenes pela “Avenida Brasil” a
alegoria, as alas, as testemunhas, os atores, a gente aplaude ou vaia, e a
coisa se repete em seguida, como um mantra.
Acontece um fato. Noticiado, esmiuçado, repercutido, agora também uma
loucura nas redes sociais onde, se você é um dos que as acessa e à repercussão,
sabe muito bem ao que estou me referindo e nesta semana tivemos um exemplo
literalmente flagrante, com vídeos, explicações, prisões, documentos, caras
pálidas e lavadas em todas as instituições. Um lado (que coisa chata essa de
pensar que só existem dois lados dessa questão!) solta rojões, comemora, cria
memes e charges e o “outro” reclama, ameaça, briga, baba, solta mentiras, tenta
explicar até o inexplicável, defende, chama exércitos de robôs. Em um dia,
segundo um instituto de pesquisa, foram 56 milhões de citações. A favor e
contra, e como tudo virou a maldita divisão...Mais pra cá ou pra lá.
Parece que somos todos idiotas. Que precisam sempre ser conduzidos a um
curral moral ou outro, porque não teríamos opinião própria ou capacidade de
discernimento ou crítica. Cada vez mais comum e aborrecido, além de
emburrecedor, inclusive na imprensa que fica, parece, tomada de muita alegria,
excitação, certezas, duelo por fontes, declarações, e até adivinhações, e vai
ao ar ou publicada já editorializada.
Acaba que tudo termina no mesmo rolo, até que apareça outro. Aconteceu
durante anos com a Lava Jato, e estamos vendo no que deu. Ou melhor, no que já
até já está virando novos enredos para os carnavais seguintes, e com tramas
fantásticas e difíceis de desvendar. Se não acompanhou o caso, acredite, tudo
já vinha mesmo repleto de falhas graves, aberturas para questionamentos
futuros, improvisos, furos impressionantes. Um molde que continua sendo usado.
Daí tudo virar apenas Carnaval o ano inteiro. Aguarde só os próximos lances
seguindo a Quarta-Feira de Cinzas. Será que agora vai?
Acontece todos os dias com o noticiário sobre violência, onde nem mais
conseguimos contar o número de vítimas entre inocentes, culpados ou
“suspeitos”, cada vez mais termo usado – os tais supostos suspeitos, mesmo que
filmados, condenados, e sempre como se imparcial isso fosse - muitas vezes
duvidando até da mais cruel realidade.
Dizem que no Brasil tudo é futebol. Acrescento, assim, que também tudo é
Carnaval. Cheios de máscaras, fantasias, foliões, paixões efêmeras e um certo
embebedamento, letargia. Nos últimos anos vivemos envolvidos nesse baile,
perigoso baile. Com possibilidade, perigo, como agora ainda melhor informados,
inclusive, de fechamento de tempo, de retorno ao que já tivemos de mais cruel.
Sabíamos disso? Sim. Porque então deixamos que isso transcorresse como
normal? 8 de janeiro não foi o único ápice. Tivemos um dia a dia pavoroso
antes, durante quatro anos, no meio da mortal pandemia. Há tempos vemos a
bandeira nacional ser usada como logotipo até de uma tentativa de guinada para
o nevoeiro, para uma nebulosa e esburacada estrada. Ficamos esperando que
apenas alguém, algum herói – e eles, acredite, não existem – parasse esse
curso, vergando ou o manto negro da toga da Justiça, ou até mesmo a faixa
presidencial.
Não cuidamos do quintal quando devíamos. E o mato crescendo; as ervas
daninhas continuaram – e visivelmente continuam - a brotar, tornando cada vez
mais difícil arrancá-las para a primavera, e porque ainda muitos as confundem
com as flores da liberdade.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação, editora do
Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres. E para
homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em São
Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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