Sábado, 15 de março de 2025 - 08h02
É incontrolável. Minha vida inteira precisei me
manter sempre alerta, e acredito seriamente que ultimamente muitos de nós têm
tido essa mesma sensação e atitude quase obrigatória para sobreviver, seja na
selva de pedra, nos campos do Senhor, nas águas revoltas, onde for. Às vezes
não adianta, mas pode ajudar a se salvar.
O meu caso junta diversos fatores. Mais leve, o signo de
Gêmeos, Mercúrio, asas nos pés, como característica. Segundo o IA do Google,
entre outras, geminianos são curiosos e têm sede de conhecimento, além de
adaptáveis e de conseguir se ajustar a diferentes situações. Mas outro fator é
a profissão – jornalista - a qual me dedico há 46 anos, e isso contando só de
quando me formei, já trabalhava bem antes. É preciso estar informada, antenada,
ter curiosidade, estar pronta a reagir prontamente a qualquer eventualidade. Um
estado de sentinela, de constante tensão e atenção. Fora a alma de repórter,
digo alma, mas às vezes penso se não é quase um vício. Pode ser. Isso já me
botou em situações que nem conto, são muitas, inclusive com risco de vida.
Mas, olhem só, vivo em São Paulo, e a coisa aqui não é que
está brava, sempre esteve – parece apenas pior com a crise na segurança pública
– de um lado, bandidagem; de outro, a polícia com sangue nos olhos. Hoje mesmo,
dia em que escrevo, bem cedo acordei assustada com o barulho de muitos tiros.
Fiquei ali pensando, não deve ser, tentando me aninhar e dormir de novo. Não
demorou e o barulho de helicópteros sobrevoando a área tornou impossível
continuar na caminha, para onde já tido ido um pouco mais tarde por conta de um
“incêndio” a apagar, como chamamos quando algo exige atuação rápida.
Foi ligar a tevê e saber que mais um tiroteio depois de uma
tentativa de assalto tinha ocorrido na avenida importante a pouco mais de um
quarteirão de distância – ferindo uma pessoa que não tinha nada a ver com o
caso, e que apenas caminhava por ali, a vice-consulesa da Colômbia, atingida no
abdome por uma bala perdida. Um policial à paisana reagiu ao presenciar o assalto
à passageira de um táxi, de quem tentavam roubar um celular, o terrível motivo
de mortes e ocorrências absurdas que temos notícias. No mesmo local há menos de
um mês até cheguei a filmar o final de outro tiroteio, ladrão morto no chão,
sangue, policiais espumando. Isso porque moro numa área dita nobre. Imagino a
periferia. Imagino também o dia a dia no Rio de Janeiro.
Não é por menos que andamos assustados. Qualquer som,
barulho. Aproximação de uma moto. Cuidando de esconder pertences, e se
escondendo fortuitamente em cantos para usar, atender o telefone. Difícil até
ler algum Alerta Severo, que tem sido comum receber com todas essas loucuras
climáticas.
Penso que as organizações criminosas montam exércitos de
jovens, e que estes devem estar sendo obrigados, como em empresas, a cumprir
metas. Sei lá, um número X de celulares para abastecer os comandos - e que se
não os “coletarem” serão punidos de forma grave. Estranho, soube outro dia
mesmo que muitas das crianças aqui da região diariamente vistas vendendo panos
de prato também já são desde cedo obrigadas a cumprir uma meta e vender todos
os da caixa que carregam – se não o fazem acabam espancadas pela família.
Mundo cão esse que desde cedo impõe tanta maldade.
Estar sempre alerta – como disse, é incontrolável – mas
cansa muito, podem imaginar. Meu irmão fica bravo, briga comigo por conta das
coisas que leio, vejo, acompanho, percebo – inclusive muitas sem qualquer
importância, até admito. Como tem sido comum verificar e sofrer com mais uma
casa derrubada para dar lugar a um prédio sempre horroroso, e enterrando parte
da memória urbana, cada vez mais ação agressiva.
De qualquer forma, no meu caso, estar sempre alerta, como
costumamos ouvir falar o Vigilante Rodoviário, Carlos Miranda, recentemente
falecido, ao lado de seu pastor Lobo, série criada por Ary Fernandes e que
acompanhou a infância de muitos, me salvou a vida algumas vezes.
Também me rendeu boas histórias. O problema é que é um
estado mental que esgota, e para o qual deveríamos ter alguma alternativa,
conseguirmos ao menos relaxar de vez em quando. E isso anda quase impossível,
tento explicar a um amigo querido que sempre me lembra da praia, do mar, que eu
deveria mudar para lá ou tentar seguir a serenidade de minha gata. Ah, isso
porque ele não viu o pulo que ela deu ao ouvir os tiros hoje pela manhã,
correndo para se esconder debaixo dos meus lençóis!______________________________________________________
MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. (Na Editora e na Amazon). Vive em
São Paulo. marligo@uol.com.br / marli@brickmann.com.br
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