Terça-feira, 15 de maio de 2018 - 17h06
Juan Manuel Santos (Bogotá, 1951) deixará em agosto a presidência da Colômbia depois de dois mandatos centrados em conseguir um acordo de paz com as FARC. Esse processo lhe valeu o prêmio Nobel da Paz, mas abriu uma etapa de intensa polarização social. A guerrilha se desmobilizou, entregou as armas e se transformou em uma força política, em uma transição para a vida civil salpicada de obstáculos. Depois de liderar durante oito anos um Governo de coalizão, Santos passará o bastão ao vencedor das eleições de 27 de maio.
As pesquisas apontam como favorito Iván Duque, o candidato do ex-presidente Álvaro Uribe, principal detrator dos acordos. No entanto, o atual presidente, que recebeu o EL PAÍS na Casa de Nariño antes de viajar para a Espanha, avisa que a paz é irreversível e ninguém poderá dar marcha ré. Ele participa em Madri de um café da manhã com o ex-presidente espanhol Felipe González.
Há oito anos, quando assumiu o cargo, o sr. chamou os colombianos à unidade. Mas a sociedade hoje está dividida. O que falhou?
Fiz o que fez o presidente Lincoln, dos EUA. Chamei meus rivais de campanha para fazer parte do Governo e criamos a unidade nacional com os partidos mais representativos. Conseguimos levar a cabo a maior quantidade de reformas constitucionais e leis da História deste país. Essa unidade se dissolve com as próximas eleições porque haverá outro presidente.
Há paralelamente uma polarização, infeliz, não buscada pelo Governo, que foi gerada em torno da paz, mas que é produto também do que está acontecendo no mundo inteiro. Espero que o país possa ter alguns denominadores comuns que nos permitam nos unir em torno de certas causas. Porque é o que qualquer sociedade deve buscar.
A paz foi o eixo central de seu Governo, apesar de a aplicação dos acordos ter recebido críticas. Inclusive Humberto de la Calle, que foi seu negociador em Havana e é candidato, proferiu palavras duras sobre a implementação.
R. A implementação da paz vai bem. Não podemos nos esquecer de que estabelecemos 15 anos para implementar o processo. Temos 80 objetivos de curto prazo que tinham de ser cumpridos nos primeiros dois anos. Em um ano e quatro meses cumprimos 75%. Espero que no que resta do ano se concluam os outros 25%.
Os validadores do processo, por exemplo, o instituto Kroc (ligado à Universidade norte-americana de Notre Dame), dizem que essa implementação caminha muito mais rápido do que qualquer outra em qualquer outro processo de paz.
As FARC estão desarmadas, desmobilizadas, já são partido político, já participaram das eleições, as mais tranquilas que a Colômbia teve nos últimos 70, 80 anos. A justiça especial para a paz está funcionando, como a comissão da verdade e a unidade de busca de pessoas desaparecidas. A reincorporação dos ex-combatentes está funcionado, apesar de ali ter havido atrasos resultantes da falta de acordo dentro das próprias FARC. A questão de Humberto de la Calle é compreensível, ele está em campanha política.
O sr. teme pelo futuro do processo de paz depois das eleições?
Continuo muito otimista. Isso é irreversível, quem quer que venha não poderá dar marcha ré e o processo de paz não tem outro caminho além de ir-se consolidando por meio da reconciliação. Isso é algo que vai mudar a História da Colômbia.
O sr. entende que os afetados pelo conflito queiram ver logo os resultados?
Eu entendo perfeitamente essa impaciência. Muita gente quer ver as mudanças já. Por exemplo, vou constantemente a essas regiões. Onde estão as estradas, os hospitais, os colégios? Isso exige um tempo. Mais de 220 mil pessoas participaram de quase 2 MIL assembleias para que sejam as próprias comunidades a determinar as prioridades de investimento desses planos de desenvolvimento. Está funcionando segundo os cronogramas que nos impusemos.
O que o sr. acha do comportamento dos dirigentes da antiga guerrilha? Jesús Santrich está à espera de extradição acusado de narcotráfico.
Isso é resultado do não cumprimento do acordo. Se alguém das FARC comete crimes depois de ter assinado os acordos será submetido à justiça comum, perde seus benefícios. De vez em quando temos reuniões com observadores notáveis quanto aos avanços da implementação, o ex-presidente Mujica do Uruguay e o ex-presidente Felipe González da Espanha.
Esses dois notáveis se reuniram recentemente com as FARC, com o Governo, e repetiram que a implementação está indo bem. Vai de vento em popa. Sem dúvida com problemas, com obstáculos. A FARC não pode dizer que o Governo esteja deixando de cumprir sua parte. Se dizem é por razões políticas, já estão fazendo política. Bem-vinda seja.
A Colômbia conseguirá vencer o narcotráfico? Seu Governo tem um plano de substituição voluntária de plantações de coca.
Com o processo de paz, temos uma oportunidade única. Pela primeira vez as FARC não estarão defendendo as plantações, mas colaborando para substituí-las por plantações legais. Já há mais de 125 mil famílias que expressaram seu desejo de substituir a coca, firmaram-se convênios com mais 35 mil. Essa será uma solução permanente e estrutural. Estamos colocando em andamento uma política dual, substituição voluntária mais erradicação forçada, e vamos cumprindo as metas. Nos sentamos com os EUA para traçar um plano de cinco anos, ficaram totalmente satisfeitos. Nunca tínhamos confiscado tanta droga. É o que se pode fazer enquanto o mundo descobre uma nova forma de atacar o problema, uma guerra que foi declarada há 45 anos no mundo inteiro e que não foi vencida.
Continua havendo regiões perigosas, nas quais se misturam dissidências das FARC e máfias. É possível conter essa violência?
A paz absoluta e total vai demorar muito tempo. Exatamente pelo acordo de paz com as FARC, há regiões que eles controlavam que hoje estão em disputa pelas gangues criminosas. O Estado mesmo está chegando com a força pública e o desenvolvimento. Mas há regiões que antes eram muito perigosas e convulsionadas que hoje vivem em calma total.
Os assassinatos de líderes sociais não param.
É muito preocupante. Ainda existe o fantasma do que aconteceu com a União Patriótica. As circunstâncias são muito diferentes. Hoje não temos paramilitares, o país é outro, mas me preocupam esses assassinatos, muitos deles cometidos por quem quer que fracasse, por exemplo, a substituição de cultivos: narcotraficantes colombianos e mexicanos. Estão diminuindo, mas uma única vítima para mim é muito.
Conseguirão a paz com o ELN?
Espero que antes de terminar o Governo tenhamos avançado o suficiente para que fique muito difícil para o próximo presidente não continuar.
Os colombianos estão cada vez mais indignados com a classe política tradicional devido a escândalos como o da Odebrecht. Toda semana saem novos casos de corrupção...
No ano passado foram revelados muitos casos de corrupção. Por quê? Porque aprovamos leis e colocamos em marcha políticas anticorrupção que deram ferramentas aos organismos de controle. O que estamos vendo é que está se revelando por fim a corrupção que estava escondida. Não é que haja mais corrupção, é que se está vindo à tona. Sobre o caso Odebrecht, aqui as propinas, os subornos existiram no Governo anterior, neste Governo não há nenhum alto funcionário que tenha sido acusado de receber propina.
A Odebrecht se apresentou em 15 licitações, ganharam uma, que cumpriram devidamente. Mas houve uma confusão entre o caso das propinas e o caso do dinheiro na campanha, que na Colômbia não era crime. Eu transformei em crime. O que estamos fazendo é revelar a corrupção e é preciso perseverar nisso.
O sr. se manteve à margem da campanha, mas o que diria a seu sucessor?
Seja quem for, estamos deixando a ele um país com bases sólidas. Que não cometa o pecado muito tradicional na América Latina que é o complexo de Adão, ou seja, arrasar tudo que veio antes e criar algo novo. Eu não arrasei tudo que Uribe deixou, construí sobre o que ele deixou, e ele fez coisas muito boas. É preciso construir sobre o construído.
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