Sábado, 9 de outubro de 2021 - 09h15
Que o vermelho do sangue de todas ao menos nos una nessa batalha.
Especialmente me dirijo às mulheres, apelando à sua sensibilidade sempre mais
aflorada. Somos mais da metade da população. E, como mulheres, porque
entendemos o que significa, porque sabemos o que é, do que exatamente trata e
de como nos sentimos nesses dias, temos a obrigação de reagir fortemente ao
veto desse ser, desse governo maldito, à distribuição de absorventes higiênicos
às meninas, às mulheres pobres, das ruas, dos presídios. Mais de cinco milhões
de mulheres foram atingidas pela insensibilidade que marca esse triste momento
do país, governados por gente que constantemente nos desrespeita e que parecem
nos odiar
Dormem nas ruas, jogadas no chão, ao lado de ratos, ratos
homens e ratos bichos, o sangue escorre e elas não têm nem ao menos como se
lavar. O sangue chega a coagular em suas pernas, atrai animais, insetos, causa
infecções que as adoecem e matam. Não têm direito a um mínimo de dignidade,
dependem da generosidade alheia e da sua própria força pela sobrevivência. Pão!
Li que algumas usariam miolo de pão para conter a menstruação. Tá. Se não têm
muitas vezes nem o pão para se alimentar! Usam qualquer coisa que acham nas
ruas, jornal, panos velhos. A realidade não é como na literatura de mulheres
libertárias que propõem deixar escorrer o sangue da menstruação como marca da
força feminina. Estas têm água para se lavar, suas teses para defender, e seu
sangue é usado como força; têm casa, comida, roupa lavada.
As mulheres, nas ruas, acabam por terem infecções
terríveis, não sendo raro perderem seu sistema reprodutivo. Nos hospitais e
postos de saúde muitas vezes, tal é a situação se encontram quando chegam,
cheiro forte, que causam nojo e pouco são tocadas, cuidadas, atendidas. Essa é a
realidade.
Estudantes pobres, no sistema público – só elas somam
quatro milhões no Brasil - perdem aulas – não vão às escolas porque não têm
como se proteger nesses dias, como fazer higiene e como conter a vergonha
diante de todos.
Um assunto escancarado durante a pandemia que fez ainda
mais pobres e miseráveis, o custo desse item tão básico e tão importante da
higiene – absorventes menstruais - os tornou inacessíveis a muitas mulheres,
mais do que já eram, muitas já obrigadas a usar toalhinhas ou chumaços de algodão
e papel higiênico como nossas antepassadas criativamente faziam; quando podem,
claro. Porque nem isso mais é possível para muitas.
O veto de Bolsonaro ao projeto de lei que finalmente daria
alguma dignidade e fim a essa situação que perdura há tantos anos – pobreza
menstrual – é de uma covardia, maldade, violência, quase incapaz de ser
descrita em palavras. Por tão pouco se faria tanto, tão bem. Mas esse governo
masculino, incorreto, incapaz, tenebroso, cruel, parece não ter limites em sua
caminhada nos levando ao horror. Dizem que não tem dinheiro, ousam dizer que
não têm recursos para tal que, pelos cálculos do projeto, custaria pouco mais
de 80 milhões de reais por ano, em média 7 milhões de reais por mês,
distribuindo (só, mas ajudaria) oito absorventes por mês, a 1 centavo cada.
Seria dirigido às necessitadas, moradoras de rua, estudantes de baixa renda e
distribuídos nas cestas básicas distribuídas pelo Sisan (Sistema Nacional de
Segurança Alimentar e Nutricional). As receitas viriam do programa de Atenção
Primária à Saúde do Sistema Único de Saúde (SUS). No caso das presas, os
recursos viriam do Fundo Penitenciário Nacional.
Agora aguardamos – exigimos – que esse veto seja derrubado
pelo Congresso, o mínimo que podem fazer, e para o qual estaremos atentas.
Não têm dinheiro? Alegam que seria crime de
responsabilidade fiscal? Ah, mas para fazerem passeios de motocicleta, viagens
com pencas de assessores por aí, gastarem seus cartões corporativos, pagarem
salários gordos, roubar e deixarem roubar, mandarem seus dólares para paraísos
fiscais, comprarem e mandarem o Exército fabricar remédios ineficazes que
empurraram nos doentes, para isso nunca falta. Onde anda a Justiça e sua
balança sempre pendente para um lado só?
Indignos, cuidam das rachadinhas em seus gabinetes,
ironicamente. De lá, de suas decisões malditas verte o vermelho do sangue,
menstrual ou não, de tantos brasileiros e brasileiras, vermelho que dizem e
repetem - como bobos - não quererem na bandeira nacional, mas que cada vez mais
a mancha.
E mancha de sangue é difícil de tirar. De nossa memória,
não sairá. Eles não perdem por esperar.
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MARLI GONÇALVES – Jornalista, consultora de comunicação,
editora do Chumbo Gordo, autora de Feminismo no Cotidiano - Bom para mulheres.
E para homens também, pela Editora Contexto. Nas livrarias e online, pela
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