Domingo, 3 de maio de 2015 - 18h23
Montezuma Cruz
Em Porto Velho
A Tribuna, diário editado em Porto Velho, fez parte da seleta lista de jornais tidos como “contestadores” pelo regime militar. Assessorias de segurança em atividade na Amazônia, entre as quais a da Companhia Vale do Rio Doce, distribuíam aos governos, ao Incra e à polícia relatórios do Serviço Nacional de Informações (SNI), recomendando a empresas públicas e autarquias não anunciarem naquele jornal e também na Folha de Londrina, A Notícia (Manaus), O Expresso e Resistência (ambos de Belém), Correio da Imprensa (Cuiabá), entre outros.
Mais de três décadas depois, entendi o que motivava o boicote econômico feito pela Coordenadoria Regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Rondônia à Tribuna, em cujas páginas aquela autarquia publicava editais e comunicados a respeito dos seus projetos fundiários, de colonização e assentamento dirigido. Não gostavam da postura do jornal dirigido pelo jornalista e advogado Rochilmer Rocha.
A defesa da causa de posseiros e de colonos abandonados nos projetos do Incra, crianças vítimas de maus-tratos, abusos de autoridade, desvio de dinheiro público – não tanto quanto hoje – colocavam o jornal no rol de 58 incômodas publicações.
Rochilmer era filho do falecido empresário Joaquim Pereira da Rocha, em cujas terras, no antigo Seringal Machadinho, o geólogo Norman Campbell descobriu um veio de cassiterita (minério de estanho) no início da década de 1950. Dona Noêmia, esposa de seu Rocha foi professora de Almino Afonso, ex-ministro do Trabalho de João Belchior Marques Goulart e ex-vice-governador paulista.
Na pequena estante da sala do diretor Rochilmer Rocha, um exemplar desbotado do livro Psicologia das multidões era bem apropriado ao momento vivido pelo extinto Território Federal de Rondônia. Havia gente chegando de todos os quadrantes do País, o que o motivava para reflexões: como será isso aqui?
Para qual público estamos fazendo um jornal? “Era das Multidões”, a introdução à leitura desse livro de Gustavo Le Bon, respondia ao inquieto filho do pioneiro seu Rocha: “A voz das multidões tornou-se preponderante. Ela dita aos reis a sua maneira de proceder. Já não é nos conselhos dos príncipes, porém, na alma das turbas, que se preparam os destinos das nações”. Rondônia, a nossa nação, em pé.
As reportagens retratavam agruras dos assentados na região central do ex-território federal. O coordenador regional do Incra, Bernardo Martins Lindoso – irmão do ex-senador e governador do Amazonas, José Lindoso – telefonava bravo a Rochilmer. Em seguida suspendia o pagamento da publicação de editais de medição de lotes, licitações públicas e outros. Estabelecia-se a censura econômica.
Os títulos de primeira página de A Tribuna socavam autoridades contra a parede: Rolim de Moura, retrato do abandono no sul de Rondônia / Crianças espancadas no Instituto Belizário Pena. Numa edição inteiramente em preto e branco, sem as costumeiras tintas azul e vermelha, que enlutava 78 famílias de posseiros despejadas com violência em Cacoal, o editor Paulo Queiroz dava a manchete: Só resta medo na gleba que um dia foi Prosperidade.
Conheci dois coronéis governadores. Respondi a alguns inquéritos nas polícias federal e civil. Vi nascer e crescer um novo estado, a partir do despejo de milhões de dólares do Banco Mundial para viabilizar o Programa de Desenvolvimento Integrado do Noroeste Brasileiro (Polonoroeste), aquele até hoje acusado pelo desmatamento excessivo e por encurralar indígenas. Em Ariquemes vi o fungo vassoura-de-bruxa destruir cacaueiros, desesperando agricultores baianos.
Vi colonos “pendurados” com financiamento agrícola no Bradesco, Bamerindus e Banco do Brasil. Gerências acionavam judicialmente os coitados, tomando-lhes lotes e até máquinas, quase à força. Paralelamente, não havia saúde, nem assistência técnica aos migrantes que chegavam aqui quase sem eira, nem beira, nem ramo de figueira, via centro de triagem de Vilhena.
Relatei o ataque mortal da malária, da hepatite e de outras doenças tropicais, ao mesmo tempo em que mostrei o êxito dos migrantes sobreviventes dessa selva inóspita, alguns dos quais constituíram família e ainda são donos de seus sítios. No entanto, nas regiões isoladas o sofrimento era grande: levavam em redes os corpos das vítimas fatais da malária. A procissão a pé só parava diante da cova rasa, no meio da floresta.
Visitei tribos indígenas na região do Purus, no sudoeste do Estado do Amazonas e fui ao Território Federal de Roraima para cobrir o comício de 1978, do deputado piauiense Francelino Pereira, então presidente da Aliança Renovadora Nacional (Arena), o “maior partido político do Ocidente”, por ele proclamado.
Em Boa Vista, o deputado subiu na carroceria de um caminhão velho cercado de flores. Depois, ele governou Minas Gerais e numa noite calorenta telefonou pessoalmente para mim, enquanto fechávamos mais uma edição de A Tribuna. Queria que eu (!) intercedesse com Odacir Soares Rodrigues, para que fizesse composição com adversários na calorosa disputa arenista.
No casarão branco da Rua Campos Sales, em Porto Velho, os correspondentes batiam ponto todo fim de semana, para ouvir o advogado goiano Jerônimo Garcia de Santana (MDB e PMDB), três vezes deputado federal, prefeito e governador do Estado. Ele era a “voz dos sem voz”. Mineiro de Jataí, obstinado, popularizou-se no território federal até se eleger deputado venerado pela massa de pobres rurais e urbanos.
Em 1978, o movimento popular organizado desafiava a ditadura militar. A Tribuna estava no auge. Em 15 de novembro, MDB (*) e Arena (**) polarizariam os eleitores nas urnas para a escolha de deputados federais e estaduais. Lutava-se pelas liberdades democráticas, conquistadas dez anos depois. O jornal de Rochilmer Rocha fez a sua parte, abrindo ao povo o direito de se manifestar.
Florescia em várias regiões do País uma vigorosa imprensa alternativa, reunindo aqueles que faziam o coro dos descontentes, vítimas da censura, das ameaças, prisões, perseguições e bombas. O SNI trabalhava em silêncio, fiel a seus compromissos com o obscurantismo.
No final do mandato outorgado pelo general-presidente Ernesto Geisel a um de seus coronéis de confiança, Rochilmer Rocha abria espaço para “o pensamento vivo de Guedes”. Atitude democrática, sobretudo tolerante, diante daquilo que enfrentara por ousar fazer um jornal inserido nas conquistas do seu tempo.
O coronel Guedes voltava para Brasília brigado com o líder governista Odacir Soares (Arena) e com o ferrenho opositor, deputado Jerônimo Santana. A nós devotou respeito.
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