Sábado, 19 de fevereiro de 2022 - 07h06
Respeite a imprensa. No front de que falo eles estão lá é para você
saber das coisas. Não se esqueçam deles, estão ali na frente de muitas batalhas
e não falo só em guerras militares, mas da guerra pela informação. Eles ouvem o
relato de situações dramáticas. Vão atrás de histórias pessoais de cidadãos que
perderam tudo, têm diante de si a visão da morte. Fotografam seus rostos,
filmam, sofrem junto. E deles ainda se espera imparcialidade!
Eles choram diante das câmeras, não se aguentam, homens e
mulheres, profissionais gabaritados ou “focas”, iniciantes, como vimos tantas
vezes essa semana em mais essa tragédia pavorosa na serra fluminense. Não
conseguem se conter, nem poderiam. Estão ali, com os pés afundados na lama,
muitas vezes sem dormir, sem comer, e muito menos ganhar bem para isso.
Acompanham as equipes de resgate, consolam familiares, veem corpos sendo
retirados de escombros. Crianças mortas, perdidas, órfãos. Destroços. Nunca
mais vão esquecer essas cenas, acredite. São imagens e histórias que nos marcam
para sempre.
Poderiam também ser as suas próprias histórias. Conheceram
algumas das vítimas.
Não são só essas grandes tragédias que fazem parte do dia a
dia dos repórteres. Ainda essa semana, dia 16, foi comemorado o Dia do
Repórter, entre tantos dias que se comemora imprensa, dia disso, dia daquilo,
mas pouco se valoriza de verdade. Nas ruas são profissionais que sofrem - e têm
sofrido ainda mais ultimamente e com o incentivo do atual desgoverno - ataques
de todos os tipos.
Volto ao esse tema porque tenho dois amigos internados em
UTIs em Brasília exemplo disso, e do que viver essa nossa profissão pode causar
na saúde. Dois dos maiores repórteres fotográficos de nosso tempo, Orlando
Brito e Dida Sampaio, estão lutando por suas vidas. Brito, com graves problemas
gastrointestinais; Dida teve um AVC. Autores de imagens que marcarão para
sempre nossa história, quem os acompanha sabe o que passam na cobertura
política, enfrentando agressões inclusive físicas de malucos de verde e
amarelo, que deveriam estar sim em cercadinhos, onde se aglomeram para
glorificar o tal mito inexistente, mas as grades deveriam estar bem fechadas,
com cadeados, para que nós, a sociedade, pudéssemos estar protegidos de suas
sandices.
Nos últimos dois anos de pandemia vimos repórteres em
portas de hospitais e UTIs, muitas vezes eles próprios com seus familiares
doentes ou internados. Ou mortos. Temos sabido de muitos afastamentos do
trabalho, por estresse ou pelo seu acúmulo máximo, a Síndrome de Burnout, a
exaustão extrema. Não sabemos se eles têm tido acolhimento de suas empresas.
Sabe-se sim, diariamente, mas é do passaralho voando nas redações, com
demissões de alguns dos melhores; alguns por estarem sendo considerados
“velhos”, e que levam com eles a experiência histórica do que já presenciaram
em suas vidas.
Comecei muito cedo na profissão, onde já somo 45 anos como
jornalista. Há alguns anos afastada desse afã do dia a dia, com o trabalho
voltado para o site e em comunicação e consultoria empresarial, jamais esqueci
trabalhando em grandes veículos os diversos momentos da vida de repórter em
situações de grande pressão, como rebeliões em presídios, acidentes, crimes
violentos, protestos, mortes de personalidades, embates políticos ainda na
ditadura. Sobrevivi a chefes sentados confortavelmente em suas cadeiras.
Sobrevivi ao preconceito contra mulheres nesse trabalho – vocês nem imaginam a
dimensão! Fui moldada nessa batalha.
E ainda sinto na pele como se estivesse em cada situação dessas
enfrentada pelos colegas no front.
Me sinto no dever de honrá-los e defendê-los. De aplaudir e
torcer para que sejam fortes. E rezar para que se recuperem de tudo isso que
nos mata internamente, nos deixa doentes. Do corpo e da cabeça.
Respeitem a imprensa. E as equipes de reportagem nas ruas.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
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