Sábado, 12 de março de 2022 - 12h25
Deu-se que lembrei nada mais nada menos do que de Sansão, aquele, o
guerreiro bíblico, da força descomunal nos cabelos, da loucura por mulheres
bonitas, que viveu a vida em guerra e vinganças.
É sanção sendo atirada de um lado a outro. A palavra da
semana, igual aos bombardeios cruzando o globo. Eu não compro mais isso, você
não recebe mais aquilo. Ameaça vai; ameaça vem. Vamos ver no que vai dar o tira
e põe. Sobra, claro, para todo o mundo, que acaba entendendo o que é sanção bem
na própria pele, vide o absurdo aumento dos combustíveis que vai impactar ainda
muito mais nosso suado e surrado dinheirinho. Na cadeia inflacionária
descarrilada - e que só por acabar de ser informada do aumento já sai apitando
nas esquinas, nas feiras, no supermercados num batida maldita que só trará mais
miséria. E universal.
Muito louco como quando passamos por tempos difíceis como
os que estamos vivendo coletivamente, de guerras, doenças, notícias esquisitas,
de um tudo ao mesmo tempo agora, vem à nossa cabeça a lembrança de cada coisa,
Igual sonho que puxa da memória o inimaginável, sabe-se lá onde estava
guardado, e para onde volta depois.
O tal Sansão, antes que esqueça de frisar, não é personagem
do cotidiano pessoal, já que por acaso histórias bíblicas, a própria Bíblia,
admito, é para mim um estranho emaranhado de personagens, e não gosto nem um
pouco de mexer com religião. Aliás, ultimamente só de ouvir falar em mito tenho
urticária.
Lá, muitos personagens se destacam mais que outros, viraram
expressões populares de fatos, como Caim e Abel, traição, assassinato entre
irmãos. Muitos outros exemplos.
Aficionada, sim, mas pelas mitologias, onde também seus
personagens esbarram entre si, gregos, romanos, cada povo contando seu lado. No
caso, Sansão tudo a ver com Hércules, ambos fortes, másculos, violentos, e com
mulheres tecendo suas histórias, em um caminho da destruição, da luta pelo
poder, ordenamentos, opressão, divisões políticas e crenças.
Sansão nasceu durante uma guerra, com sua nação lutando
contra os filisteus. Já nasceu com a missão de ser o libertador de Israel, um
Nazireu, homens israelitas dedicados a servir a Deus. Eles tinham que se abster
totalmente de álcool, nunca tocar em um cadáver ou cortar o cabelo. Daí seus
longos cabelos serem tidos como símbolo de força – dada por Deus, aquele que dá
e tira. Força que teria acabado e ele sendo aprisionado, cegado e torturado por
confiar em uma mulher, que conhecemos como Dalila, que o vendeu por moedas aos
inimigos ao descobrir seu segredo e tosar sua cabeleira. Seu final foi a
própria morte, mas levando consigo um bom punhado de inimigos, assim que o
cabelo cortado cresceu. E entrando para a história infinita como um herói
bíblico. Cheio de recados com moral.
Resumi bem, porque assim vejo a guerra. Vítimas de todos os
lados e banho de sangue, pelo poder. Claro que hoje temos ainda o terror
nuclear, aquele boom do qual ninguém quer ser testemunha. Mas o crescendo que
assistimos de explosões, foguetes e êxodo de milhões parece coisa antiga,
aquela mesma que juramos há mais de 75 anos atrás que não se repetiria. O que
mudou, o que é mais “moderno”, são as forças de cada lado, globalizadas, as
nações envolvidas que ultrapassam o continente em questão, os tiros políticos
com as balas de sanções que atingem distâncias muito maiores. Dezenas de
gigantescas empresas e corporações que abandonam a Rússia nesse momento vão
manter seus funcionários com salários, segurança, amor, carinho, leite e pão
nesse período que já se mostra incalculável, seguidos acordos de paz
fracassados?
Sanções também são censura. Não é que eu acabo de me por em
risco falando do Sansão? Acredite: a Câmara votou urgência em projeto que
proíbe o uso da palavra Bíblia fora do contexto desses caras que dela se
apossaram.
"Fica terminantemente proibido os termos 'Bíblia' e/ou
'Bíblia Sagrada' em qualquer publicação impressa ou eletrônica de modo a dar
sentido diferente dos textos consagrados há milênios nos livros, capítulos e
versículos utilizados pelas diversas religiões cristãs já existentes, seja
católica, evangélica ou outras mais que se orientam por este livro mundialmente
lido e consagrado como Bíblia", primeiro artigo do projeto de autoria do
tal deputado Pastor Sargento Isidório (Avante-BA).
Aí vocês me perguntam. No meio de tanta coisa importante
para se fazer, cuidar, resolver? Veja bem. E vou piorar a situação quando
explicar que eles fizeram isso porque acreditam piamente que há quem esteja
planejando uma Bíblia gay. Sem comentários.
O que foi que nós fizemos de mal para termos de aguentar
essa sequência assassina de bombardeios de ignorância, preconceito, descasos,
bobagens, retrocessos dia e noite aqui em nosso sofrido país?
Não admira os cabelos brancos revoltos pululando na cabeça
de uma população que só queria deitá-los e dormir em paz. E que acordam sem
eles, sem forças.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon).
marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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