Sábado, 6 de novembro de 2021 - 10h47
Tudo
o que temos passado nos últimos tempos nos faz pensar bastante sobre o que
temíamos e evitávamos, como a morte. Ao mesmo tempo, reforçamos nossa vontade
de também sermos mesmo imortais; de alguma forma, imortais – jamais sermos
esquecidos. Só esperando que seja pelas coisas boas que fizemos
Na Academia Brasileira de
Letras a atriz Fernanda Montenegro acaba de ser eleita em grande estilo e alta
votação para ocupar a Cadeira 17, que assumirá em março do ano que vem. Não vai
ser problema para quem já deu vida a tantos personagens assumir mais este
papel, embora agora na vida real. Já vejo a Fernanda um pouco sem jeito vestida
com seu fardão majestoso, uma calça e a blusa sem fecho, verde-escuro, oliva,
inspiração militar, bordado com ramos de café em fios de ouro sobre cambraia. A
cara roupa dos imortais para as cerimônias. Talvez até já em companhia de
Gilberto Gil, então possivelmente eleito para a cadeira de número 20, eleição
marcada para a semana que vem. No momento há quatro vagas a serem preenchidas
até o fim deste ano, nas próximas quintas-feiras.
O modelão, calculado em torno
de 70 mil reais, tradição, é pago pela prefeitura do lugar natal do
homenageado, ou o Estado, quando o município não tem condições, o que não é bem
o caso do Rio de Janeiro. O festeiro Eduardo Paes já está todo ouriçado para
isso, com o dinheiro dessa imensa e aberta carteira pública.
Mas Fernanda Montenegro, de
alguma forma, já era imortal; assim como, acredito, Gilberto Gil. Lembro também
do meu querido amigo imortal (sim, orgulho!), o escritor Ignácio de Loyola
Brandão. Imortal, fantástico, genial, ganha cadeira. Mas esses que cito, entre
outros que estão lá, já são, já eram muito e bem conhecidos, no Brasil e no
exterior. Fico pensando na dificuldade eleitoral de outros escritores e poetas
menos conhecidos diante de celebridades como essas, embora certamente tenham
referências para pleitear uma vaga. Uma cadeira. E assim passar à eternidade –
imortal literata da ABL.
Mas nós, os “mortais”, os
simples, creio que no íntimo também queremos todos ser imortais nas variadas
formas e sentidos da palavra - quem tende a sobreviver com seus legados através
dos tempos, permanecendo na memória de gerações posteriores: vida e
ensinamentos imortais; eternos, permanentes, imorredouros, imperecíveis.
Aqui pra mim tenho vários
imortais. Mortos, sim, mas inesquecíveis. Alguns ainda vivem inclusive no meu
coração e nas minhas lembranças. Você aí também deve ter uma listinha. Falo de
pessoas próximas com quem tive o prazer de conviver e de alguma forma até
sentir a missão de continuar perpetuando nas intenções às quais eles dedicaram
suas vidas, muitas até bem curtas do meu ponto de vista – mais vivessem, muito
mais fariam.
Essa pandemia, inclusive,
levou abruptamente muitos deles de nosso convívio, e apenas nos consolamos de
alguma forma porque deixaram conosco seus legados. Legados os mais variados, como
as lutas que empreenderam por nós e pela liberdade. Pela generosidade com que
nos trataram. Pelo amor com que nos puseram no mundo e nos criaram. Pela
coragem que tiveram diante dos infortúnios, das ameaças sofridas. Pelo
pioneirismo com que abriram caminho para que nos tornássemos melhores. Pelos
estudos que consumiram suas vidas e que hoje facilitam que nós também de alguma
forma busquemos nossa própria imortalidade e reconhecimento, mesmo que este
seja apenas para alguns poucos. Mas que estes poucos continuem levando nossos
nomes para frente.
Vivemos agora em um espaço de
tempo bem louco. Os 15 minutos de celebridade cantados um dia por Andy Warhol
foram modificados para instantâneos segundos, minutos, posts, escândalos,
polêmicas substituídas continuamente e se evaporando no ar. Registradas, sim,
em tempos digitais, onde praticamente todos podem ser encontrados em pesquisas
do Google – a mais contemporânea forma de imortalidade. Inclusive do que
porventura tenhamos feito de ruim. Aliás, o mundo e o nosso país está cheio
desses seres marcados pelo terror.
Os que tanto mal nos fazem
serão bem mal lembrados. Eternamente. Passarão para a história como máculas.
Enfim já somos todos imortais,
mesmo que sem cadeira numerada. Mesmo com nossas roupinhas simples. Que sejamos
infinitos.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de
comunicação, editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom
para mulheres. E para homens também, pela Editora Contexto. Nas livrarias e
online, pela Editora e pela Amazon.
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